O plano das prioridades sociais

Respondendo às disparidades decorrentes do espectacular crescimento económico registado nos últimos anos, o Governo Central propõe, no seu 11o Plano Quinquenal, um novo modelo de desenvolvimento: mais lento e mais sustentado, dando prioridade às questões sociais, à qualidade de vida e o ambiente, em detrimento do incremento dos indicadores económicos

“Pela primeira vez ficaram consagradas mais medidas de carácter social do que propriamente económicas”, destaca o economista de Macau, Albano Martins, sublinhado que “as prioridades foram claramente para a ‘panela de pressão’ dos problemas sociais”. Aprovado pelo plenário da Assembleia Popular Nacional (APN), o 11o plano quinquenal abandonou as tradicionais metas numéricas de crescimento, elegendo como principal objectivo a redução das desigualdades entre os centros urbanos e o interior rural.
Revelando índices de crescimento capazes de impressionar o mundo, o ritmo galopante a que foi prosseguindo nos últimos anos, para além dos “potenciais riscos financeiros” enumerados pelo próprio primeiro-ministro, Wen Jiabao, gerou também disparidades sociais e questões ambientais. O fosso entre ricos e pobres atingiu o seu expoente máximo desde a fundação da República Popular, em 1949 – um camponês ganha actualmente menos de um terço de trabalhador urbano. Esta é uma situação que o Governo Central quer alterar rápida e significativamente, no decurso dos próximos cinco anos, criando pólos de desenvolvimento no mundo rural.
Para viabilizar esta tarefa histórica foi lançado um pacote de medidas (ver caixa) que dita, por exemplo, a abolição do imposto agrícola – cobrado há mais de 2600 anos -, a criação de um sistema de saúde experimental e a isenção do pagamento de propinas na escolaridade obrigatória em meios rurais. Sem contabilizar o investimento público na construção de infra-estruturas, prevê-se que a despesa do governo, desde serviços de saúde a subsídios a agricultores, aumente cerca de 14,2 por cento, totalizando 42,4 mil milhões de dólares americanos.
Mantém-se todavia o intuito de desacelerar o crescimento económico, dos 9,5 por cento registados entre 2000 e 2005 para 7,5 por cento nos próximos cinco anos. Arrefecimento que leva o economista Albano Martins a recordar que “muitas das medidas anteriormente lançadas para travar o crescimento económico acabaram por ter o efeito inverso”.
Também no campo ambiental o crescimento chinês teve sérios impactos, não só no meio ambiente, mas na próprio esgotamento das matérias-primas e dos recursos. Daí a intenção expressa pelo Governo de reduzir em dez por cento os níveis de descargas de poluentes, aumentando simultaneamente a eficiência energética. No ano passado, a China consumiu metade da produção mundial de cimento, um terço do algodão, do arroz e do carvão, um quarto do aço e um décimo do petróleo. Contudo, para produzir 10 mil dólares de PIB consumiu mais 5,7 por cento da energia dos Estados Unidos e quase o triplo do que a Índia consumiu para os mesmos resultados económicos.
O plenário da APN ficou ainda marcado pelo adiamento da promulgação de legislação sobre o direito de propriedade, matéria que suscitou um intenso debate ideológico. Yang Jingyu, director do Comité Legislativo da Assembleia Popular Nacional, esclareceu na circunstância que “diferenças de opinião” tinham levado à solicitação de mais de 11.500 opiniões sobre um articulado que será discutido apenas no próximo ano, à luz de uma interpretação da Constituição segundo a qual a propriedade estatal e a privada se revêem no mesmo plano.
Arnaldo Gonçalves, académico que se tem prestado ao estudo da ascensão da China no tabuleiro geoestratégico internacional, admite que este projecto-lei possa encerrar uma possível solução ao dilema da propriedade dos terrenos – desde a década de 50 totalmente sob a alçada do Estado. Fazendo eco de uma corrente de investigadores, incluindo vários reputados analistas chineses, e ciente das limitações que esta tese ainda enfrenta no modelo político chinês, Arnaldo Gonçalves admite que “a China só conseguirá assegurar o desenvolvimento sustentável no interior rural fazendo de cada agricultor um pequeno empresário”.

A RAEM no Plano Quinquenal

Pela primeira vez Macau é parte integrante do plano quinquenal, que acaba de ser aprovado pela Assembleia Popular Nacional e que norteará a política económica do Governo Central nos próximos cinco anos. A estreia no articulado deve-se ao facto do plano anterior, relativo ao período entre 2000 e 2005, ter sido elaborado, ainda, em 1999, ano em que teve lugar a transferência de administração de Macau. O 11º plano dita que as vantagens de Macau “devem ser exploradas por forma a implementar mecanismos de cooperação multi-laterais, entre empresas e organizações industriais, e promovidos por organismos governamentais.” A referência, única ao longo do documento de 20 páginas, extensivo à também Região Administrativa Especial de Hong Kong, surge sob a rubrica “Cooperação Regional e Abertura”, onde é dada relevância à implementação do Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Continente Chinês e a RAEM. Também conhecido como CEPA (Commercial and Economic Partnership Agreement), o acordo, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2004, veio abolir tarifas aduaneiras para determinados produtos e facilitar as condições de acesso das duas regiões administrativas especiais ao mercado do do interior do País nas áreas de comércio de serviços e investimento.
A par de Hong Kong, a alusão a Macau no 11º plano quinquenal surge como uma mensagem de tranquilidade dirigida à comunidade internacional, mostrando que a China reconhece o alto grau de autonomia das suas duas regiões administrativas especiais, ainda que as englobe no projecto económico nacional, de que são parte integrante. O primeiro-ministro Wen Jiabao argumentou, aquando da apresentação do documento, que embora Hong Kong tivesse mantido não só a sua autonomia mas também o seu estatuto como uma das economias mais livres e centro financeiro internacional, o seu desenvolvimento não deveria ser visto fora do contexto do Continente, uma vez que este é o maior parceiro económico de Hong Kong e Hong Kong o seu maior investidor externo.. Por seu turno, o Continente é o principal fornecedor de Macau e representa o maior mercado de origem de turistas que viabiliza o actual modelo económico, assente na indústria do entretenimento.
L. P.

Principais objectivos do plano quinquenal 2006-2010

Crescimento económico:

• Crescimento anual do PIB de 7,5 por cento – de 18,2 triliões de remimbis (2,2 triliões de dólares norte-americanos), em 2005, para 26,1 triliões de remimbis (3,2 triliões de dólares) em 2010;
• crescimento anual do PIB per capita em de 6,6 por cento – de 13.985 remimbis (1 746 dólares americanos), em 2005, para 19.270 remimbis (2405 dólares americanos) em 2010.

Estrutura económica:

• Crescimento do valor acrescentado dos serviços no PIB, de 40,3 por cento, em 2005, para 43,3 por cento em 2010;
• crescimento do valor representativo do emprego dos serviços, de 31,3 por cento para 35,3 por cento, em 2010;
• crescimento do valor representativo do investimento na investigação e desenvolvimento, de 1,3 por cento, em 2005 para dois por cento em 2010;
• crescimento da taxa de urbanização, de 43 por cento, em 2005, para 47 por cento em 2010.

População, recursos e meio ambiente:

• Crescimento populacional, de 1,3 mil milhões, em 2005, para 1,36 mil milhões em 2010;
• redução do consumo energético por unidade do PIB, em 20 por cento, nos próximos cinco anos;
• redução do consumo de água por unidade de valor acrescentado industrial, em 30 por cento, nos próximos cinco anos;
• aumento do coeficiente de eficácia no uso de água para irrigação, de 0,45 por cento, em 2005, para 0,5 por cento em 2010;
• aumento da taxa de utilização de resíduos sólidos industriais, de 55,8, em 2005, para 60 por cento em 2010;
• redução do total da área cultivada, de 122 milhões de hectares, em 2005, para 120 milhões em 2010;
• redução em 10 por cento no valor total das descargas dos principais poluentes, nos próximos cinco anos;
• aumento da área florestada, de 18,2 por cento, em 2005, para 20 por cento em 2010.

Qualidade de vida

• Aumento da escolaridade média per capita, de 8,5 anos, em 2005, para nove anos em 2010;
• alargamento dos beneficiários da pensão básica de velhice, de 174 milhões de pessoas, em 2005, para 223 milhões em 2010;
• aumento da cobertura do novo sistema médico rural cooperativo, de 23,5 por cento, em 2005, para 80 por cento em 2010;
• criação de 45 milhões de novos empregos para residentes urbanos nos próximos cinco anos;
• transferência de 45 milhões de trabalhadores rurais para sectores não agrícolas nos próximos cinco anos;
• aumento da taxa de desemprego registada, de 4,2 por cento, em 2005, para cinco por cento em 2010;
• aumento do rendimento per capita disponível da população urbana nos próximos cinco anos – de 10.493 remimbis (1310 dólares americanos), em 2005, para 13.390 remimbis (1670 dólares americanos) em 2010;
• aumento do rendimento líquido da população rural nos próximos cinco anos – de 3255 remimbis (406 dólares americanos), em 2005, para 4150 remimbis (518 dólares americanos) em 2010.