CRIpor | A rádio chinesa que fala português

O mais antigo serviço noticioso em português da República Popular da China já tem o seu próprio website e está também nas redes sociais. Mas a direcção da rádio não se quer ficar por aqui. Pelo contrário: “Queremos desenvolver relações de cooperação com todos os média dos países lusófonos”.

CRIpor

 

Texto de António Caeiro | Fotos Rita Tudela

Exclusivo Lusa/MACAU, em Pequim

 

 

Catarina Wu, 37 anos, é a directora da secção portuguesa (CRIpor) da Rádio Internacional da China (CRI, na sigla inglesa). Criada em 1960 com apenas quatro jornalistas e a assistência de dois casais brasileiros, a CRIpor assume-se hoje como “uma plataforma multimédia”. Os seus 25 jornalistas, entre os quais três brasileiros e dois portugueses, estão instalados no 11.º andar de uma torre com janelas de vidro azul de Babaoshan, na zona ocidental de Pequim, ao lado das secções francesa, holandesa e de esperanto.

No total, a CRI emite em 61 línguas, do albanês ao vietnamita, e emprega cerca de 18 mil pessoas. Tudo somado dá mais de 1500 horas de emissão por dia – um grande órgão de informação, inteiramente estatal, à escala de uma potência emergente.

Licenciada em português pela Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim (Beiwai), Catarina Wu é também uma das mais antigas profissionais da secção, dirigindo desde 2011 uma equipa onde a média de idades é inferior a 30 anos e em que as mulheres predominam. “Na China, há muito mais mulheres a estudar línguas do que homens”, explica.

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Han Mengchen, de 23 anos, é a mais nova. Entrou em Setembro de 2013, depois de concluir o curso de português em Dalian, nordeste da China: “Traduzo notícias (de chinês para português) e às vezes também faço entrevistas”. A cultura é a sua área preferida, mas – acrescenta – “também gosto muito de futebol”. De futebol, e em particular do capitão da selecção portuguesa, Cristiano Ronaldo: “Ele é muito elegante”.

“Quando comecei só tínhamos programas em onda curta”, recorda Catarina Wu. Isso passou-se em 1998. Na altura, o número de chineses ligados à Internet não ultrapassaria os dois milhões (contra 618 milhões no final de 2013) e a China estava longe de ser o que é hoje: a segunda economia mundial, o maior parceiro comercial do Brasil e o principal cliente do petróleo angolano.

As emissões em onda curta mantêm-se – uma hora e meia por dia, para os países de língua portuguesa – mas “desde há alguns anos, o número de ouvintes não aumenta”, refere Catariana Wu. “Não vamos abandoná-los, claro, mas precisamos de aprender com os novos média que estão a aparecer”.

No final da década de 1990, a CRIpor lançou uma edição online e cinco anos depois começou a publicar uma pequena revista intitulada Fanzine. Mais recentemente, entrou nas redes sociais do país, sobretudo o Sina Weibo (o chamado Twitter chinês) e o Weixin (WeChat), e, como a agência Xinhua e a Televisão Central da China (CCTV), já está também no Facebook. Neste caso, a página é gerida pelos correspondentes da CRIpor no Brasil.

A actividade internacional da CRIpor tem vindo, aliás, a expandir-se. Duas emissoras brasileiras, em Brasília e no Estado do Rio Grande do Sul, já transmitem diariamente boletins noticiosos de cinco minutos elaborados pela CRIpor. E em Portugal, desde há dois anos, seis horas da programação diária da Rádio Íris FM, nos arredores de Lisboa, são asseguradas pela CRIpor. Esta expansão, que envolve ainda o intercâmbio de programas com a Teledifusão de Macau (TDM), parece um processo natural: “O alvo de cobertura da CRIpor são os mais de 200 milhões de falantes de português espalhados pela Europa, América Latina, África e Ásia”, salienta Catarina Wu.

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Rádio Pequim com sotaque brasileiro

Mais de meio século depois, o português falado na Rádio Internacional da China (CRI, segundo a sigla em inglês) mantém um sotaque inconfundível. “Na altura ninguém falava português na China. Quem nos ensinou tudo foram dois casais brasileiros”, recordaria Yao Yuexiu, pioneira das emissões da CRI em português, iniciadas em Abril de 1960.

A China não tinha relações diplomáticas com o Brasil nem com Portugal. Os dois casais – Benedito e Lídia de Carvalho, Carlos e Nair Frydman – foram enviados pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). “O Benedito de Carvalho, que foi o meu primeiro professor de português, era amigo do Luís Carlos Prestes [líder histórico do PCB] e pertencia mesmo ao Comité Central do partido”, contou Yao Yuexiu por ocasião do 50.º aniversário da CRIpor.

A CRI chamava-se então Rádio Pequim e abria as emissões ao som de O Oriente é Vermelho, um hino revolucionário que os maoístas do mundo inteiro sabiam de cor. O objectivo da estação era “desenvolver e reforçar a amizade militante entre os povos da China e da África, baseada no combate ao imperialismo e ao colonialismo”. Yao Yuexiu começou na secção espanhola. O seu baptismo de fogo aos microfones da secção portuguesa foi em Novembro de 1961, quando teve de ler um editorial de mais de dez minutos sobre o 44.º aniversário da revolução russa: “Antes só tinha feito pequenas locuções. Desta vez era um artigo enorme e com palavras que nunca tinha ouvido”.

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Uma dessas palavras era “revisionismo”, o alegado desvio ideológico que o Partido Comunista Chinês imputava à liderança soviética e que durante mais de duas décadas dividiria o movimento comunista internacional. Os brasileiros da Rádio Pequim continuaram a apoiar os camaradas chineses da secção portuguesa, mas, como o PCB alinhava com as posições de Moscovo, deixaram de fazer a locução dos comentários políticos.

Além de Yao Yuexiu, a secção tinha três profissionais chineses: Ma An Lu, oriunda também da secção espanhola, e o casal Li e Chen, que aprenderam português em Macau. Em 1962, chegou outro casal brasileiro, Jayme e Angelina Martins. Mais tarde, o Instituto de Línguas da Rádio e as Edições em Línguas Estrangeiras de Pequim recorreram também a nacionalistas das colónias portuguesas, nomeadamente ao cabo-verdiano Onésimo da Silveira e aos angolanos Sócrates Dáskalos, Jorge Morais (Monty) e Gentil Viana, mas, ainda hoje, os jornalistas chineses da CRIpor cumprimentam-nos como se estivessem no Rio de Janeiro ou em São Paulo: “Oi! Como vai? Tudo bem?!”.

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