Dossiê educação: Pui Ching a fazer história

O ensino da História é cada vez mais estimulado em Macau. A Escola Pui Ching aproveitou um subsídio do Governo da RAEM e mandou construir nas suas instalações a Galeria de Artes Culturais Chinesas. Pejado de obras doadas por antigos alunos e líderes da comunidade, este espaço permite aos alunos um contacto diferente com o passado de Macau e da China

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Texto Patrícia Lemos | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Na primária os alunos despertam de mil e uma maneiras para o universo das ciências, as naturais e as humanas. Capazes de reconhecer alguns caracteres chineses desde o pré-escolar, as crianças descobrem as noções mais básicas de biologia, história e geografia. Assim vão desenvolvendo consciência de si mesmas e do mundo que as rodeia, explica Chan Keng Lim, director de Estudos da Escola Secundária Pui Ching de Macau, que dá um exemplo: “No quinto ano aprendem os direitos e obrigações dos cidadãos, presentes na Lei Básica da RAEM”.

O contacto com a Constituição chinesa dá-se em conferências ou oficinas, que contam com a presença de alunos dos últimos anos da primária. É por essa altura que também lhes é revelada a forma como os portugueses chegaram a Macau e “como decorreu a transição de Macau para a China”, afirma Chan. Com estes conhecimentos apercebem-se da sua identidade, ganhando um sentimento de pertença a Macau, berço da cultura macaense.

A história da China e os clássicos dessa literatura só entram nos sumários do primeiro ano do secundário e os estudantes aprofundam essas matérias por mais dois anos. “Os tempos mais modernos da China estão reservados aos últimos anos do liceu”, revela Chan, sublinhando que aí o programa curricular é mais organizado, até porque “o objectivo é formar futuros líderes do país e cidadãos do mundo”.

A Pui Ching parece estar a dar cada vez mais importância à disciplina de história. Tanto assim é que, há alguns meses, abriu nas suas instalações da Avenida Horta e Costa um núcleo museológico, proporcionando aos alunos um contacto diferente com os tempos passados. A construção da Galeria de Artes Culturais Chinesas foi totalmente financiada pelo Governo: 2 milhões de patacas. “A maioria das obras foi doada por antigos alunos e líderes da comunidade”, refere Chan com orgulho.

Durante o ensino primário começa-se ainda a desvendar generalidades sobre a paisagem de Macau e ainda se descobre onde ficam alguns países no mapa do mundo. “Os estudantes aprendem a localizar os Estados Unidos da América no mapa e também começam a descobrir a geografia da China, tomando conhecimento de algumas regiões montanhosas, como Guilin.”

É nas áreas de história e até da educação cívica que se revela maior necessidade de circunscrever o ensino. Aliás, um dos grandes objectivos da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) é criar um sistema educativo característico de Macau. O director de Estudos da Pui Ching concorda que assim seja, porque deve haver uma adequação de conteúdos, mas salienta que “o mercado local é muito pequeno e que, por exemplo, ao nível dos manuais mais vale aproveitarem-se algumas valências da China e de Hong Kong.”

Os compêndios escolares diferem de escola para escola. A Pui Ching usa livros de Hong Kong e do Interior da China nas áreas de matemática, história, biologia e química. “Porque não há manuais próprios de Macau, o que é normal. Afinal, não é viável para as editoras estarem a produzir especificamente para a RAEM que é um mercado tão diminuto. Além disso, os manuais em Hong Kong e no Interior do País são de qualidade”, assegura Chan, adiantando que algumas editoras da RAEHK contratam por vezes profissionais de Macau ou que conhecem bem a região para que os conteúdos não fujam muito da realidade desses utilizadores.

Como os manuais não são de Macau, os professores dão mais explicações sobre alguns assuntos que não forem familiares às crianças. E ilustra com um exemplo: “Há livros que mencionam o metro de Hong Kong. Em Macau não existe esse meio de transporte, por isso é preciso esclarecer os alunos. Outras vezes, saltam-se algumas páginas sobre tópicos que os professores não consideram estar adequados ao território ou à cultura local.”

 

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Religião e ciência

Não é de estranhar que cada escola escolha os seus próprios manuais. Afinal, o Governo dá liberdade aos estabelecimentos de ensino de porem em prática o seu modelo didáctico, que é reflexo de uma filosofia de ensino própria. Considerada uma das melhores escolas do território, a Pui Ching faz reger o seu trabalho em seis áreas específicas como sejam a sabedoria, desenvolvimento físico, preocupação social, crescimento espiritual e estético e conduta moral. São valores que vão ao encontro das recomendações do Governo, que pede uma atenção especial à “formação moral e cívica dos alunos”, uma das políticas fundamentais do Planeamento para os Próximos Dez Anos para o Desenvolvimento do Ensino Não Superior (2011-2020). A Pui Ching, até pelo seu pendor religioso, não deixa de atender ao pedido de uma forma especial. “A par das aulas semanais do estudo da Bíblia, que contam para avaliação, temo-nos esforçado para que os alunos tenham uma boa formação moral”, salienta Chan. As actividades religiosas não ficam consignadas à sala de aula. “Também há encontros com os alunos da escola-irmã de Hong Kong.”

Apesar de ser um estabelecimento de matriz cristã, a Pui Ching tem-se destacado das demais escolas na área das ciências naturais e formais, estimulando os seus estudantes a tomarem parte nas competições promovidas anualmente pela DSEJ. “Assim os nossos alunos podem evoluir e mostrar o seu talento”. No ano lectivo 2012/2013, o governo organizou quatro concursos escolares de ciência, nos quais participaram mais de 1500 os alunos oriundos de 20 escolas.

Chan atesta a participação dos alunos da Pui Ching em competições de matemática, física e química noutras regiões e países e contam com o apoio financeiro do Governo para tal. “Também organizamos muitas actividades na escola para os alunos melhorarem os seus conhecimentos científicos. Inclusivamente, são até convidados professores de institutos superiores para serem formadores dessas competições.” Chan destaca o popular concurso de ciência robótica de entre essas iniciativas da escola, que são parcial ou totalmente financiadas pelo governo da RAEM.

As ciências naturais merecem igual atenção deste estabelecimento de ensino, que conta com vários laboratórios nas suas instalações. Desses, Chan destaca um com animais que os alunos da primária visitam como introdução à biologia. Desta forma descontraída, ganham uma “consciência para as ciências” que os prepara depois para colherem ensinamentos mais complicados nas aulas de física e de química do secundário.

Apesar do programa curricular de matemática pouco ter mudado nos últimos dez anos, as aulas desta disciplina na Pui Ching vão ser bem mais modernas no próximo ano lectivo, sem com isso os alunos precisarem de novos manuais, continuando a usar sobretudo os nacionais.

À semelhança da Escola São Paulo, que obteve financiamento da DSEJ para adoptar tabletes nas aulas, “a partir do segundo ano da primária, os alunos vão passar a utilizar esses aparelhos digitais nas aulas e assim resolver problemas e aprender alguma geometria a partir de aplicações”. A escola adere assim ao movimento BYOD (Bring Your Own Device), uma nova metodologia de ensino tecnológica já popular nos Estados Unidos. “Já comprámos mais de 100 aparelhos”, garante Chan, que explica: “Hoje em dia, já não há necessidade de ensinar às crianças a mexer num computador, mas é importante que façam uma boa utilização desses meios, que saibam gerir bem o tempo que passam na Internet e a usar tecnologias”.

 

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Avaliação a mudar

A taxa de reprovação da Pui Ching é mais reduzida do que a média de Macau e tem vindo a baixar comparativamente a registos de anos anteriores da própria escola. Isto “porque os alunos que não tiverem boas notas nos testes têm aulas-extra para melhorar o seu desempenho”. Mas nem todas as escolas têm este sistema de apoio tão bem montado. Existem mesmo níveis de exigência muito diferentes nas escolas de Macau. Chan acredita que “o exame de avaliação global no final do secundário que o Governo quer instituir poderá diminuir as diferenças”. Está convencido de que Macau também beneficiaria com “a criação de um exame no final da escola primária” para aferir o nível de conhecimentos-médio dos alunos e ainda outro no final do liceu, como aliás a Associação dos Jovens Macaenses já propôs à DSEJ. “Essa prova serviria apenas para atribuir um certificado de qualificação do ensino secundário, ou seja nada tem a ver com o exame de admissão à universidade”, sublinha.

A Escola Pui Ching segue as recomendações do Governo para o ensino infantil, primário e secundário. Contudo, “nos últimos três anos do liceu, a escola desvia-se um pouco do aconselhado pelo Governo, como seja em algumas matérias e até no número de aulas dadas que é maior do que o recomendado, porque é preciso preparar os nossos alunos para os exames de admissão às universidades além-fronteiras”, que é para onde vão muitos deles.

A DSEJ tem muitos projectos para o sistema educativo de Macau. Está em curso o “Quadro da Organização Curricular da Educação Regular”, com planos-piloto em implementação ao nível do ensino básico para atender às Exigências das Competências Académicas Básicas. Muitas das intenções são no sentido da diversificação, pois assim o Governo acredita que consegue formar mais talentos. Contudo, ao nível dos critérios de avaliação as autoridades pretendem uniformizar para evitar padrões de reprovação diferentes entre alunos, o que “é um problema em Macau”, constata Chan. Por isso, há uma grande expectativa em torno da implementação do exame público geral. “Todos concordam que esta medida será boa para Macau, mas ninguém sabe bem quando vai começar a realizar-se”.

A prova global implicará, certamente, uma preparação dos alunos por parte das escolas. O responsável da Pui Ching acredita que, “com esta nova medida, os conteúdos dos programas das escolas se uniformizem mais em Macau, sobretudo nos anos que antecedem o exame. Ou seja, exactamente onde há maior disparidade curricular. Mas julga que as escolas vão continuar a gozar de alguma liberdade: “Vamos poder escolher o que vamos ensinar nas aulas dentro do âmbito requisitado pelo Governo.”