PME | Um pedaço de Veneza em Macau

São peças de artistas de diferentes origens feitas em vidro de Murano. Encontram-se já à venda no território numa galeria do NAPE e a partir de Maio estarão numa loja

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Texto Luciana Leitão | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Derretido num forno a mais de 1000 graus centígrados, o vidro é depois recortado enquanto quente, assumindo a forma que o artista quiser. Posteriormente, dá-se-lhe as cores pretendidas, feitas sobretudo de areia, silício e mais alguns ingredientes secretos.

Quem entra na loja de roupa IF, na Rua Cidade de Braga, no NAPE, não imagina o que vai encontrar. São peças monumentais desenhadas e produzidas por artistas oriundos de diferentes países, feitas em vidro de Murano. “Trouxemos tudo de lá em vários carregamentos. Cada viagem demora, em média, 40 dias”, diz Tommaso Manzoni, director da Ma.Re, acrescentando: “Abrimos a galeria há seis meses e só há dois é que chegou o grande contentor.”

A primeira peça que surge aos olhos de quem visita esta recém-criada galeria é uma imagem de uma face feminina, recortada a vidro de Murano num fundo em porcelana, da autoria da artista moldava Ostapovici Svetlanda.

Percorrendo o resto da galeria vêem-se, além de outros trabalhos desta artista, peças de joalharia, copos, grandes candeeiros e esculturas monumentais. Ao território, Tommaso e a família trouxeram “peças luxuosas e limitadas”, também com o intuito de chegar aos resorts.

Na loja que vão abrir, no resort Galaxy Macau em Maio, terão à venda outro tipo de peças. “É bem mais pequena [do que a do NAPE], só tem 30 metros quadrados. Vamos mostrar outras colecções, coisas que podemos usar todos os dias, como joalharia e copos”, diz, a título de exemplo, acrescentando: “Se alguém quiser ver outras coisas, pode vir à nossa galeria principal no NAPE.”

Desde que abriu a galeria, há seis meses, já conquistou alguns clientes, ainda que “poucos”. “Alguns vêm porque ouviram falar de Murano, mas é bem diferente em Veneza – lá recebemos clientes todos os dias.” Em Macau, tem de se concentrar mais em explicar aos potenciais clientes a tradição e os processos, sobretudo para justificar os preços dos produtos. “Normalmente, temos de mostrar um filme, em que se conta a história e só depois eles percebem e conseguem ver a qualidade do que oferecemos.”

Entre as peças que tem em exposição e à venda na galeria do NAPE, Tommaso destaca alguns nomes, como o de Alexis Silk, uma artista norte-americana que esculpe corpos de mulher em vidro. “Temos exclusividade em relação a tudo o que ela produz durante o ano.”

Alguns objectos que ali se encontram foram trazidas de Itália a pensar nos clientes chineses. “Temos algumas peças relacionadas com o mar. Trouxemo-las porque sabemos que na China são populares.” Entre os produtos que destaca encontra-se também a colecção de Venini e Saviatti, famílias antigas de Murano e que se tornaram famosas internacionalmente.

Os artistas com quem trabalha são de diferentes origens, apesar de todos terem em comum a passagem pela ilha veneziana. “Alguns não são italianos, mas todas as peças que vendemos são feitas em Murano.”

Agora em busca de novas oportunidades, Tommaso não esconde que os novos projectos do Cotai seriam ideais para o produto que veio vender no território. “Os candeeiros, por exemplo, são perfeitos para os casinos. Estamos a pensar no novo MGM, no Parisian, no novo Wynn.”

 

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A família entra na Ásia

Tommaso Manzoni é a cara da linha Ma.Re em Macau, tendo a seu cargo a tarefa de trazer o vidro de Murano ao território e, posteriormente, ao resto da região. “Tudo começou quando vendemos umas peças a um cliente de Macau. Foi aí que surgiu a ideia de abrir um negócio aqui”, recorda. “Queremos entrar neste mercado asiático e Macau é o melhor sítio para começar. Primeiro, começamos por Macau e Hong Kong, e depois, no futuro, por que não o Interior da China?”

Como muitas outras famílias tradicionais oriundas de Veneza, há já 40 anos que os Manzoni se dedicam ao negócio do vidro de Murano. “Temos uma fábrica em Murano e uma loja em Veneza.”

Visitaram Macau pela primeira vez a convite de um investidor local, para conhecer o território e perceber se era viável o negócio. “Viemos algumas vezes, no ano passado e organizámos algumas exposições, mas agora estamos mesmo baseados aqui.”

Em Veneza, grande parte dos locais se dedica ao mesmo tipo de negócio, mas Tommaso garante que a qualidade tem vindo a decrescer, já que é frequente ver à venda cópias de fraca qualidade. “Preferimos não seguir esta direcção, daí que façamos poucas peças, mas de grande qualidade.”

Habituado a ver o pai a trabalhar neste negócio, Tommaso desenvolveu o gosto pelo vidro de Murano desde muito cedo. “Quando era novo, por vezes ajudava o meu pai e a minha família depois da escola. Sempre estive rodeado destas peças e, mesmo em casa, já estava familiarizado com o vidro”, recorda. Mesmo assim, é apenas um vendedor das peças produzidas pelos diferentes artistas, já que não é assim tão fácil dominar esta arte. “É preciso nascer-se com talento. Sei fazer coisas pequenas, copos, tigelas. É importante saber o básico, os processos e os materiais.”

Agora a expandirem-se para Macau, pretendem manter a galeria do NAPE e abrir uma segunda loja mais pequena, no Galaxy Macau. Porém, não faz parte dos planos instalarem nenhuma fábrica, já que a família prefere preservar a tradição livre de eventuais cópias. “É melhor manter a tradição em Murano. Mas cá poderia ter piada alguma demonstração. Aliás, estamos a trabalhar nisso, mas precisamos de tempo para trazer artistas.”

Por enquanto, vão demonstrando as suas peças em exposições no território e fora dele. Já participaram em vários eventos, incluindo a Exposição de Franquia de Macau, o Macao Gaming Show e a Exposição Internacional de Importação e Exportação de Iates.

 

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O processo

Primeiro aquece-se o vidro num forno com temperatura a mais de 100 graus centígrados, de forma a poder esculpir-se à vontade. Recortando com uma tesoura, de forma a assumir a forma pretendida, vem depois a introdução da cor. “Usam areia e silício para fazer as cores, mas é um segredo que não passam a outros artistas”, explica Tommaso Manzoni. “Cada peça é totalmente feita à mão, desde o início até ao fim.”

Normalmente, os artistas que estão a esculpir a peça são familiares, já que esta é uma tradição que passa de pai para filho. “É uma tradição, algumas técnicas e cores são de combinações de areias e os artistas não contam a ninguém como fazem.” Claro que as peças não estão imunes à humidade, ao excesso de calor e de frio e, muitas vezes, algumas perdem-se pelo caminho.

 

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