Vila da Taipa | A chegada dos portugueses

No início eram três ilhas, mas a Taipa Grande cedo se juntou à Montanha de Kun Iam. Para ficar ligada à Taipa Pequena foi preciso mais do que o natural assoreamento do rio. Três aterros, em 1915, 1936 e 1957, colaram para sempre o mapa da Taipa dos nossos dias, “o pequeno lago” dos chineses, a sua Tam Chai

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Texto Patrícia Lemos | Ilustração Rodrigo de Matos | Fotografia Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Quando os portugueses chegaram a Macau, em 1557, não assentaram logo arraiais nas Taipas. Apenas em 1847 nascia na Taipa Pequena (Siu Tam Chai) uma fortaleza para defender as populações e controlar o tráfego entre essa dependência e a ilha de Dom João.

Ainda que o reconhecimento da ocupação das ilhas só tivesse chegado em 1887 com a assinatura do primeiro tratado luso-chinês, os portugueses fincaram pé na Taipa Grande logo em 1851, um ano após um dos mais negros episódios da história da ilha: a explosão da Fragata D. Maria II. A tragédia ceifou mais de 200 vidas e, para que não bastasse, um incêndio varreria a Taipa quase três anos depois, devorando a maior parte das casas. Viviam-se dias difíceis mas os ilhéus uniram-se. Afinal, até já tinham pelo que lutar e contavam com a preciosa ajuda dos portugueses que queriam provar a necessidade da sua presença nas ilhas.

Nos meados do século XIX a Taipa já tinha comércio, várias centenas de casas, campos lavrados, uma fortaleza, seis templos, como o grande Pak Tai e o velhinho Tin Hau, e regras de administração local. O Concelho das Ilhas seria criado em 1869 para gerir os destinos da Taipa e Coloane, primeiro a partir da fortaleza. Em 1879, os serviços são transferidos para a vila, na Taipa Grande, no mesmo ano em que aí é levantado um quartel. Porém, a administração só passou a ser civil quando os portugueses se sentiram seguros quanto às dependências de Macau, o que sucederia em 1928, altura em que é extinto o Comando Militar. Assim é reactivado o Concelho das Ilhas que se instala naquela que é hoje a casa do Museu da História da Taipa e Coloane.

 

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Em 1874 um tufão deixava um rasto de destruição, causando mais de mil vítimas mortais. Era necessário reconstruir a vida da ilha e fortalecê-la nos anos vindouros. Construiu-se um cais na vila e um cemitério. Ergueu-se uma igreja no Largo do Carmo, ainda que fossem apenas 35 os portugueses a habitar a ilha em 1878, para mais de 3000 chineses. Criou-se uma escola chinesa para rapazes num templo e um pároco abriu as portas da sua casa ao ensino do português, em 1891. A semente linguística estava plantada, brotando mais tarde nas salas de aula da Escola Dom João Paulino e, em 1959, na Escola Primária Oficial João de Deus, que é hoje a imponente Escola Luso-Chinesa da Taipa.

O vitalidade urbanística da segunda metade do século XIX atraiu mais gente à Taipa, apesar do crescente problema do assoreamento dos ancoradouros. Em 1896 registava-se um aumento da população que vivia em barcos junto à vila. Afinal, o mar era a porta de entrada nas ilhas e o seu grande sustento. Mas os chineses também se ocupavam das hortas e dos campos de arrozais, da criação de gado e muitos trabalhavam nas pedreiras, na venda de sal ou na preparação do ópio. Os que não iam para a pesca ficavam a suar nos estaleiros, para lá da Rua do Regedor, ou na apanha de ostras no lodo das sedimentações do Rio das Pérolas, junto ao Largo Governador Tamagnini Barbosa. Ainda hoje se pode tomar pulso a essa indústria na centenária loja de Óleo de Ostra Kwong Heng Long.

 

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Em chinês…

Antes de ser Tam Chai (Pequeno Lago), a Taipa respondia pelo nome Long Wan, ou Arco do Dragão, como atestam as inscrições em alguns templos antigos da ilha. A actual designação tem origem no nome que os chineses de Macau davam à pequena ilha que viam da península. Para eles, a Taipa era só uma. Chamavam-lhe Sio Tam, sem saber que por detrás se escondia a Taipa Grande (Tai Tam). Em chinês é comum usar a palavra sio com o sufixo chai, em referência carinhosa a algo ou alguém precioso, como um filho. Por isso, não é de estranhar que o nome da Taipa evoluísse para Tam Chai.

 

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Em português…

São várias as teorias sobre a origem da palavra Taipa, que em nada se assemelha à designação chinesa Tam Chai, porém sem grande evidência histórica. Uma das mais consistentes aponta para uma evolução da pronunciação de 氹仔 no dialecto Min Nan (Fujian). Ou seja, de tiap-á terá evoluído para Taipa.

 

 

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Cine-teatro Taipa

Foi com o filme Happiness in the Hall que este cinema, com 760 lugares, abriu as portas em 1965. Mas os chineses da vila não ficaram contentes com a novidade, pois viram ser encerrado o seu “amado” barracão feito sala de cinema e de teatro da vila. O cine-teatro Taipa (海寶戲院) também não perdurou, fechando ao fim de dez anos de actividade. E o edifício nunca mais teve propósito à altura: já foi armazém de material construção e hoje parece estar abandonado.

 

Escola chinesa Chong Cheng

Este edifício chama a atenção não só pela sua cor rosada, mas também pela simplicidade da sua arquitectura. Em recuperação, esta casa albergou uma escola primária de nome Chong Cheng, com licença atribuída em 1939. Espreita o Largo de Camões e integra um conjunto de edifícios tradicionais chineses datados do final do século XIX e princípios do século XX.

 

Templo de Pak Tai

Com mais de 150 anos, este templo era inicialmente composto por três pavilhões, tendo um sido ocupado por uma fábrica de tecelagem e o outro arrendado a uma família. Restaurado em 1882 e em 1994, este santuário é um dos mais apreciados da Taipa, até porque é o único em Macau dedicado a Pak Tai, o Deus do Norte. Todos os anos é prestada homenagem a esta divindade, celebrando-se com um banquete, danças de leão e ópera chinesa.

 

Escola Luso-Chinesa da Taipa

Inaugurada em 1959, a Escola Primária Oficial João de Deus fechou em 1972 por falta de alunos. Cinco anos depois reabriu como Escola Luso-Chinesa da Taipa, numa altura em que o ensino de língua portuguesa entrava em segundo plano. Passou por duas grandes ampliações: uma no final da década de 1970, para responder ao aumento do número de alunos, e outra nos anos 1990. Em 2002 é criada a secção infantil. Junto a esta escola existe, desde 2005, uma das duas fontes Wallace de Macau. Esta obra desenhada por Charles-Auguste Lebourg é uma das imagens de marca de Paris.

 

Óleo de Ostra Kwong Heng Long

Quando o senhor Pong abriu este negócio há 120 anos, a loja só tinha lodo e mar pela frente. A apanha de ostras era uma das principais actividades desta zona. Muitas das ostreiras de Macau desapareceriam no final dos anos 1980, por causa dos aterros e da poluição, mas os Pong não fecharam as portas, antes mudando da venda de óleo de ostra para a pasta de camarão salgado. A loja ainda hoje serve os residentes e é uma das favoritas dos turistas.

 

Café Tai Lei Loi Kei

Popular por causa da sua versão da bifana portuguesa, o ju pa pao (豬扒包), este café foi criado em 1968 e, como os pastéis de nata da padaria Lord Stow, tem várias lojas na RAEM e até já cruzou a fronteira. Na Taipa saiu do ninho há uns anos, reabrindo a casa-mãe, em 2013, como restaurante junto ao Museu da História da Taipa e Coloane.

 

Câmara Municipal das Ilhas

Depois de alojar as Repartições Públicas, este edifício dos anos 20 recebeu a Câmara Municipal das Ilhas a partir de 1963, mais tarde passando a albergar a Câmara Municipal Provisória das Ilhas, desactivada em 2001. Em 1992 é classificado pelo seu valor arquitectónico e cultural e, em 2004, arrancam as morosas obras de restauro e de conversão para transformar aquela casa no Museu da História da Taipa e Coloane, que inauguraria em 2006.

 

Templo de Tin Hau

Construído antes de 1785, este santuário dedicado à Rainha do Céu ficava em frente ao mar. Acredita-se que a actual configuração resulte de uma reconstrução em 1838 com o dinheiro doado às famílias das vítimas duma caça aos piratas. Pouco iluminado, o templo era muito grande antigamente, incluindo três capelas. A partir de 1910, abre no salão lateral uma escola confucionista, encerrada nos anos 1980 por falta de alunos. Em 1991, na mesma ala, inaugura o restaurante Tam Chai Yu Chun.

 

Torre Prestamista Pou Shun

Construída por Chan Hang no início do século XX, esta casa de penhores está fechada desde os anos 1940. Com três pisos, o edifício foi recuperado de acordo com a estrutura e desenho originais.

 

Quartel da Taipa

Construído em 1876 para albergar um hospital, este imóvel acabou por se transformar num quartel em 1879. Nos anos 1920 é demolido o velho edifício, sendo depois erguido o que hoje conhecemos. A partir de 1961 ali se instala também o Centro de Recuperação Social. Esse mesmo espaço é ocupado, em 1982, pela Escola de Polícia que aí permanece até ao ano 2000. No mesmo edifício funcionou também a Messe das Forças de Segurança de Macau. Em 2004, o antigo quartel passou a integrar o maior acantonamento permanente do exército chinês em Macau, que foi ampliado em 2012.