Diplomacia | “Um brasileiro em Macau sente-se parte do que vê”

Nasceu na Argentina, viveu em Itália, trabalhou em Inglaterra, EUA, Áustria e Panamá. Só há ano e meio é que conheceu a China, país cuja descoberta não cessa de fasciná-lo. Tanto que vê com bons olhos passar os próximos anos entre Hong Kong e Macau. Onde se lembra sempre do seu Brasil. Entrevista ao Cônsul-geral do Brasil em Hong Kong e Macau, José Antônio de Macedo Soares.

José Antônio de Macedo Soares

 

Texto Nuno G. Pereira | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

O cônsul recebeu a revista MACAU em Hong Kong para uma entrevista exclusiva, na qual falou abertamente sobre as relações Brasil-China. Macau, claro, foi um assunto essencial, além de ser o palco escolhido para a sessão fotográfica. Até porque nesta cidade ele sente-se em casa.

 

Em Macau, o português é língua oficial. No entanto, a sede do Consulado Geral do Brasil em Hong Kong e Macau está na primeira cidade. Porquê?

Há poucos consulados permanentes em Macau. Além do atendimento aos brasileiros, temos um papel de promoção comercial, de divulgação cultural, etc. E como o consulado está em Hong Kong desde 1953, não faz sentido mudar.

 

O que pensam disso os brasileiros a viver em Macau?

Reclamam que temos de ir para lá. Eu brinco com eles: “Se morassem no Rio de Janeiro, para irem buscar o passaporte à polícia federal iam andar duas horas de autocarro, aqui é só uma hora de barco (risos)”.

 

O que espera o Brasil de Macau?

É uma pergunta que fazemos muitas vezes. Do ponto de vista económico do Brasil, Macau ainda não é um mercado atraente para investimentos mais volumosos e também não é a grande porta para o mercado chinês, porque isso já é feito há mais tempo por Hong Kong, onde há outras condições, como a grande capacidade portuária. Mas Macau tem-nos oferecido oportunidades especiais, sendo uma grande ponte cultural. Por exemplo, o Departamento de Português da Universidade de Macau tem feito um trabalho estupendo de tradução de livros. Também temos o Fórum de Macau, que é uma instituição curiosa, porque foi baseada em critérios linguísticos, mas é uma entidade com perfeita consciência de que tem de fazer algo além da língua, em concreto na promoção comercial. O seu trabalho pode dar frutos importantes.

José Antônio de Macedo Soares

O Brasil e a China negoceiam quase sempre em âmbito bilateral, mas Macau foi a aposta do Governo chinês como plataforma económica com os países de língua portuguesa. Como é que este objectivo se tem desenvolvido?

É preciso entender que são dinâmicas de longo prazo, não coisas que se resolvem em dois ou três anos. Aliás, devemos aprender com a paciência chinesa a saber esperar.

 

Mas vive-se um fulgor económico na China e, em particular, em Macau, que convém aproveitar.

Sim, convém, até porque esse fulgor, no caso de Macau, é extraordinário. Destaco dois pontos. Primeiro, o facto de certas instituições ainda não terem concretizado todo o seu potencial não impede que os negócios se realizem, pois o comércio bilateral continua a aumentar. Em segundo lugar, uma instituição de promoção comercial, como o Fórum Macau, muitas vezes está a lançar sementes, explorando possibilidades. Se nem todas nascem de imediato, não significa que não venha a acontecer. O Fórum Macau tem toda a razão de ser e até tem feito um trabalho, em certos momentos, de grande audácia.

 

Quando vai a Macau, o que mais gosta na cidade?

Há coisas que faço sempre. Vou à Livraria Portuguesa, escolho um restaurante novo ou outro que tenha comida típica local, e visito sempre os amigos que lá tenho. Além disso, tento visitar o lado histórico. As fortalezas são parecidas com as brasileiras, a fachada da Igreja de São Paulo é uma fachada colonial… Um brasileiro, sobretudo se gostar de História, quando chega a Macau sente-se parte do que vê, é uma sensação muito agradável.

José Antônio de Macedo Soares

Como avalia o desempenho da Casa do Brasil em Macau?

Muito positivo. A nossa Jane [Jane Martins, presidente da entidade] tem sido, na prática, um pronto-socorro óptimo. Quando certos problemas acontecem, ela e o pessoal da direcção funcionam como ajuda consular não oficial, mas eficaz. E avisam se acontece alguma coisa. Têm também o Festival da Lusofonia, acabam por ser um braço de promoção cultural.

 

A nova China

Como descreve a relação entre Brasil e China?

É antiga. Tivemos emigrantes chineses no Brasil em 1811, para plantar chá, e cônsul brasileiro em Macau em 1850. Mas nos últimos 15 anos mudou tudo. A China passou a ser o nosso principal parceiro comercial e, de repente, tornou-se outro país.

 

Para haver essa forte relação económica é porque muitos brasileiros se adaptaram bem à nova China.

Em Macau há cerca de 500 brasileiros, em Hong Kong o mesmo número. No total, haverá 6000 brasileiros na China. É muito pouco. Há 320 mil canadianos, 25 mil holandeses, 15 mil franceses.

 

Ou seja, a China continua a ser desconhecida para a maioria dos brasileiros?

Muito desconhecida.

 

Como vai evoluir essa relação?

Aos poucos. Quando recebo amigos aqui em Hong Kong, ficam todos boquiabertos. Não têm qualquer ideia da modernidade da China, em particular de Hong Kong. E o mesmo em relação a Macau, o que não podia ser mais diferente da realidade. Pelos grandes casinos, naturalmente, mas também por empreendimentos como o novo campus da Universidade de Macau. Macau já não é só casinos e restaurantes, começa a ter outra dimensão.

 

Mas há dados concretos do presente que ajudam a definir a relação. Do ponto de vista económico, o Brasil está confortável exportando para a China matérias-primas e importando maquinaria?

Temos sempre de nos lembrar que o futuro não se faz de poucos anos, mas sim de uma geração. Pelo menos.

 

Poderá haver acordos para facilitar a abertura de negócios no Brasil por empresários chineses e vice-versa?

Na prática, acontece outra coisa. O Brasil tem cerca de 200 mil chineses ou descendentes de chineses. Estas pessoas conhecem os dois lados do mundo e são as pontes naturais. São elas que vão abrir as empresas, descobrir os fluxos de comércio, à boa maneira da tradição empreendedora dos chineses. Na China, a comunidade de brasileiros também vai aumentando. Temos cá Bradesco, Itaú, Banco do Brasil. Também é por aqui que se descobrem caminhos.

José Antônio de Macedo Soares

A Embraer é um caso emblemático de sucesso do Brasil na relação comercial com a China, pelo sucesso de vendas e pela parceria estabelecida (Harbin). Há empresas brasileiras a quererem copiar este exemplo?

Espero que sim. Temos muitas missões empresariais constantemente a vir à China. São dois países grandes que já fizeram bastante juntos, mas têm muito mais por fazer. Além disso, são países sem arestas políticas, nenhuma história de guerras no passado, não há qualquer entrave de ordem política. Os fluxos do bom comércio estão abertos.

 

Futebol e comida halal

Há cada vez mais chineses a aprenderem português, assim como brasileiros a aprender mandarim. A expansão dos Institutos Confúcio é a grande responsável por isto ou tal deve-se ao crescimento das oportunidades de negócio entre os dois países?

Um pouco dos dois. E vou dar um exemplo: nós temos mandado diplomatas, já formados, aprender chinês. Passam três anos aqui a estudar chinês a tempo inteiro. Temos feito até um esforço para identificar brasileiros que sejam de famílias chinesas para que façam o exame do Instituto Rio Branco [responsável pela formação de diplomatas brasileiros].

 

Uma grande oportunidade, portanto, já que tradicionalmente é difícil entrar na carreira diplomática.

Em Hong Kong, por exemplo, temos 170 pilotos de aviação brasileiros, que estão cá há muitos anos e cujos filhos adolescentes geralmente falam cantonês. E passamos o tempo a pressionar para que façam o exame para o Ministério das Relações Exteriores. Ou seja, há uma grande necessidade de brasileiros que saibam falar mandarim ou cantonês.

 

Quais são as principais marcas da cultura brasileira reconhecidas na China?

Futebol, que este ano quase eclipsou tudo o resto. Fico sempre surpreendido quando entro numa loja e vejo equipamentos da selecção brasileira e chinelos havaianas à venda, tudo muito verde e amarelo. Aqui em Hong Kong, há uma coisa curiosa, um nicho específico: a comunidade islâmica associa o Brasil à comida. Isto porque o Brasil exporta muito comida halal.

 

Conterrâneo de Maradona

O seu pai era diplomata. Foi por isso que nasceu em Buenos Aires, ele estava lá colocado?

Sim. Aliás, o meu avô, que era português, também foi diplomata. E sou casado com uma mulher cujo pai, o avô e o bisavô foram diplomatas.

 

Um brasileiro nascido na Argentina, isso deve-lhe ter trazido dores de cabeça.

Em época de futebol é motivo de gozo, claro. Mas há uma cláusula na Constituição Brasileira que dá direito a ser brasileiro nato pela via familiar. Ou seja, como se tivesse nascido no Brasil. Quando fiz o serviço militar e tive de me apresentar, lá fui eu com o papelinho da Constituição. Estive três horas na fila, até que fui atendido por um sargento. Olhou para os meus papéis e disse: “O senhor nasceu em Buenos Aires, tem de se apresentar no exército argentino”. Lá tentei explicar o que dizia a Constituição, que eu era brasileiro nato, foi aquela discussão, pouco tempo depois já estavam 20 ou 30 pessoas à volta de nós, discutindo o assunto (risos). Até que ele chama o superior, um oficial já grisalho. Ele ouve as ponderações de um e de outro e, já com umas 100 pessoas a ouvir o debate, tem uma reacção engraçada. Dá um safanão no sargento e diz: “Ó fulano, você acha que esse menino ficou três horas na fila para entrar no exército errado? Alista o garoto!”.

 

Qual era a sua visão da China antes de chegar? E agora?

Cheguei em Fevereiro de 2013. Nunca tinha vindo à Ásia. A minha mulher, como filha de diplomata, tinha morado no Japão e na Tailândia, e há anos que me dizia que eu precisava de ter um posto no Extremo Oriente. Achava que era uma parte da sua experiência de vida que me faltava. E quando o ministro me ofereceu a possibilidade de vir para Hong Kong, aceitei de imediato. A minha mulher adora, está absolutamente encantada. Vir para Hong Kong foi uma bela surpresa e agora tenho a certeza de que realmente me faltava esta experiência. Faltam poucos anos para me reformar, fechei o círculo direitinho (risos).

 

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Universidade de Macau impressiona

A qualidade e a dimensão do campus da Universidade de Macau na Ilha da Montanha causaram grande impacto no cônsul. “É uma cidade, é impressionante. Até já brinco com os meus netos, digo-lhes que têm de ir para lá fazer o mestrado.” Além de ter acompanhado uma visita às instalações, interveio também no estabelecimento de um contacto entre a instituição e uma grande universidade brasileira. “Fizemos a ponte com a FAAP de São Paulo, que já está em conversações para um programa de cooperação. Mandámos fotos para os directores da universidade no Brasil e eles reagiram logo, achando o campus absolutamente fantástico.”

 

O senhor marquês

José Antônio de Castello Branco de Macedo Soares. Um nome imponente, que deixa antever linhagem de sangue azul. “Marquês de Belas e conde de Pombeiro. São títulos de Portugal, país de que gosto muito e visito quando posso. Não tenho qualquer vergonha do título, mas não valorizo. Estou fora do circuito dos nobres. O título será herdado pelo meu filho e pronto. Não traz lucro nem prejuízo (risos).” Nasceu em Buenos Aires, a 18 de Novembro de 1946, filho e neto de diplomatas. Foi a profissão que escolheu, com postos em Washington, Cidade do Panamá, Viena e Londres. A maior parte da carreira, porém, foi passada no Brasil, no Ministério das Relações Exteriores, onde trabalhou em diversas áreas. Em Fevereiro de 2013, foi nomeado Cônsul-Geral do Brasil em Hong Kong e Macau.