Imprensa | Portugal e China ligados pela comunicação

Um canal de televisão, um jornal quinzenal e um suplemento num jornal diário português. Nunca portugueses e chineses estiveram tão próximos no que diz respeito a meios de comunicação social. Para os intervenientes, esta é a melhor forma de dar a conhecer Portugal à China e China a Portugal

 

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Texto Mónica Menezes, em Portugal

 

Tudo começou com a gravação da festa do Ano Novo Chinês em 2014. A Web TV A Voz Local, da empresa Pedestal d’Ideias, fez a reportagem do evento e exibiu-a no seu site. O sucesso foi tal que começou a ser pensado que um canal chinês em Portugal faria todo o sentido. E assim surgiu a CCTV Portugal (abreviatura de Comunidade Chinesa TV Portugal, sem nenhuma ligação ao canal estatal chinês CCTV). Yping Chow, fundador e director da CCTV, e também presidente da Liga dos Chineses em Portugal, conta o que se pode esperar deste canal de televisão que, por enquanto, ainda só estará visível através da Internet. “É um canal que vai criar oportunidade de negócio o que faz com que, automaticamente, se torne mais fácil as empresas portuguesas entrarem no mercado chinês.” Mas não só. A ideia de Yping Chow é ter, para já, dois ou três vídeos semanais que mostrem a cultura chinesa, como os chineses vivem em Portugal e como as suas famílias e amigos vivem na China. “Ter vídeos da China é imprescindível para dar a conhecer melhor aquele país, para os chineses que estão cá matarem saudades e para determinadas zonas da China serem conhecidas turisticamente.”

Transformar esta televisão online num canal por cabo não é nada que não esteja nos planos de Yping Chow, mas até antes disso há um objectivo que o director quer atingir a curto prazo. “Gostava muito de criar um programa para ensinar frases em chinês aos portugueses”, explica. Para isso é preciso primeiro encontrar a cara do canal que deverá ser chinesa. “Em Portugal não faltam canais de televisão nacionais, faltam é canais locais. Depois, se chegarmos a ser um canal por cabo melhor, mas também não estou à espera de este ser um canal onde eu vá ganhar muito dinheiro. O que posso dizer é que vai ser um canal popular para quem gosta da China e para pessoas que tenham alguma ligação com a China.”

A viver em Portugal há mais de 50 anos, Yping Chow quer ajudar os cerca de 25 mil chineses imigrantes a matar saudades do seu país e ajudar os portugueses a fazer negócios com os chineses. “Só em Fevereiro deste ano o turismo chinês em Portugal aumentou 50 por cento, por isso há aqui oportunidade de negócio não só pelo turismo como em produtos que os portugueses podem dar a conhecer aos chineses.”

E como é uma televisão virada para a China e para os chineses, mas também para os portugueses é natural que à sua frente também esteja um profissional luso. José Ferreira, fundador e subdirector da CCTV, proprietário da Pedestal d’Ideias, não esconde o orgulho do novo projecto que acaba de abraçar. “Trata-se de um projecto diferente, novo, agregador e de grande importância para Portugal e também para a comunidade chinesa a residir em Portugal”, assume. Embora o canal tenha acabado de nascer, José Ferreira tem bem definido na sua cabeça o que quer que os espectadores deste canal vejam: notícias que vão desde a cultura à economia, passando também pelo desporto, áreas que todas juntas contam a história de um país. “É um projecto abrangente que exportará para o mundo as vivências da comunidade chinesa em Portugal e trará da China múltiplos conteúdos de interesse, não só para as comunidades chinesas, mas para toda a população.”

 

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Tal como Yping Chow, o subdirector também acredita que este canal pode ser uma porta aberta para a concretização de negócios que favorecerão ambos os países. “Ao reunir em televisão os vários interesses económicos, as oportunidades de negócio podem servir de trampolim para áreas como o turismo, saúde, construção, entre outras.”

A nível da cultura, a CCTV Portugal tem um papel fundamental pois irá abarcar áreas como a alimentação, a música e o teatro. “Os rituais e a própria língua serão, sem dúvida, a grande montra deste canal”, conta. De forma resumida, o subdirector do canal aponta quais as mais-valias tanto para portugueses como para chineses com a chegada deste canal. “Trata-se de um projecto que procura a inclusão social, uma sociedade coesa e harmoniosa. A integração dos imigrantes chineses em Portugal sairá, certamente, beneficiada. Queremos que a comunidade chinesa se sinta bem no nosso país. Da mesma forma que os portugueses perceberão a mais-valia que, muitas vezes, é a presença de estrangeiros em Portugal.”

 

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O diário quinzenal

Foi também a pensar nos estrangeiros em Portugal, neste caso nos chineses, e no interesse que os portugueses têm ou podem vir a ter na China que surgiu, primeiro em formato digital e agora em papel, o Diário de Todos. Helena da Cruz Mouro conta que a edição online foi criada por Fernando Yang, actual director adjunto do Diário, e serviu para fazer a ligação “directa entre o mercado de leitores da grande China e as notícias económicas, sociais e culturais portuguesas que acreditamos constituir uma ferramenta de apoio à decisão de empresários e investidores chineses em Portugal, na Europa e nos países de língua portuguesa.”

O jornal conta com uma equipa jovem e muito minimalista de dez profissionais luso-chineses e portugueses, conta a directora do mesmo. “Aproveito para desvendar que alguns dos profissionais são naturalmente bilingues e outros estão a aprender ou a língua chinesa ou a língua portuguesa. Na redacção tanto se ouve conversar em português, como em mandarim, a língua oficial da China, como também em cantonês, o dialecto do Sul da China com mais de 70 milhões de falantes”, esclarece Helena.

O Diário de Todos é, na perspectiva da directora, um espaço “onde personalidades de língua portuguesa ou chinesa poderão ser alternadamente entrevistadas e ainda onde temas de elevado interesse para a China ou para os países de língua portuguesa, incluindo Portugal, poderão ser abordados.” Este jornal bilingue tem perto de 130 páginas e é rigorosamente dividido em duas partes iguais: a parte chinesa e a parte portuguesa. Mas cada uma delas não é a tradução da outra. E é este ponto que deixa Helena extremamente orgulhosa: “Desenganem-se os que acham que o jornal bilingue conta com a total duplicação de conteúdos, uma mera tradução de uma das versões. A versão em língua portuguesa trabalha por isso as notícias sobre a China, o mundo chinês e os países de língua portuguesa, e a versão em língua chinesa faz o acompanhamento das notícias sobre Portugal e os países de língua portuguesa.” Por isso, e para não perder pitada de informação, o ideal é dominar os dois idiomas.

Este jornal é a primeira plataforma informativa especializada em economia e cultura escrita em língua portuguesa e chinesa. “Este projecto de dimensão estratégica global vem juntar e materializar as vontades e visões há muito existentes nas sociedades portuguesa e chinesa, mas também de todo o espaço de línguas portuguesa e chinesa, incluindo as suas diáspora no mundo”, afirma Helena. E vai mais longe: “Tal como as nossas vocações universalistas, a portuguesa e a chinesa, ambos iniciámos a epopeia de mais de dez mil milhas através do primeiro passo e foi este o passo a que nos propusemos.”

Quem comprar o Diário de Todos poderá ler um conteúdo 70 por cento dedicado à economia, e os restantes 30 distribuídos por notícias ligadas ao turismo, lifestyle, cultura e desporto. Com nomes como os da professora Teresa Cid ou do antigo secretário da Administração, Educação e Juventude Jorge Rangel, este jornal pretende dar a conhecer visões diferentes das que estão em voga nos meios em Portugal e, sobretudo, “procura reunir a inteligentsia, as elites pensantes, sobre as questões estratégicas comuns que tanto importam para o mundo chinês como para o mundo em língua portuguesa. Esta é também uma plataforma de reflexão Oriente-Ocidente”, assegura Helena da Cruz Mouro.

 

Afonso Camões

 

Um jornal feito em dois países

Afonso Camões, director do diário português Jornal de Notícias (JN), explica qual o conceito que norteia um projecto que acaba de arrancar e envolve Macau e a relação entre a China e a lusofonia. Para Afonso, é a forma como a China olha com cada vez mais interesse para Portugal, tal como para toda a geografia da língua portuguesa [especialmente Moçambique, Angola e Brasil], que faz “todo o sentido dar mais expressão noticiosa e editorial a uma relação que ambos os países têm interesse em desenvolver e consolidar, quer no plano económico, quer no plano cultural.”

E foi desse interesse que surgiu a ideia de uma publicação bilingue, a ser publicada juntamente com o Jornal de Notícias. “A ideia nasceu em Macau e foi-nos proposta pelo semanário Plataforma Macau. Trata-se, para já, de um acordo no plano comercial. Um velho ditado português que os chineses entendem bem diz que ‘fidalguia sem comedoria é gaita que não assobia’”, refere Afonso Camões. Isto para dizer que só em função do sucesso desta vertente comercial é que serão dados passos mais firmes na parceria editorial, “quer na permuta de conteúdos, quer na regularidade das publicações conjuntas”, assegura Camões.

O director do JN acredita que o jornal que dirige é o único grande título português que acompanha regularmente a vida das comunidades estrangeiras residentes em Portugal, “como é o caso da comunidade chinesa, uma das mais dinâmicas entre nós”, e o lançamento deste suplemento será uma mais-valia tanto para portugueses como para chineses. “Os primeiros suplementos serão mensais, mas a ideia é intensificar essa regularidade e estender a troca de conteúdos editoriais às plataformas digitais”, explica o director.

A língua portuguesa e a língua chinesa podem estar em níveis opostos de entendimento tal é a dificuldade que ambos os países sentem ao ouvir as palavras de uns e de outros, mas com o aparecimento destes novos órgãos de comunicação social é um novo passo para facilitar o conhecimento entre duas culturas tão diferentes que estão cada vez mais próximas por via da economia, turismo e cultura.

 

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Música para chineses

A Íris FM, uma rádio local da zona de Benavente, tem como sócio maioritário Liang Zhang, um cidadão chinês há muito residente em Portugal. Embora não haja nenhuma programação especialmente pensada para os asiáticos, há, segundo o que Luís Bernardo, director da estação, disse alguns programas produzidos em Macau “graças a um protocolo estabelecido com a Rádio Internacional da China (CRI)”, mas que passam exclusivamente em português. Estes programas incluem entrevistas a portugueses que vivem em Macau e seguem uma playlist que também integra música chinesa.