Dossiê Longevidade: Segredos de uma vida longa

Uma cerveja por dia mantém o médico à distância. Este pode ser um dos caminhos para uma vida longa. Em Macau, especialistas preferem falar da coordenação da medicina tradicional chinesa e da medicina ocidental, de uma alimentação equilibrada, exercício e uma pitada de optimismo ou alegria como ingredientes para a longevidade. De acordo com a agência de inteligência norte-americana CIA, Macau continua a ser o segundo lugar do mundo com maior esperança média de vida.

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Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Kwan Kam Kuen fala das maravilhas das bagas de goji, uma fruta tibetana com propriedades anticancerígenas e anti-envelhecimento. O farmacêutico e especialista em medicina tradicional chinesa garante que as pequenas bagas alaranjadas aumentam a longevidade, fazem bem ao fígado, e aos rins. “Por dia são dez gramas – entre 15 a 20 bagas – água quente e um pouco de crisântemo.”

Kwan estudou Medicina Tradicional na Universidade de Xiamen, na Província de Fujian, e está à frente da farmácia Tack Sang San Yung, o número 58 da Rua dos Mercadores. Nenhum outro estabelecimento farmacêutico na vizinhança junta tantos clientes nesta manhã de Inverno de Macau.

É atrás do balcão que Kwan Kam Kuen dá as consultas. Primeiro observa a face do paciente. “Se estiver vermelha pode significar que tem problemas do coração”, diz. “Depois sinto o cheiro, ouço quando fala, o que tem para dizer, pergunto o que comeu, se tem alergias e por fim sinto o pulso.”

Em Macau, a vida longa está associada à prática da medicina tradicional, prossegue o médico, que acredita, no entanto, que no caso de doenças agudas, em que seja necessária uma intervenção cirúrgica, a medicina ocidental tem um peso importante. O sistema instituído pela Administração Portuguesa também tem contribuído para um envelhecimento estável da população. “Hoje em dia, os idosos têm assistência médica gratuita. É um apoio importante, que faz com que a esperança de vida na cidade seja elevada.”

De acordo com estimativas de 2013 da agência de inteligência norte-americana CIA, Macau continua a ser a segunda região no mundo com maior esperança de vida (84,46 anos). O cirurgião plástico e investigador de Macau Lai Yun Fee explica: “A assistência médica gratuita acontece em poucas partes do mundo. Estamos a falar de uma sociedade pequena, com qualidade de vida, maior redistribuição de riqueza e mais benefícios sociais.”

Não só o poder económico pode ajudar a explicar a falta de stresse, mas também a herança da dieta tradicional chinesa e da prática milenar de exercício como forma de fortalecer o corpo e a mente são factores determinantes na equação da longevidade, aponta o médico. “Fazem-se caminhadas, come-se muita fruta, vegetais e de forma frugal. Além disso, existe a cultura do chá, que é saudável e ajuda a dissolver as gorduras.”

Para o especialista da farmácia Tack Sang San Yung, há ainda uma pitada a acrescentar. “Acredito que na vida também é necessária uma dose de alegria e optimismo”, aponta Kwan Kam Kuen, enquanto prepara um chá medicinal. O assistente equilibra a balança, ainda manual e antiga. Depois avia as receitas enquanto vai embrulhando em pequenos pacotes o necessário: gengibre, pepinos do mar, ou os raros cogumelos chineses Ophiocordyceps sinensis.

A coordenação entre a medicina tradicional e a medicina ocidental pode ajudar a justificar os números da tabela norte-americana, acredita Chan Kin Sun, professor da Universidade de Macau e especialista no envelhecimento. O que também joga a favor do território é um modelo que se baseia na cooperação regional, nota Chan, numa referência ao reforço da cooperação com o Interior do país em áreas como a segurança alimentar, inspecção sanitária, educação médica e formação.

O professor deixa, no entanto, um alerta: “Os cuidados dos asilos e lares de terceira idade ainda estão muito subdesenvolvidos, e é importante que a população e o governo considerem o conforto dos doentes terminais e os deixem morrer com dignidade.”

No 58 da Rua dos Mercadores ouve-se o barulho do pilão a bater no almofariz. Processa-se mais uma encomenda.

 

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Alegria e exercício

Chan Ngan Fok regressa sempre à farmácia Tack Sang San Yung para o chá diário. É uma sopa amarelada e gelatinosa, e Chan franze o sobrolho ao primeiro trago. Depois apressa-se a engolir um doce que o médico pousou ao lado da taça para neutralizar o sabor amargo.

Os ingredientes da infusão que acabou de preparar são segredo, diz o responsável pelo tratamento, Kwan Kam Kuen. “Se revelar o conteúdo, pode ficar a saber por que razão o doente se sente mal.”

Chan tem 90 anos, nove filhos e duas idas ao hospital. “Quando não me sinto bem, venho tomar este chá medicinal.” O octogenário não vive sem as idas à farmácia, nem sem o exercício matinal. “Este é o meu segredo de vida: muito exercício e uma dose de alegria diária”, explica, enquanto leva os braços à frente, depois atrás, novamente para a frente. “São estes os exercícios que faço”, exemplifica. Chan volta a encarar o balcão, dá uma gargalhada, e um novo trago no chá medicinal. “Os mais jovens não ligam ao desporto”, diz já de costas.

 

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Hóquei, dança e namoro

“Do cemitério, corre água até ao poço da minha casa no Tap Seac. Eu costumava beber essa água e as minhas amigas diziam que tinha bons dentes porque bebia água dos mortos.” Prestes a completar 99 anos, Aida de Jesus continua com dentes bem definidos – faltam apenas dois. O cabelo anda sempre arranjado, e a cara com um toque rosado – “costumo comprar os produtos de beleza que vejo nas magazines.”

Falar com Aida de Jesus é passar a pente fino quase um século de vida. Nasceu no dia 24 de Outubro de 1915, estudou na antiga Escola Central, depois no Santa Rosa de Lima, “já não tenho amigas dos tempos do liceu, morreram todas”. Diz que correu atrás dos japoneses quando passaram por Macau, dançou ao som do gramofone, porque “nessa altura não havia rádio”, começou a trabalhar na área da gastronomia já depois de ser mãe, e passou por várias operações, uma à vesícula, outra a um cancro da mama. “Não tenho medo de envelhecer, um dia tenho de desaparecer.”

É a cara do restaurante macaense Riquexó. E como chegou onde chegou? “Joguei hóquei, dancei muito e namorei ainda mais.” Diz que Macau ainda é uma boa cidade e com um bom clima. “Acho que a humidade faz bem, veja as pessoas em Portugal, são jovens e já estão muito envelhecidas.” Mas o grande segredo é a alimentação: “Desde jovem que como tudo, menos gorduras. E como sempre com muita regra”.

 

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Uma cerveja por dia mantém o médico distante

Chan Iok Lin anda de lá para cá no seu pequeno restaurante virado para o Jardim Camões. “Os clientes são idosos e vêm aqui há muitas décadas. Quando deixam de aparecer quer dizer que morreram.” Chan tem 87 anos e é a excepção à regra. A todas as regras. Não faz desporto, dorme pouco e não acorda a não ser com uma cerveja. “Não sei se é saudável, mas se não beber a minha cerveja de manhã, não me sinto bem.” Provavelmente Chan não saberá da existência de estudos que defendem que a cerveja pode ajudar a prevenir problemas cardiovasculares e a desacelerar o envelhecimento.

Também o café com brandy na vida de Chan Iok Lin tem vida longa. “Antigamente, não tinha tempo para comer, era só isso e arroz.” Antes passava o tempo na rua, a vender sobremesas chinesas e sopa de aveia, sempre com o marido ao lado. Tantos anos de vida têm razão de ser. Diz que são as dez noras e os 30 netos, “tratam-me todos bem”, ou andar contente com a vida: “Sim, a alegria, vi os japoneses entrar em Macau e sofri muito, mas sobrevivemos. Hoje sou uma optimista”.

Um dia, algures na década de 1940, abraçou a vida espiritual. “Um amigo partiu para os EUA e deixou um altar e alguns ídolos e estatuetas em minha casa. Peço saúde e segurança para a minha família.” Chan Iok Lin faz ainda voluntariado nos Kai Fong, onde dá apoio aos mais velhos.

 

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Esperança média de vida pelo mundo

1.Mónaco 89.63

2.Macau 84.46

3.Japão 84.19

4.Singapura 84.07

5.São Marino 83.12

6.Andorra 82.58

7.Guernsey 82.32

8.Suíça 82.28

9.Hong Kong 82.20

10.Austrália 81.98

49. Portugal 78.85

100. China 74.99

 

Fonte: The World Factbook 2013, da agência de inteligência norte-americana CIA