Filatelia | Dez selos com história(s)

Os selos tipo “Coroa” – os primeiros a circular em Macau – são uma das mais famosas criações de Augusto Fernando Gerard, desenhador e gravador francês que começou a trabalhar em Lisboa aos 20 anos. A sua obra chegou aos quatro cantos do mundo, e foi ele o responsável pelo design de todos os selos tipo “Coroa” que circularam em Portugal e nas antigas colónias portuguesas. Com motivos padronizados, as séries foram concebidas no final da década de 70 do século XIX, impressas na Imprensa Nacional da Casa da Moeda e enviadas para Macau em 1877, sete anos antes de terem começado a circular no território, a 1 de Março de 1884. A história filatélica de Macau é, no entanto, ligeiramente mais antiga. O primeiro selo com a designação “Macau” data de 1878

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Texto Marco Carvalho/TDM

 

 

 

1. Macau, Índia Portuguesa

O desfasamento temporal entre a produção das estampilhas postais e o momento em que o governo de Macau avançou para a criação dos Correios e deu luz verde à utilização dos selos deu azo a uma situação anómala: se é verdade que o despacho oficial sancionando a utilização da criação de Gerard data de 1884, os primeiros selos circulados de Macau são ligeiramente mais antigos e apareceram, não no território, mas nas antigas possessões da Índia Portuguesa. Carlos George, filatelista português de renome, possuía na sua colecção uma carta franqueada com um selo de Macau de 10 réis de tom amarelado. Carimbado em Diu, o sobrescrito data de 6 de Agosto de 1878 e terá sido enviado para a Índia por engano por parte das autoridades de Lisboa.

 

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2. Equívocos que valem ouro

Impressos num amarelo tão pálido que a própria leitura e interpretação do selo se fazia difícil, alguns selos de Macau teriam sido colocados por engano no lote que se destinava aos territórios da Índia e vice-versa. Em Goa, Damão e Diu, os espécimes de 10 réis de Macau foram vendidos e empregados na correspondência sem que ninguém desse por isso. Quando, em 1884, os selos produzidos com a chancela do território receberam finalmente luz verde para circular, o selo de 10 réis amarelo pálido com a inscrição “Índia Portuguesa” também constava do lote de estampilhas postais enviadas por Lisboa para o território sete anos antes. A exemplo do que sucedeu nas possessões indianas, também em Macau ninguém deu pela troca. Carlos George tinha também no seu acervo um exemplar da Índia circulado em Macau, com carimbo de 30 de Julho de 1884. Ambos os selos, assim carimbados, são extremamente raros.

 

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3. O selo fantasma

Oficialmente introduzida a 1 de Março de 1884, a primeira emissão postal com franquia de Macau era constituída por um conjunto de nove selos de diferentes denominações, facilmente identificáveis pela cor e com um valor facial que oscilava entre os cinco e os 300 réis. Foi necessário esperar 14 anos para que a primeira série filatélica comemorativa circulasse em Macau. O selo, alusivo aos 400 anos da chegada de Vasco da Gama à Índia, está na origem de um pequeno enigma filatélico, datado do período que se seguiu à instauração da República em Portugal. Por serem selos da Monarquia que não tinham a imagem do monarca, os selos do 4.º Centenário foram considerados dos mais adequados para circular no alvorecer do período republicano enquanto a República não emitia os seus próprios selos. São muitos e variados os exemplares sobretaxados, mas há um que intriga os filatelistas: um coleccionador sueco adquiriu numa compra a grosso um exemplar de Macau com uma sobretaxa de 1$000. Nada de muito alarmante, não fosse a moeda de Macau ser desde 1894 a pataca. O improvável selo – que não consta de qualquer catálogo e do qual se conhece uma única encarnação – ou se trata de um equívoco (poderá ter sido tomado por um selo da Madeira, suspeitam alguns especialistas) – ou de uma falsificação.

 

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4. Um selo, dois regimes

A mais circulada das emissões do período da monarquia terá sido a série relativa ao rei D. Carlos. As emissões com a efígie do monarca foram extensivamente utilizadas após a queda da Monarquia com sobretaxas impressas quer em vermelho, quer em branco. Apesar de não serem necessariamente raros, os selos do período da Primeira Guerra Mundial podem chegar a valer 2000 patacas. Dependendo das condições em que se encontram, há selos que podem valer mais de 5000 patacas. Manuel José da Rosa, que possui no seu acervo quase todas as variações relativas à série D. Carlos, tem na colecção um selo com um valor facial de cinco avos, ao qual foi imposta uma sobretaxa – a elevar o valor para dez avos – e uma banda negra apensada ao canto superior direito. O exemplar é único e vale qualquer coisa como 100 mil patacas.

 

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5. O Santo Graal dos selos de Macau

A história das emissões filatélicas de Macau ainda se faz mais de dúvidas do que de certezas e o selo que constitui a maior falta da extensa colecção de Manuel José da Rosa continua a ser um mistério. “Tive oportunidade de o comprar num leilão, mas o preço subiu mais do que eu estava à espera e acabei por não o adquirir”, diz o coleccionador. Trata-se de um raríssimo selo de dez avos azul esverdeado da Série D. Carlos ao qual foi apensada, em Setembro ou Outubro de 1913, a sobrecarga “REPUBLICA” a vermelho. Devidamente documentada, a existência de uma tal emissão constitui, por si própria, uma improbabilidade: um decreto emitido pelo governo de Lisboa a 4 de Julho de 1913 não contemplava a hipótese dos selos em questão poderem vir a ser sobretaxados e reutilizados. “É um selo raro porque só são conhecidos seis ou sete exemplares e a emissão era de origem muito reduzida, no máximo de duas páginas de 28 selos cada”, explica Manuel José da Rosa.

 

6. A mais pequena emissão do mundo?

A falta evidente de programação atempada das requisições de selos à Imprensa Nacional da Casa da Moeda originava frequentemente rupturas nos estoques, mas o caso do selo de dez avos, que é tido como um dos mais raros de Macau, pode indiciar, de acordo com os estudiosos, uma prática com finalidades especulativas. Luís Frazão, autor da mais extensa e completa obra sobre a história da filatelia do território, dedica várias páginas ao selo em questão, concluindo que foram sobrecarregados apenas 16 deles, sem ainda assim conseguir explicar a reduzida quantidade. Elder Correia, autor do blogue filatélico “A Mala-Posta”, vai ainda mais longe e garante que foram emitidos apenas dez selos. Será, porventura, a tiragem mais reduzida da história postal de Portugal e dos antigas colónias portuguesas e uma das menores do mundo.

 

7. Uma excepção bélica

Com o deflagrar da Guerra do Pacífico, Macau foi brindado com uma excepção de relevo: o isolamento circunstancial a que o território esteve votado durante o período da II Guerra Mundial forçou Lisboa a autorizar emissões locais da série “Padrões”, com um valor facial de 1, 2, 3, 6, 10, 20 e 40 avos. Os selos foram litografados pela Companhia Sin Chun Limitada, ao passo que a emissão habitual da Imprensa Nacional da Casa da Moeda era tipografada. Tendo sido produzida com recurso a papel mais rudimentar, a emissão local apresenta várias características únicas: por um lado não menciona o nome do gravador e por outro apresenta várias imperfeições nas perfurações da serrilha. Estes foram, no entanto, os primeiros selos impressos em Macau, antecipando uma tendência que apenas é institucionalizada no início da década de 1980. Os envelopes de primeiro dia criados no território datam também do período da Guerra do Pacífico e são da autoria do um filatelista local Pedro Paulo Ângelo.

 

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8. A distância, a mãe de todos os equívocos

Antes da década de 1980, e apesar de exibirem a designação “Macau” e de serem franqueados em patacas, os selos do território eram pensados, concebidos e impressos em Portugal. A distância e o desconhecimento factual das pequenas nuances que contribuíam para a especificidade cultural de Macau davam, incontornavelmente, azo a equívocos. Em 1950, a Imprensa Nacional da Casa da Moeda produziu um selo ostentando as Portas do Cerco, com um valor facial de 1 pataca, em tons de azul, nunca chegou a circular em Macau, devido a um equívoco de natureza cultural. A tonalidade da cor com que o selo foi impresso é considerada pouco auspiciosa na cultura chinesa e o selo acabou por ser mais tarde substituído por um selo idêntico, ainda que de tonalidade castanha.

 

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9. Macau com voz própria

Em 1981, sete anos depois do fim da ditadura em Portugal, os Correios de Macau receberam luz verde das autoridades de Lisboa para conceber e emitir as suas próprias emissões. Desde então, várias mudanças estruturais sucederam-se. A 27 de Maio de 1987, os Correios de Macau quebraram um tabu com mais de um século e colocaram em circulação um selo comemorativo, alusivo ao Festival dos Barco-dragão, onde pontificavam pela primeira vez os caracteres alusivos ao nome chinês de Macau (澳門). “Desde a década de 1980 até à transferência de administração emitimos 156 selos e depois da transferência, produzimos 180 emissões. Contas feitas, emitimos 300 e poucos selos desde que a emissão tornou-se autónoma em Macau”, explica Derby Lau, directora dos Correios.

 

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10. Um equívoco moderno

Os Correios de Macau despediram-se de mais de quatro séculos de administração portuguesa com a série “Macau – Retrospectiva”, emitida a 19 de Dezembro de 1999. Os selos foram os últimos a exibir a designação “Macau – República Portuguesa”, mas a pouco mais de um ano da transferência de administração, a autoridade postal esteve no centro de um divertido equívoco, ao ver-se obrigada a recolher a emissão filatélica comemorativa dos 500 anos da descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, da autoria de Vítor Marreiros. A razão? Uma falta tão evidente que passou despercebida. Lançados a 20 de Maio de 1998, os selos celebravam a chegada de Vasco da Gama a Calecute em 1598. Em Setembro, a Direcção de Serviços de Correios colocou em circulação uma emissão com a data já corrigida. “É evidente que quem coleccionou o selo com o erro valorizou a sua colecção”, reconhece Carlos Roldão Lopes, antigo director dos Correios de Macau.

 

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