Performance de Marco Godinho em Hong Kong deixa “à sua sorte” fragmentos de “Os Lusíadas”

O artista plástico Marco Godinho estreou-se esta semana na Art Central de Hong Kong com uma performance que inclui ler, rasgar e “deixar à sua própria sorte” páginas de “Os Lusíadas” e sete instalações sobre tempo e espaço.

A performance na Art Central Hong Kong – uma feira de arte contemporânea que abre ao público em geral na quarta-feira – intitula-se “Left to Their Own Fate” (“Deixadas à sua própria sorte”) e envolve a leitura – silenciosa – de passagens da obra épica de Luís Vaz de Camões.

Após ler uma página, Marco Godinho coloca-lhe um carimbo (com local e data e nome da performance) e rasga-a. Em seguida, oferece-a a quem passa pela feira ou ‘abandona-a’, num ‘acto’ que pretende “explorar a ligação do livro com o contexto”.

Cada página vai percorrer diferentes cidades, países ou continentes, pelo que devem “desenhar um mapa mental”, criando-se “uma constelação invisível com todas as folhas do livro que vão viajar à volta do mundo”, explicou à Lusa o artista.

Cada folha, como um fragmento, representa um pouco uma identidade que faz parte de um livro inteiro, e “vai à procura do seu próprio destino”, o que tem também muito a ver com “o mundo em que vivemos”, de alguém que procura uma vida melhor e emigra, por exemplo, ou simplesmente quer ir para além dos seus próprios limites, complementou Marco Godinho.

A esta performance subjazem outras reflexões, como a forma de presença (quando o livro está exposto na galeria, o artista está ausente) e também a fronteira entre o espaço individual e o coletivo (o artista lê no silêncio mas chama a atenção ao seu redor).

“É uma forma quase silenciosa, mas que chama a atenção. A partir de que momento é que começa uma comunicação?”, questiona Marco Godinho, que teve já o primeiro contacto com o público durante a pré-abertura da Art Central.

“Foi interessante porque quando ofereço páginas às pessoas isso permite directamente um diálogo. É interessante a conversa que surge”, realçou Marco Godinho, para quem o ‘feedback’ tem sido “muito positivo”. Não menos curiosidade desperta-lhe ver o que sucede quando deixa uma folha no chão ou em cima de uma mesa. “É interessante ver como passa quase despercebida ou o momento em que alguém vai tomar atenção”.

O artista, que vive entre o Luxemburgo e Paris, exibe ainda sete instalações num ‘stand’ da Sapar Contemporary, que o convidou a participar na Art Central Hong Kong 2016.

Marco Godinho divide o ‘stand’ com Anna Schuleit Haber, cujos trabalhos partilham, segundo a galeria de Nova Iorque, três obsessões-chave: linguagem, passagem do tempo e escala humana imediata.

“Os trabalhos basicamente têm uma ligação muito forte à ideia da subjectividade do tempo (…), também à de deslocação e às questões do território e à língua e linguagem”, explicou o artista, que exibe, por exemplo, um mural com um mapa-mundo com 60 fuso-horários – em vez dos 24 convencionais – ou um relógio quebrado a que faltam os fundamentais ponteiros, que coloca a questão sobre “os limites dos objectos que conhecemos”.

“É ou não um relógio por não ter ponteiros?”, questiona.

A Art Central Hong Kong 2016, que conta com uma selecção de mais de 100 galerias de 21 países, termina no próximo sábado, dia 26.