IPOR 25 anos: A (re)construir diálogos culturais em português

Nasceu com a missão de promover a língua portuguesa, mas também para cimentar o diálogo entre o Oriente e o Ocidente, contribuindo para as trocas culturais através e com suporte no português. Um desígnio que para o Instituto Português do Oriente (IPOR) “continua fazer todo o sentido” 25 anos depois.

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Texto Diana do Mar | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Num dia de semana, quando a tarde cai, um burburinho vai ganhando forma nos corredores do IPOR e o Café Oriente transforma-se num ponto de (re)encontro antes de os ponteiros do relógio determinarem que é chegada a hora da aula. No ano passado, 4157 alunos participaram em formações ministradas pelo IPOR dentro ou fora das suas instalações.

No curso geral de língua portuguesa aberto a toda a comunidade de Macau contabilizam-se actualmente 980 alunos, aos quais se somam perto de meia centena de inscrições nos cursos de crianças. Já nos cursos específicos em que o IPOR intervém como entidade formadora em eventos organizados por instituições parceiras públicas ou privadas – e que não decorrem necessariamente nas suas instalações – o ano de 2013 fechou com 1344 alunos, o que significa 1515 horas de formação ministradas fora do instituto.

“A nossa preocupação tem sido muito a de deslocar a formação para os contextos profissionais”, afirmou o seu director, João Laurentino Neves, explicando as razões. “Em primeiro lugar, porque as pessoas estão muito familiarizadas com o seu local de trabalho e, em segundo, porque, muitas vezes, esses cursos têm a ver com a actividade específica de um serviço e faz todo o sentido que decorram nesse contexto.”

O total de ‘aprendizes’ completa-se com os cerca de 700 alunos integrados no contexto da colaboração com o Instituto de Formação Turística (IFT) – onde o IPOR é responsável por leccionar o português e com o produto do “reforço da oferta formativa” efectuado em 2013, através da criação de cursos intensivos de conversação e de língua, explica João Laurentino Neves.

Com um quadro fixo de oito professores, o IPOR deverá passar a dispor de nove a breve prazo, após o recente lançamento de um concurso. Além do corpo docente do quadro, a instituição recorre a colaboradores que contrata em função de necessidades específicas, tendo recrutado um total de 22 professores ao longo de 2013.

Mas “o IPOR é bastante mais do que uma escola de língua”, afirma Ana Paula Laborinho, presidente do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, associado maioritário do IPOR, fazendo um “balanço muito positivo”. O IPOR “tem sabido corresponder às diferentes necessidades”, decorrentes do “conjunto de momentos da vida de Macau que foi atravessando” e da própria evolução do panorama da língua portuguesa, assumindo-se como “uma aposta de maior importância que dá corpo a uma orientação de políticas externas fundamental”.

A história do IPOR começou a escrever-se em Setembro de 1989, assente em dois pressupostos. Além da promoção da língua portuguesa – “o vector essencial” –, foi concebido para “contribuir para o reforço do diálogo entre o Ocidente e o Oriente, procurando através da sua acção cimentar essas relações de cooperação e de conhecimento e as trocas culturais através e com suporte numa língua”, sintetizou João Laurentino Neves, para quem “esse desígnio, que esteve na base da sua criação, fez e continua a fazer todo o sentido”. “Os seus associados e os presidentes/directores têm procurado, ao longo destes 25 anos, conferir maior operacionalização e um melhor caminho para que se mantenham estas duas valências”, sustentou.

 

João Laurentino Neves

 

(Re)acção cultural

A alteração estatutária de 2009, consignando a vocação prioritária do IPOR de promover o ensino da língua portuguesa – enquanto uma das duas línguas oficiais da RAEM – lançou, contudo, receios relativamente ao desaparecimento da sua vertente cultural, com vozes críticas a apontarem que o IPOR ficaria reduzido a uma “escolinha de língua”. “Esse epíteto tem sido dado justamente não conhecendo toda a intervenção que o IPOR tem em diversas matérias”, justificou Ana Paula Laborinho, ressalvando que, apesar de a missão do IPOR também passar por dar a conhecer a cultura portuguesa, “não faz sentido que se sobreponha a outras estruturas num território onde, felizmente, há grande dinamismo cultural”, optando-se antes por procurar parcerias.

“No ano passado tivemos uma acção extremamente alargada, mas sempre como um projecto integrador. Abrangemos desde o cinema, às artes performativas, aos espectáculos musicais, às conferências e seminários, à edição e aos prémios de língua portuguesa, terminando o ano de 2013, de uma forma muito discreta, com 59 intervenções”, realçou João Laurentino Neves. “Estamos a cumprir esse desígnio de criar ligações entre contemporaneidades, culturas e grupos de interesses profissionais”, afirmou, manifestando a vontade de “reforçar” essas iniciativas com enfoque nas “expressões criativas da língua”.

“O IPOR pode ter um papel mais interventivo ao nível das realizações dirigidas e abertas à comunidade, em que a língua portuguesa continua a ser o activo de base. Criativa não é apenas artística, insiro também científica e outras complementaridades”, frisou João Laurentino Neves, preferindo falar em “expressões criativas da língua” para descrever acções tendencialmente designadas de “promoção cultural”. Porém, “não vamos intervir em áreas em que o IPOR, de facto, não tem meios para o fazer nem provavelmente vocação. Há outras instituições com grande experiência e qualidade”, ressalvou, alinhado com Ana Paula Laborinho.

Essa área de intervenção figura como uma das quatro traçadas pela direcção para o mandato de três anos, iniciado em Outubro de 2012, em que se inclui o compromisso de fazer uma “releitura de toda a oferta formativa”, através da análise de todos os cursos e programas mas também do que os sustenta, isto é, de toda a documentação de referência para o ensino do português como língua estrangeira e toda a certificação.

“Accionámos mecanismos internos e relações com instituições com grande experiência – como o Camões e universidades –, de forma a receber contributos que nos dessem a garantia de que a oferta formativa está de acordo com as práticas internacionais”, explicou Laurentino Neves, sublinhando que houve uma “preocupação” no sentido de “cimentar a qualidade da formação – cotejando-a com boas práticas e, em simultâneo, consolidando-a e diversificando-a, tornando-a um pouco mais flexível”.

Aliás, “foi nesse espírito que foram criados cursos intensivos”, detalhou o director da instituição. Em paralelo, o IPOR tem procurado “aumentar o leque dos cursos para fins profissionais para atender às necessidades mais específicas de Macau”, as quais mudaram significativamente na última década. E, neste contexto, defende, emerge uma outra “função fundamental”: “O IPOR não faz política de língua, pelo que o nosso papel pode ser o de colocar propostas, que constituam inovação e um reforço da língua portuguesa em Macau, em cima da mesa de quem a tutela”.

 

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À volta dos livros

Descrita como “variada”, a produção editorial também tem correspondido às duas vertentes da própria instituição, defende João Laurentino Neves. O IPOR criou “um conjunto de edições que reflectem exactamente sobre as relações culturais de Portugal com o Oriente, fomentando um conhecimento mútuo e uma reflexão”, cujo “grande marco” foi a colecção Memória do Oriente, iniciada no ano de 1992.

Em Dezembro do ano passado, a oferta do IPOR foi alargada, com o lançamento da versão em língua chinesa de Portugal, a China e a Questão de Macau, da autoria do advogado e investigador Francisco Gonçalves Pereira, obra inicialmente editada em 1995 pelo IPOR e reeditada em 2010.

Outra “importante colecção” prende-se com a ‘biblioteca básica de autores portugueses traduzidos para chinês’, um trabalho que granjeará continuidade este ano e que se pretende estender ao universo lusófono.

A outra vertente da produção editorial é, naturalmente, a da língua. Depois da colecção de manuais Diálogos, evoluiu-se para uma segunda intitulada Passo a Passo, cujo terceiro volume foi lançado em 2012, destacando-se outras “edições importantes” produzidas ao longo da história do IPOR como o Português Médico. Com a produção de materiais didácticos a figurar como outra das grandes linhas de actuação, Laurentino Neves considera que a actividade do IPOR “não deve cessar dentro da sala de aula”.

“Não podemos terminar a nossa relação com quem quer aprender português dentro da sala de aula quando o curso termina. Temos de criar relações que sejam duradouras”, as quais se constroem por duas vias. Por um lado, “motivando as pessoas para que integrem redes que assentem na língua portuguesa – sejam de carácter profissional, lúdico ou artístico – e, por outro, fornecendo-lhes instrumentos e ferramentas lá fora quando por qualquer razão precisam de um apoio adicional, estando lá através dos produtos e materiais que concretiza, quanto mais não seja no bolso para que possam resolver uma necessidade imediata”, como activar vocabulário para uma reunião. “Essa é a nossa preocupação para 2014”, frisou.

“Após uma primeira fase mais dedicada à reestruturação interna – orgânica e oferta formativa –, temos agora condições para nos virarmos mais para o exterior, no apoio a docentes e na promoção da intercompreensão por via de instrumentos inovadores dirigidos ao grande público”, detalhou Laurentino Neves.

 

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No caminho da sustentabilidade

Contudo, não basta ter projectos em carteira e há que pensar no financiamento. “As reduções orçamentais são uma realidade que Portugal bem conhece, pelo que sendo uma entidade que tem como associado principal o Estado português naturalmente não podia ficar imune”, apontou Ana Paula Laborinho, para destacar, porém, “a capacidade que o IPOR também tem tido – através das suas direcções nomeadamente da presente – de gerar as suas próprias receitas e, portanto, de colmatar dificuldades que advêm de um menor financiamento”.

“Não vale a pena dizer o que gostaríamos de ter, mas antes gerir da melhor forma e o mais criteriosa possível aquilo que temos nas intervenções que fazemos”, disse João Laurentino Neves. O “grande compromisso foi procurar que, no final destes três anos, a sustentabilidade de cada uma das unidades orgânicas que definimos fosse mais elevada”, disse, indicando que o IPOR terminou 2013 com uma sustentabilidade na ordem dos 78 por cento.

“Definimos, aliás como recomendação dos associados, que o plano de actividades deveria ser, no máximo possível, executado através de receitas geradas, de apoios e patrocínios e não através do orçamento de funcionamento”, sublinhou, dando conta de que, este ano, o orçamento do IPOR “estará na mesma ordem de grandeza de 2013”, rondando 13,5 milhões de patacas.

“Sabemos com o que podemos contar dos nossos associados e depois vamos à procura da sustentabilidade daquelas unidades orgânicas no máximo empenho com o que conseguimos e temos também tido respostas muito favoráveis das instituições da RAEM, as quais provavelmente reconhecem no IPOR um serviço público às comunidades que lhes merece a confiança, e, portanto, também algum investimento. São esses recursos que temos de gerir, mas são sobretudo as expectativas que depositam em nós”, frisou.

O IPOR foi agraciado, em Dezembro, com a medalha de mérito cultural, “reconhecendo-se que efectivamente o IPOR trabalhou para a RAEM e que a perspectiva inicial de ter uma instituição pós-1999 ao seu serviço foi completamente conseguida”, observou Ana Paula Laborinho, para quem “o IPOR é um projecto sólido, mas não estático que, mais do que a sua maioridade, atinge um período de amadurecimento atribuído pelos 25 anos que celebra”.

Para assinalar a efeméride, estão previstas várias actividades, segundo João Laurentino Neves, levantando o véu apenas relativamente a uma exposição retrospectiva dos “momentos mais marcantes na vida da instituição”, a qual tem como principais associados o Camões e a Fundação Oriente.

 

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Plataforma online de apoio ao ensino

O IPOR lançou em Maio uma ferramenta online de apoio ao ensino e à aprendizagem da língua. Dirigida a formadores e aprendentes, a Árvore de Recursos de Língua Portuguesa (ARELP), desenvolvida ao longo de um ano, agrupa um total de 556 recursos, divididos por 12 categorias. Para os docentes, estão disponíveis documentos para ajudar no ensino do português e para os alunos, meios de comunicação, jogos e ligações sobre a cultura em língua portuguesa.

 

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Formação em números

Curso Geral                                       1930 inscrições

Curso para Crianças                                     92 inscrições

Cursos Intensivos                              81 inscrições

Cursos Específicos                            1344 inscrições

Instituto de Formação Turística      710 inscrições

 

Total                                                   4157

* Fonte: IPOR, 2013