Vítor Sereno, o cônsul da “Sinolusofonia”

Desde que chegou há um ano com a estratégia de tornar Portugal um parceiro incontornável da RAEM, o cônsul geral de Portugal em Macau e Hong Kong tudo tem feito pela promoção do seu país e de Macau. Vítor Sereno assume uma missão diplomática que prova o interesse maior de Portugal em Macau para dar o nó que faltava nos laços sino-lusófonos

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Texto Patrícia Lemos | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Das várias áreas de trabalho que demarcou para a sua missão diplomática em Macau, como são a reorganização do consulado e a promoção do ensino de língua portuguesa, a diplomacia económica tem sido a que mais se tem destacado. Tanto que foi nomeado representante de Portugal no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau), em Outubro, e três meses depois foi eleito a Personalidade Luso-Chinesa do ano 2013 pela Associação de Jovens Empresários Portugal-China (AJEPC). Um prémio que Vítor Sereno recebeu em Portugal e dedicou à “comunidade portuguesa de Macau e Hong Kong”, que considera ter “um extraordinário dinamismo, empreendedorismo e seriedade”. Mas a razão de tanto reconhecimento tem nome: chama-se vistos dourados.

Até ao final de 2013, dos quase 500 vistos dourados atribuídos, que representam um investimento superior a 300 milhões de euros, um terço foi para os chineses e Macau garantiu daí mais de 30 por cento. A maior parte do investimento continua a ser em imóveis no Algarve e em Lisboa, totalizando mais de 270 milhões de euros. Esse grande contributo de Macau deveu-se ao interesse que estes vistos despertaram no tecido empresarial da região, com muitas firmas a mobilizarem-se para fazer a ponte para Portugal. Mas o cônsul teve aí um papel determinante. Além de receber missões de empresários, agentes imobiliários, governantes portugueses e fazer discursos de promoção a Portugal, criou no consulado um balcão e uma linha especial de atendimento telefónico (+853 8394 8132) para dar um tratamento personalizado aos potenciais candidatos ao visto dourado.

A ideia do balcão foi um sucesso e “está a ser replicada por todas as representações diplomáticas no mundo”, garante o diplomata, que espera este ano dar continuidade às mesmas acções de promoção, organizando eventos e iniciativas capazes de demonstrar que Portugal é um país competitivo, moderno e confiável. Ou seja, é um bom lugar para investir.

 

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Postura no Fórum

Sereno acredita que “por ser mais novo” goza de “alguma latitude e condescendência positiva da parte da tutela, no sentido de criar em Macau um balão de ensaio e experimentar coisas novas nas relações entre os Estados”. São experiências que se têm repercutido em aplausos, em Macau e em Portugal. O mais sonoro veio da AJEPC que materializou o reconhecimento ao cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong no Prémio Personalidade Luso-Chinesa 2013. E não foi só por causa dos vistos, a associação elogiou a “inovação” da postura diplomática. O presidente da AJEPC, Bernardo Mendia, explicou que este galardão distingue personalidades importantes nas relações entre Portugal e a China. Soma-se assim ao prémio que recebeu em 2008 do júri da Academia Internacional de Protocolo pela execução e planeamento da Cerimónia de Assinatura do Tratado de Lisboa.

Outro dos triunfos de Sereno foi a nomeação, em Outubro, para ser o primeiro representante de Portugal no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Esta designação eleva o grau da importância que Portugal dá a esse órgão de Macau, garante o cônsul. Uma aposta lusa redobrada que é reflexo do aumento exponencial das trocas comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa. Segundo o diplomata, o Fórum Macau teve um papel importante nesse desenvolvimento. Sereno explica que “Portugal olha para o Fórum como uma plataforma” e esta é uma forma de com a China todas as partes ganharem com operações nos países de língua oficial portuguesa. Portugal assume o know-how útil que tem de África – “porque conhecemos o terreno melhor que ninguém” – e pode prestar consultadoria, dando a ganhar a todos os envolvidos.

De entre as medidas divulgadas em Novembro do ano passado na IV Conferência Ministerial do Fórum Macau, Sereno saúda a continuidade do Fundo de Cooperação e Desenvolvimento de mil milhões de dólares norte-americanos. Acredita que esta bolsa de dinheiro vai estimular parcerias entre empresas dos vários países-membros do Fórum. Mas deixa um recado: “É importante perceber que estes projectos a dar entrada no secretariado do Fórum e via Banco da China não podem ser individuais”, tem de haver uma conjugação de interesses e têm de ser em áreas específicas.

 

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Alimentos de sucesso

Também a criação dos centros estratégicos em Macau é apreciada: “É da máxima importância para Portugal”, no apoio que, por exemplo, o centro de negócios de pequenas e médias empresas pode dar a firmas portuguesas que queiram entrar no mercado asiático, “facilitando os processos e impulsionando negócios”, sublinha. Também o centro de distribuição de produtos alimentares dos países lusófonos a ser criado na RAEM pode ser uma “excelente montra” dos produtos portugueses para todo o Sudeste Asiático. Afinal, “o sector agro-alimentar é um dos mais importantes na mala de exportações de Portugal para Macau e isso prova a nossa capacidade de oferta”. E não vai pôr em causa os planos dos centros de distribuição de alimentos portugueses para Shenzhen e Pequim.

Talvez estas plataformas possam, por exemplo, unir os importadores de vinho de Macau, que são muitos. Sereno considera que não é positivo existirem tantos: “Sem exagero, são mais de 45. Seria melhor organizarem-se em três ou quatro, para ficarmos muito mais fortes do que a concorrência.” O diplomata elogia ainda a qualidade dos vinhos portugueses e acha que só perdem para a concorrência pelo preço, pois são mais caros.

Cerca de “80 por cento das empresas portuguesas operam na área alimentar, por isso esse é o caminho”. Sereno concorda que “existe claramente uma ofensiva lusa na área agro-alimentar na China”. Dentre as várias visitas oficiais que recebeu em 2013, como a do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, uma das mais importantes foi em Junho, a do secretário de Estado da Alimentação e Investigação Agro-alimentar, Nuno Vieira e Brito, que conseguiu estabelecer um acordo com a China, “desbloqueando uma norma na lei chinesa que impedia a compra de lacticínios portugueses”. Em relação à carne de porco, “também estamos no bom caminho, por causa das reuniões ao mais alto nível com as autoridades de Pequim do mesmo secretário de estado”. Aquando da sua estada na RAEM, Vieira e Brito também falou com responsáveis do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais de Macau com vista a um acordo para a formação na área da segurança alimentar.

 

Macau magnético

Para além das visitas de Estado, o cônsul acolheu muitas missões empresariais portuguesas e constatou o interesse das firmas lusas em usar Macau como plataforma de avanço para a China, “uma vez que aqui se fala português, pode-se usar uma série de valências via Fórum Macau”. Mas Sereno quer que os portugueses apostem ainda mais na sua zona consular: “Sou um defensor acérrimo dos interesses portugueses na RAEM e em Hong Kong, mas também defendo os interesses de Macau”. Acredita que “este é o momento exacto para apostar na RAEM”. Porquê? “Porque a economia local está a crescer em dois dígitos, tem uma receita sete vezes superior à de Las Vegas, é um dos pouco sítios do mundo onde se recebe um subsídio do governo de quase 9000 patacas só por se ser residente permanente e onde a execução orçamental a 12 meses é feita ao fim do quarto mês.”

Para Sereno, os portugueses podem fazer muito com Macau em acções ligadas ao turismo, ao lazer, à organização de espectáculos. Alegra-se por isso que “as autoridades olhem para a região não como a capital do jogo, mas do lazer e do turismo”. E há mais oportunidades. Frisa que são variadíssimas as áreas de interesse, como “as indústrias criativas, que estão na moda, as novas tecnologias e do turismo, onde temos recursos humanos muito qualificados”.

Outras das prioridades do cônsul nesta sua missão diplomática no Oriente é reorganizar o trabalho no Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong, tanto em termos materiais como de recursos humanos, “no sentido de o aproximar mais da sua população”. Com o apoio da Secretaria de Estado das Comunidades, está a ser feita toda uma reconversão informática para agilizar o processamento de dados, “que tem sido um pouco lento”. A intenção é “tornar o consulado um braço de uma qualquer Loja do Cidadão em Portugal”. Para isso, “vamos contar com um aparelho portátil de recolha de dados”, que pode ir até Hong Kong ou a um hospital, onde for necessário.

Outro dos projectos é a remodelação do Auditório de S. Rafael a custo zero. À semelhança do que foi feito com a parte de baixo da residência oficial do cônsul, que agora é um espaço de exposições, este auditório com 80 lugares também vai servir a população, “aproximando os portugueses das suas instituições de Macau mais representativas”. Apetrechada com modernas tecnologias de informação, a sala pode ainda ser útil a empresas portuguesas que aí queiram apresentar os seus produtos e serviços.

 

Bilingues no consulado

Uma das áreas que mais o preocupa no consulado é a dos recursos humanos. E não é para menos: quase um terço dos funcionários aderiu ao programa de rescisões voluntárias da função pública portuguesa. Por isso, pretende criar uma bolsa de recrutamento “para contratar funcionários bilingues e com vontade de trabalhar”. Isto apesar de reconhecer que não tem possibilidade de oferecer salários competitivos. Tem consciência de que a população que serve precisa de profissionais que dominem português e chinês, “até porque estão inscritos cerca de 60 mil passaportes portugueses no consulado e apenas 10 ou 15 por cento falam a nossa língua, mas são tão portugueses como os que conhecem o idioma”.

O bilinguismo e a promoção da língua portuguesa compõem outra área estratégica que Sereno tem para o consulado. Com o director do Instituto Português do Oriente (IPOR), João Neves, está empenhado em levar mais longe o ensino da língua de Camões em Macau. “Aprecio muito as declarações do senhor Chefe do Executivo e do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura da RAEM nesta questão do bilinguismo, que não está única e exclusivamente consagrada na Declaração Conjunta. Para eles, também é uma prioridade.” É um interesse que tem reflexo nas autoridades em Lisboa, aplicadas “em apoiar a RAEM no ensino da língua portuguesa, via Fórum Macau, através da formação dos seus quadros. Queremos disponibilizar os recursos que estiverem ao nosso alcance para concretizar este objectivo.”

O IPOR tem cerca de 2000 alunos inscritos, “de todas as idades”, a aprender português semanalmente, mas Sereno gostava de aumentar o número. E por querer mais, o instituto tem contactado os serviços oficiais da RAEM, as forças de segurança, os bombeiros, entre outros, “porque sabemos que querem aprender português e nós podemos oferecer esse conhecimento”.

 

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Volta ao mundo em 17 anos

Natural de Coimbra, Vítor Sereno é licenciado em Direito e é diplomata desde 1997. Já trabalhou em quase todos os continentes: “Só me falta a Australásia para fazer o Grand Slam”. Todos os povos são diferentes, “menos as expectativas das pessoas, que são as mesmas em qualquer lugar: todas querem ser felizes onde quer que estejam”. Macau é a sua estreia na Ásia. “Tem uma das comunidades portuguesas mais integradas que eu conheço e, por isso, está bem na vida. Fiz apenas uma repatriação em sete meses. Sinto ainda que a comunidade tem muita vontade de ajudar o consulado geral. Tem-se funcionado muito num espírito de parceria.”

 

 

“A minha porta está sempre aberta”

Uma das grandes características da atitude diplomática inovadora de Vítor Sereno é a grande acessibilidade. “A minha porta está sempre aberta aos portugueses. Devo ter o número de telemóvel mais conhecido da terra”, afiança o diplomata. E até pelo Facebook dá resposta. “Eu sou assim. Tenho 42 anos e não vou mudar”.

Quase todos os meses convida os representantes das associações e dos órgãos de comunicação social portugueses para se reunirem no auditório do consulado. O diplomata acredita que através destes representantes pode dar conta do que tem feito e também conhecer as expectativas das pessoas. “Acho que assim envolvo mais os portugueses e também conto com a ajuda deles.”

Sereno gosta muito de estar em Macau e confessa que só lhe custa estar distante do filho que vive em Portugal. Gosta muito da cultura macaense e não dispensa um minchi. Até confessa que um dos seus sonhos é entrar num filme do grupo Dóci Papiaçám di Macau. E “já o fiz saber a Miguel Senna Fernandes”, o encenador do agrupamento. Também quer aprender mandarim, apesar da sua agenda bem preenchida, mas acredita que “é tudo uma questão de boa vontade”.

Numa população de pouco mais de 500 mil pessoas, cerca de 160 mil têm passaporte português “e cerca 7500 são portugueses, entre expatriados. “É uma comunidade que está a crescer e que é bem diferente da que encontrei na Alemanha, na Argentina”, onde também trabalhou na área da diplomacia. Destaca ainda a mescla “muito interessante entre gente jovem, que está a chegar, e outra que é luso-macaense e que está cá há muitos anos.”