Guiné-Bissau no Fórum de Macau: “Queremos fazer mais”

Malam Camará, delegado da Guiné-Bissau no Fórum Macau, assume a vontade política do Governo do seu país para que as relações comerciais com a China ganhem outra dinâmica no futuro próximo.

 

 

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Texto Nuno G. Pereira | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

A abordagem da Guiné-Bissau em relação ao Fórum Macau começou com algumas dificuldades, nomeadamente porque a ligação estava debaixo da tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O reconhecimento é feito por Malam Camará, delegado da Guiné-Bissau junto do Secretariado Permanente do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Macau). “Esse ministério carecia de mecanismos internos para implementação de várias acções importantes em relação ao Fórum. Agora, estando debaixo da tutela do Ministério da Economia, que detém os mecanismos internos do tecido económico do país, foi possível ultrapassar as dificuldades. Na fase inicial a Guiné-Bissau aproveitou pouco as vantagens do Fórum, mas agora estamos em sintonia.”

Tendo uma das economias mais frágeis do globo, a Guiné-Bissau é, de todos os países envolvidos no Fórum, o que tem menor nível de trocas comerciais com a China, assim como o número mais baixo de visitas oficiais mútuas. “Queremos fazer mais, há vontade política para reverter a situação actual. Estamos a tentar envolver mais no processo os nossos empresários, as estruturas do Governo, os técnicos, a intelectualidade.”

Impulsionar uma nova dinâmica nas relações comerciais e na cooperação em geral é o objectivo do Governo da Guiné-Bissau. “O primeiro-ministro, eng. Rui Duarte Barros, e o ministro da Economia e Integração Regional, eng. Soares Sambú, exprimiram essa inquietação às autoridades da China, com quem se encontraram na altura da 4.ª Conferência Ministerial, em 2013.” Ainda assim, a cooperação entre os dois países já vem de longa data, com a China a apoiar o desenvolvimento da Guiné-Bissau desde a sua independência de Portugal.

 

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Agenda de empresário

Na busca de uma cooperação mais activa com a China, a Guiné-Bissau encontra no Fórum Macau um organismo de extrema utilidade. “Tem tido um papel positivo como mecanismo complementar de cooperação, permitiu lançar muitas iniciativas fora do quadro bilateral.” E também, como se deseja, estimulando as relações bilaterais. “O Plano de Acção elaborado pelo Fórum Macau contém muitos aspectos essenciais da cooperação bilateral, perspectivando acções executadas nesse quadro. Além disso, as Conferências Ministeriais organizadas a cada três anos são um espaço de diálogo que permite relançar a cooperação entre os países nos encontros bilaterais.”

O potencial do Fórum Macau está no entanto por explorar em pleno. “Pode-se aproveitar mais. Tenho-me apercebido que muitos empresários da China e, em particular, de Macau, desconhecem ainda esta opção. O Fórum pode consolidar-se como mecanismo de contactos a nível empresarial, permitindo maior envolvimento do sector privado dos países-membros. A agenda própria dos empresários é muito importante. Ao sermos nós – Fórum Macau, autoridades, agências promocionais – a organizar os eventos, somos também nós a definir a agenda. Assim, os empresários sentem-se por vezes deslocados. Se tudo for organizado segundo a agenda deles, sob a nossa monitorização, teremos melhores resultados. O Fórum tem espaço para melhorar nesse sentido.”

 

Bem comum

Passados dez anos da criação do Fórum Macau, Malam Camará afirma que o balanço é positivo, estando claro que a estrutura é necessária para continuar a promover a cooperação entre a China e os países de língua portuguesa. A melhoria da eficácia do organismo, acrescenta, reside no esforço de todos, dos governos aos colaboradores individuais. “Ser delegado é promover a economia do meu país na China e lutar para melhorar a cooperação, mas também ajudar a engrandecer esse mecanismo que é o Fórum Macau.”

Plantar, com a certeza de contribuir para um bem comum, mas com os olhos bem postos num futuro de colheitas generosas. “Espero benefícios do trabalho do Fórum Macau para a Guiné-Bissau, mas também para a China. Estamos a criar condições internas no nosso país para que isso aconteça, informando com detalhe os instrumentos de apoio ao investidor. Estes vão desde a Agência de Garantias de Investimentos Multilaterais (MIGA), que protege riscos do investidor, passando por código de investimento e legislação regional – no âmbito da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e da União Económica Monetária da África Ocidental (UEMOA) –, permitindo qualquer empresa ser considerada local, assim como o produto desse investimento.”

 

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Arroz de Macau para a Guiné

“Admiro bastante a cultura chinesa e os seus pormenores, começando pela escrita. Cada vez que visito um lugar histórico da China, aliás, fico ainda mais fascinado.” A admiração de Camará pelo povo com quem convive diariamente tem também que ver com outra faceta. “Os chineses são muito determinados, com uma força espiritual que os ajuda a vencer. Além disso, fazem-me acreditar que cada povo pode viver com a sua cultura ancestral sem ser distorcida. Em África, por exemplo, houve influências de Cristianismo e Islamismo, entre outras, numa tentativa de superar as culturas e credos ancestrais. Isso faz com que espiritualmente não nos consigamos identificar, sem sabermos o que na verdade professamos.”

Este guineense está agora ligado pessoalmente a Macau, mas a ligação entre as duas regiões, como recorda, tem uma história antiga. “Foram os chineses de Macau que levaram o cultivo do arroz para a Guiné-Bissau, através de um grupo enviado a cumprir pena no país, porque foi apanhado a jogar, em 1912. Estes chineses de Macau descobriram uma zona no sul do país com características semelhantes às da sua terra natal, favorável à cultura de arroz. Aí se estabeleceram, aplicando os seus conhecimentos. Houve então um boom de crescimento nessa zona, nascendo uma cidade chamada Catió. Aqueles chineses, além de levarem técnicas de lavoura de arroz, constituíram famílias e transmitiram parte das suas culturas aos povos nativos. Já propusemos à RAEM, através da Fundação Macau e outras instituições, que esse momento histórico fosse objecto de estudo, com registo no projecto Memórias de Macau.”

 

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Onde estão os investimentos

Quais os investimentos mais importantes da China na Guiné-Bissau ?

“Após a independência, a Guiné-Bissau conheceu o progresso no domínio económico, tendo a China participado na construção de infra-estruturas, formação de quadros, assistência médica e fornecimento de medicamentos, projectos agrícolas e de outras índoles.”

 

Quais só foram possíveis devido à existência do Fórum?

“Os investimentos referenciados não tiveram o envolvimento directo do Fórum, salvo 80 milhões de yuans de ajuda, concedida pelo Governo da China aquando da 3.ª Conferência (Ministerial), em parte utilizada para a construir a Universidade de Medicina e o Palácio de Justiça, obras actualmente em curso. Na 4.ª Conferência, o Governo chinês aumentou essa ajuda em quase duas vezes, para o investimento em diferentes projectos de desenvolvimento económico. Ainda no âmbito das actividades promocionais do Fórum, em Janeiro estivemos em Pequim, no Fórum Anual de Agências de Promoção de Investimento da China, onde tivemos contactos frutíferos, resultando no investimento num projecto relacionado com a produção de arroz híbrido (os trâmites estão a ser feitos).”

 

A Guiné-Bissau tem investido na China?

“Ainda não conheço casos.”

 

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Investimentos emblemáticos da China na Guiné-Bissau

 

Administração Pública

Novo Palácio do Governo, Palácio da Assembleia Nacional, recuperação do Palácio Presidencial, Palácio de Justiça (em curso).

 

Educação

Universidade de Medicina (em curso), formação de quadros.

 

Saúde e apoio social

Habitação dos Antigos Combatentes , Hospital de Canchungo, Hospital Militar em Bissau, assistência médica, fornecimento de medicamentos, formação de quadros.

 

Energia

Iluminação pública nas artérias de Bissau e Quinhamel com energia solar.

 

Desporto

Estádio 24 de Setembro.

 

Agricultura

Projectos agrícolas de Bafatá, Carantaba e Gabú, formação de quadros.