Universidade de Coimbra acena à China em português

É uma das principais embaixadoras da cultura em Portugal e, agora, vai exportar conhecimento para o Oriente. A Universidade de Coimbra, reconhecida em 2013 como Património Mundial da Humanidade, quer em breve ter mil chineses a estudar nas suas históricas faculdades. A língua portuguesa é o principal argumento para convencer os orientais a atravessarem o mundo em busca de uma licenciatura

 

 

 

Texto Sandra Mesquita Ferreira | Fotos Gonçalo Manuel Martins, em Portugal

 

 

Cris Yin fala português fluentemente e os olhos carregam-se-lhe de ternura quando o tema é Coimbra e as suas tradições académicas. “Adoro a universidade”, diz, sem reservas. Chegou à cidade em 2012, encantada com as imagens que encontrou na Internet – estudantes enrolados em capas negras; edifícios imponentes e ancestrais; uma instituição com um peso histórico único em Portugal – e rendeu-se de imediato. Durante dois anos, pertenceu ao (ainda) restrito grupo de cerca de 100 alunos chineses que estudam naquela universidade. Agora, trabalha no Departamento Relações Internacionais da instituição, com um objectivo: multiplicar o número de alunos orientais que ali estudam.

O reitor João Gabriel Silva acredita que, dentro de alguns anos, a Universidade de Coimbra (UC) poderá acolher um milhar de alunos chineses. Um crescimento que será potenciado pelo regime de acesso directo para alunos internacionais, que a UC criou no ano passado. Deste então, os alunos chineses podem candidatar-se a qualquer curso da universidade, através do Gaokao – o mesmo exame que fazem para aceder ao ensino superior chinês.

A estratégia de abertura da UC ao Oriente está ainda a dar os primeiros passos, mas é a grande aposta de João Gabriel Silva – reeleito em Fevereiro para um segundo mandato como reitor – para os próximos anos. Depois do sucesso alcançado no Brasil – actualmente, há cerca 2000 brasileiros entre os 23 mil alunos da UC, tornando Coimbra na “maior universidade brasileira fora do Brasil” – o reitor quer continuar a promover a instituição em países com interesse na língua portuguesa. E a China, pelas relações comerciais que estabelece com os países lusófonos, tornou-se num mercado prioritário.

“Os chineses são bastante pragmáticos e já perceberam que para conseguirem ter relações económicas fortes com países de língua portuguesa precisam de ter um conjunto de quadros que dominem a língua”, justifica João Gabriel Silva, acrescentando que, apesar de já haver “um número relevante” de orientais a falar português, faltam ainda “pessoas que simultaneamente dominem a língua e tenham formação técnica”. E é aí que se abre uma janela de oportunidade para a Universidade de Coimbra.

Ao contrário dos cursos de português leccionados na China – que se focam apenas na questão da língua – a UC propõe-se a ensinar português ao mesmo tempo que ensina leis, medicina, engenharia ou qualquer outra área formativa leccionada nas oito faculdades da instituição. Os alunos chineses podem candidatar-se a qualquer licenciatura, mas, caso não tenham conhecimentos mínimos de português, começam por frequentar um ano preparatório especial (um espécie de “ano zero”), que permite uma aprendizagem intensiva da língua.

 

 

Alunos encantados com a cidade

Foi precisamente a vontade de aliar os conhecimentos de português a outro tipo de competências que levou Cris Yin, 27 anos, a viajar para Coimbra, ainda antes da criação deste regime de acesso especial para estudantes chineses. Depois de terminar a licenciatura em Língua e Cultura Portuguesa, em Pequim, inscreveu-se no mestrado em Comunicação e Jornalismo da UC. “O português é a sexta língua mais utilizada no mundo e garante-nos um grande futuro em termos de mercado de trabalho”, defende.

O futuro de Cris é ainda uma incógnita mas o presente, esse, continua a passar por Coimbra. Apesar de ter terminado o curso, deixou-se encantar pela cidade e decidiu ficar por ali durante “mais alguns anos”. É ela quem está a traduzir para mandarim o site que a UC criou a pensar nos potenciais alunos chineses (acessível em www.uc.pt/en/china), que reúne informação sobre as ofertas formativas da instituição, condições de acesso, alojamento e sobre ao estilo de vida na cidade. E é também ela quem, agora, faz a “ponte” com os estudantes orientais. Ironicamente, a língua – que motiva a ida da esmagadora maioria dos alunos chineses para Coimbra – é o maior entrave à viagem. Mas Cris tenta desmontar essa torre de Babel diariamente, apoiando os alunos não só nas questões burocráticas, como também nas rotinas triviais do dia-a-dia.

Não que haja muitas queixas. Belmiro Leong e Miguela Tan, ambos com 18 anos, chegaram à cidade em Outubro, vindos de Macau, e asseguram que, apesar das diferenças culturais e de alguma dificuldade de comunicação, a adaptação não foi difícil. “Os portugueses são muitos prestáveis, são um povo muito simpático”, elogia Belmiro, que já tinha estado em Portugal – mas em Braga – no verão passado, a participar num curso intensivo de língua portuguesa. Para Miguela esta foi a primeira experiência longe de casa. “Tive de aprender a ser independente, mas felizmente os colegas da residência ajudam-nos sempre que surge algum problema, por isso estou a gostar muito da vida que tenho aqui”, revela.

A Universidade de Coimbra tem três residências reservadas para estudantes internacionais, onde o preço do alojamento varia entre os 165 e os 265 euros mensais (com acesso a cozinha e despesas de água, luz, gás, Internet, televisão, limpeza e lavandaria incluídos). O custo de vida na cidade é acessível e as propinas (7000 euros anuais) são bastante mais em conta do que o praticado nas universidades australianas, muito procuradas pelos estudantes chineses. “Oferecemos uma formação de qualidade por um preço que é competitivo”, nota João Gabriel Silva reconhecendo, contudo, que a cultura chinesa tem tendência a desconfiar do que é barato. Ainda assim, inflacionar os preços para conquistar a credibilidade do mercado oriental está fora de questão. “Não seria correto”, defende.

 

UNIVERSIDADE DE COIMBRA 02 GMM

 

Universidade única e emblemática

Para os mais cépticos, a UC tem outros argumentos. Universidade de excelência da língua portuguesa, está no ranking de Xangai entre as 500 melhores instituições de ensino superior do mundo, e mantém uma ligação histórica com a China. Era em Coimbra que se formavam os missionários que, entre os séculos XVI e XVIII, viajavam para o Oriente (numa época difícil de imaginar, em que Portugal e China distavam um ano e meio de viagem de barco). “Pareceu-nos fazer sentido retomar essa longa relação, muito antiga e muita intensa”, explica João Gabriel Silva.

Depois, há as condições ímpares que a universidade e a cidade proporcionam aos alunos. Além das residências, os estudantes têm acesso a cantinas, serviços médicos e a uma panóplia de actividades desportivas e culturais garantidas pela Associação Académica de Coimbra – a academia de estudantes mais antiga do país, com 42 secções em actividade. À chegada, os alunos estrangeiros são ainda recebidos por estudantes voluntários portugueses que funcionam como um GPS nos primeiros dias, ajudando no período de adaptação à cidade.

“Em Coimbra criámos um conjunto de condições que são difíceis de reproduzir noutros sítios. Em Portugal não há outra cidade assim e, mesmo no mundo, há poucas”, frisa o reitor João Gabriel Silva. Não é à toa que Coimbra é apelidada de “cidade dos estudantes”. Nascida em 1290, foi a primeira universidade do país; e, ainda hoje, a vida da cidade gira muito em torno dos 35 mil alunos do ensino superior (além da universidade há mais quatro instituições a leccionar).

O resultado é uma cidade jovem, com uma vida nocturna intensa. Ali, os rituais de praxe e as capas negras usadas pelos estudantes fazem parte do cenário (o traje académico, em tempos uniforme dos alunos, é agora usado sobretudo em festas académicas, mas continua a fazer parte do dia a dia na zona universitária).

Contudo, se para os alunos portugueses a tradição académica e o ambiente boémio de Coimbra são um atractivo, para os chineses essa realidade é indiferente. Para quem viaja do Oriente, Coimbra, com os seus 143 mil habitantes, é uma cidade pequena e com poucas distracções. “Não há muitas coisas para brincar, o que é bom para nós”, avalia Belmiro, que prefere não se envolver nas actividades da Associação Académica para poder dedicar-se de corpo e alma aos estudos. É, aliás, o que faz a maioria dos alunos chineses que estão em Coimbra, concorda Miguela, que também prefere aproveitar o tempo livre para treinar o português com professores e amigos.

Ainda assim, os dois estudantes não ficaram indiferentes à Latada, a festa de recepção aos novos alunos que a Associação Académica promove todos os anos, em Outubro. Belmiro e Miguela tinham acabado de chegar a Coimbra quando se depararam com uma semana de animação constante, cujo ponto alto é o desfile de estudantes pelas ruas da cidade – os alunos “doutores” envergam o traje académico (sinal de antiguidade), enquanto que os “caloiros”, no primeiro ano de curso, vestem roupas coloridas (a cada faculdade está associada uma cor diferente), com adereços de ironia e crítica social. Uma semana “inesquecível” para os dois alunos, que não encontram tradição semelhante noutros pontos do mundo.

O período de folia estudantil repete-se em Maio, na Queima das Fitas – a festa de despedida dos alunos finalistas do ensino superior. Mas os dois estudantes terão oportunidade de assistir à festa, já que estarão em Coimbra até Junho. São alunos da licenciatura em Direito da Universidade de Macau, cujo plano curricular pressupõe um ano de estudos em Portugal e a conclusão de 40 por cento das unidades curriculares em português. Também eles reconhecem vantagens em dominar a língua lusa. Não só porque, “no século XXI, é importante saber o maior número de línguas possível”, como porque em Macau há “grandes vantagens profissionais” em dominar o português, afirma Miguela.

 

REITOR (1)

 

Candidaturas abertas até Junho

Nesse aspecto, a passagem por Coimbra será determinante para o futuro: ali, todas as aulas são leccionadas em português (apesar de os professores terem sensibilidade para esclarecer dúvidas em inglês sempre que necessário). A língua portuguesa é, aliás, um ponto de honra da UC – que os alunos chineses consideram uma vantagem e que o reitor enfatiza como principal factor distintivo da universidade.

“A Universidade de Coimbra, ainda há pouco considerada Património Mundial da Humanidade [a distinção foi atribuída em 2013], foi reconhecida precisamente por ser um dos símbolos centrais da língua e cultura portuguesas. Era esquisitíssimo que uma universidade com esta história e responsabilidade, de repente, se transformasse em mais uma entre milhares de universidades que leccionam em língua inglesa”, afirma João Gabriel Silva. Por isso, o caminho da UC passará por abrir portas à comunidade internacional, como já tem vindo a fazer (só este ano lectivo a instituição acolhe alunos de 83 nacionalidades diferentes) mas debaixo do epiteto de “universidade de referência da língua portuguesa”.

Resolvidas as questões burocráticas, os primeiros alunos chineses a beneficiar do regime de acesso directo deverão chegar a Coimbra em Setembro, no arranque do próximo ano lectivo. A fase de candidaturas decorreu até ao final de Março e haverá ainda um último período de concurso, em Junho. Para os alunos da China que habitualmente fazem o Gaokao, a candidatura é relativamente simples. Já os estudantes de Macau, que, por norma, não fazem o exame, poderão ter mais dificuldade em aceder ao concurso. Mas por pouco tempo: em breve, a UC espera poder realizar os seus próprios exames de admissão, dispensando assim os alunos da prova chinesa.

O diálogo com a China será desenvolvido paulatinamente, até porque a UC não tem pretensões de crescer muito em número de alunos. A ideia é conservar o espírito que sempre norteou a instituição e que tanto influencia a cidade, tornando-a única. “É conhecido que os estudantes de Coimbra sentem com particular intensidade a sua passagem por aqui”, diz João Gabriel Silva – ele próprio ex-aluno da UC. No Brasil, a fama já se espalhou. “Muitos brasileiros que nos chegam agora dizem que escolheram Coimbra porque conhecem alunos que por aqui passaram e que lhes dizem que isto é um lugar especial”, relata o reitor. Conseguirá a mais antiga e popular cidade universitária portuguesa conquistar também o coração dos chineses?

 

UNIVERSIDADE 01 GMM

 

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UC em números

 

Dados gerais

Data de fundação      1290

Pólos                           3

Faculdades                 8

Museus                       2

Estádios                      2

Bibliotecas                  23

Jardim Botânico         1

 

Cursos

Licenciaturas            36

Mestrados                  124

Doutoramentos         97

Cursos não conferentes de grau     56

 

Alunos

Alunos de licenciaturas        9589

Alunos de mestrados                        11.040

Alunos de doutoramento     2323

Alunos em cursos não conferentes de grau           434

Total   23.386

 

Mobilidade

Estudantes de Coimbra a estudar fora                  576

Estudantes estrangeiros em mobilidade                1693

Nacionalidades de estudantes                                 83

 

* Fonte: Universidade de Coimbra

Dados relativos ao ano académico 2014/2015