Jacob Palis: “Filho da incerteza” quer aproximar China e Brasil

Foi na paz de um apartamento em Pequim que teve a inspiração para concluir os estudos sobre incerteza em modelos de previsão e que o levou a ganhar aquilo que muitos chamam de Nobel da Matemática: os prémios Balzan. O brasileiro Jacob Palis assume em Junho um lugar de membro estrangeiro na Academia Chinesa de Ciências também pelo seu trabalho de promoção das ciências exactas nos países em desenvolvimento

 

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Texto Fabiane Roque

Do Rio de Janeiro

Agência Lusa/Revista MACAU

 

Matemático consagrado e presidente da Academia Brasileira de Ciências, o professor e investigador brasileiro Jacob Palis assume em Junho um lugar de membro estrangeiro na Academia Chinesa de Ciências (CAS, na sigla em inglês), com a promessa de ajudar a intensificar a cooperação entre os dois países.

Descendente de árabes que emigraram para o Brasil durante a primeira Guerra Mundial (1914-1919), Jacob Palis foi indicado para o lugar como recompensa da sua ligação à comunidade científica chinesa, com a qual tem partilhado os resultados dos seus projectos desde a década de 1980. Um exemplo dessa parceria foi a realização na China, em 2002, de uma reunião da União Internacional de Matemática (IMU, na sigla em inglês), onde são anunciados os vencedores das Medalhas Fields, que até então só havia ocorrido em países europeus ou da América do Norte. “Em 1998, tornei-me presidente da IMU, e estava determinado a levar a reunião oficial para um país em desenvolvimento, e conseguimos levar para a China”, recorda, com entusiasmo.

A sua grande memória em relação à China, no entanto, remonta aos anos 1990, e ficará para sempre marcada na sua carreira. Foi em Pequim que o matemático teve a inspiração para o programa que leva o seu nome – Conjectura de Palis – e que lhe rendeu, em 2010, o prémio Balzan, carinhosamente apelidado entre os pesquisadores de “Nobel” da matemática.

 

Inspiração chinesa

A presença na capital chinesa teve um papel, no mínimo, “curioso” para a conclusão de seu trabalho. Numa estadia de três semanas na Universidade de Pequim, Palis fez uma espécie de retiro num apartamento “onde tinha muita paz”, uma condição que acabou por ser a única coisa que faltava para o “insight final” do trabalho que estava a realizar há mais de dez anos. “Esse tipo de trabalho nunca é feito de uma vez, vem sempre ao longo do tempo. Mas foi nesse momento que formulei a visão global da minha área para a finalização da Conjectura de Palis”, relembra o brasileiro.

O trabalho foi apresentado durante uma reunião de matemáticos em Paris, França, em 1995, e até hoje nenhum outro pesquisador conseguiu refutá-lo. Mas “não por falta de tentativas”, brinca o autor. O estudo pode ser entendido como uma fórmula geral que permite calcular as incertezas contidas em sistemas matemáticos desenhados para prever situações futuras, como desastres naturais ou mudanças climáticas. “Todos os modelos matemáticos feitos para gerar previsões futuras têm incertezas. E eu fiz um projecto que permite calcular a incerteza dessas previsões”, resume o pesquisador, de 73 anos.

E o segredo para o êxito na pesquisa, bem como na vida, segundo Palis, está justamente na “incerteza”, aliada a uma boa dose de “atrevimento” quotidiano. “Eu mesmo sou filho da incerteza”, brinca, lembrando as origens, que remontam a um pai libanês que partiu da sua terra em direcção aos Estados Unidos mas acabou por chegar ao Brasil. “No caminho, alguém lhe disse que as novas oportunidades estavam no Brasil e só por isso estou falando hoje aqui”, afirmou o matemático, na sua sala no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no bairro do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. O pai chegou primeiro a São Paulo e acabou por para o interior de Minas Gerais, estabelecendo-se como comerciante na pequena cidade de Uberaba, onde viria a conhecer a mulher, uma síria quase 20 anos mais jovem, com quem teve oito filhos.

 

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De ‘palpiteiro’ a aluno brilhante

Da educação recebida, Palis destaca a “integridade” e o “carácter” do pai, que não autorizou que os filhos trabalhassem na loja “para não deixar que tomassem gosto” pelo negócio. Porque fazia questão que todos tirassem cursos universitários. O caminho para o Rio de Janeiro foi aberto pelos irmãos mais velhos, sobretudo o terceiro, que seguiu engenharia e incentivou o então indeciso Jacob Palis – hoje um dos matemáticos mais respeitados do mundo – a frequentar o mesmo curso.

O reconhecimento, que veio desde cedo, mostrou que a escolha fora acertada. Palis passou em primeiro lugar no exame de entrada na universidade mas como não tinha completado o ensino secundário acabou por não conseguir inscrever-se mas pôde assistir às aulas. “Isso foi muito bom porque me abriu espaço para dar muitos palpites, que era o que eu gostava. Questionava o professor e às vezes ia para o quadro negro”, recorda.

Os anos seguintes na Faculdade de Engenharia da então Universidade do Brasil (actual Universidade Federal do Rio de Janeiro) não foram diferentes, e o futuro prémio Balzan de matemática foi muitas vezes chamado à direcção, acusado de contestar e discordar frequentemente com os professores. Mas “também preciso dizer que me foram dadas oportunidades muito boas de estudo. Morava com o meu irmão, num apartamento no Flamengo [bairro nobre do Rio de Janeiro], com uma vista para o Pão de Açúcar que me deixou deslumbrado no primeiro dia que abri minha janela.”

Em 1962, licenciou-se como o melhor aluno de toda a universidade naquele ano e depois entrou na Universidade de Berkeley, na Califórnia. “Queria fazer um mestrado no exterior e perguntei aos meus professores qual era o melhor matemático que havia visitado o Brasil nos últimos tempos e eles responderam todos ‘Steves Smale’, então escrevi ‘na cara de pau’ perguntando se ele me orientaria, caso conseguisse uma bolsa do governo brasileiro.”

A resposta foi um “sim” e Palis concluiu um doutoramento em três anos, tempo bem abaixo da média normal, tendo sido convidado a leccionar na universidade norte-americana. No entanto, quis sempre regressar ao Brasil para fazer pesquisas regulares e, principalmente, ajudar a desenvolver um ambiente de cursos de pós-graduação no país.

Assim, depois de concluir os estudos de doutoramento deixou os Estados Unidos e recusou ainda uma oferta para dar aulas na Universidade do Brasil, preferindo trabalhar como professor bolsista no ainda embrionário no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), instituição onde trabalha há mais de 40 anos, tendo formado já 41 doutores.

 

Parcerias a caminho

Palis acompanhou a comitiva da presidente brasileira, Dilma Rousseff, na sua primeira visita oficial à China, em Abril de 2011. No encontro, foram definidos vários acordos que seriam assinados no ano seguinte, no Rio de Janeiro, com intuito de expandir a parceria sino-brasileira em diversos campos, incluindo a ciência, tecnologia e inovação.

Para o matemático, existem grandes oportunidades de aprendizagem mútua entre os dois países, sobretudo nos estudos de nanotecnologia – sector no qual o Brasil tem muito a aprender com a China – e em energia renováveis – onde os brasileiros têm mais know-how para colaborar com seus pares chineses.

“No caso da China, as oportunidades são imensas, porque a Academia Chinesa tem dentro de seu guarda-chuva mais de 100 institutos, com uma estrutura excepcional fortíssima. Aliás, não sei como meu colega [presidente da instituição] consegue administrar mais de 50 mil pesquisadores”, elogia.

Na sua sala, no alto do Jardim Botânico, um dos bairros mais nobres do Rio de Janeiro, Palis continua concentrado na busca de resposta às suas equações e promete que, em Junho, viajará de novo para a China. “No primeiro ano do governo Dilma [Rousseff], viajei com a comitiva durante a viagem oficial da presidente à China e foi muito duro, porque meu netinho estava fazendo aniversário, mas em Junho estarei com prazer”, promete.