Chá | Uma nova filosofia

Justin Ng, especialista em chá, propõe um conceito moderno e ecológico para preservar esta tradição em Macau. A Tealosophy nasceu há quase dois anos

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Texto Catarina Domingues | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Foi com o objectivo de recuperar o ambiente das antigas casas de chá em Macau que Justin Ng abriu na Rua da Barca, em 2014, a Tealosophy Tea House. É um conceito inovador, mas que retém o lado espiritual da tradição. “Aqui, o chá representa uma filosofia: a tranquilidade”, diz Justin à MACAU. Este é mais do que um simples estabelecimento comercial: é um centro de diálogo, de meditação, de aprendizagem, e que oferece também demonstrações das cerimónias chinesa e japonesa do chá. Está aberto das três da tarde à meia-noite e meia. “É à noite que penso sobre a vida e, para isso, não tenho necessariamente de beber álcool.”

O interesse de Justin pelo chá nasceu por volta dos 18 anos, quando começou a ler mais sobre a bebida e a frequentar cursos promovidos pela Associação da Arte do Chá Chinês de Macau e pelo governo local. O chá como bebida não era o único interesse, mas acrescia uma necessidade de desenvolvimento pessoal e espiritual. “Foi assim que fiquei a saber mais sobre o Budismo, o Zen e o Taoismo”.

E foi por um mero acaso que uns anos mais tarde veio a conhecer uma mestre japonesa, com quem aprendeu a arte de servir esta bebida ao estilo do Japão.

 

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As cerimónias chinesa e japonesa são distintas, refere o especialista, admitindo que o percurso histórico influenciou o caminho que ambas acabaram por seguir. “Com as guerras, a China sofreu grandes mudanças e a cerimónia tornou-se mais flexível, variando também de região para região”. No Japão, explica Justin, manteve-se a forma tradicional de prova de chá, que chegou ao país através de monges chineses. “Está por isso ligada a um lado mais espiritual.”

O conceito misto da Tealosophy tem sido bem recebido pelo público e, por isso, ali perto, na zona dos Três Candeeiros, Justin Ng abriu recentemente um segundo espaço – o Tealosophy Tea Bar. Cá fora, à entrada, o nome do estabelecimento está ainda coberto por um plástico; lá dentro, Justin começa o dia atrás do balcão. Um casal de adolescentes entra e pede um chá de jasmim para levar. “Frio, por favor.”

A Macau faltavam os “canais certos” para aproximar o público ao mundo das infusões, diz quando os dois clientes abandonam o bar. “Mas vejo agora um maior interesse das pessoas, que se vão apercebendo que o acto de beber chá não é apenas aquilo que se vê nos restaurantes chineses.”

 

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Justin começa a preparar uma tisana de ameixa vermelha. “Aquece o corpo e adequa-se a este tempo frio.” Durante o processo, adiciona água por duas vezes – o primeiro contacto com as folhas é com água a 95 graus Celsius, mas da segunda vez a temperatura é mais baixa para que os clientes consigam pegar no copo de papel.

Tudo aqui é pensado ao milímetro – os copos, fechados com uma pequena tampa, não se enchem até ao topo para permitir que quem esteja de mota ou de carro não entorne o líquido. “O meu objectivo a longo prazo é ser o Starbucks do chá”, conta. E, para isso, o negócio conta com outras inovações: dentro do copo é colocado um coador onde permanecem as folhas. Por dez coadores devolvidos, o cliente tem direito a uma nova bebida. Justin sugere, além disso, a reutilização das folhas de chá secas – dentro do armário dos sapatos ou do frigorífico para absorver o mau cheiro ou num vaso para servir de fertilizante às plantas. “É um modelo de negócio sustentável”, nota.

Nesta aventura, existe ainda um calígrafo. É amigo de Justin e tem ajudado a personalizar os menus ou os copos com pequenos poemas. São sobretudo palavras de amor, ajustados, tal como o chá, às várias estações do ano. Hoje faz frio. Os clientes levam um pouco do Inverno também. “Não estamos aqui apenas para vender chá. Este é um conceito.”

 

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As antigas casas de chá

As primeiras casas de chá em Macau funcionavam em pequenas tendas estabelecidas em áreas movimentadas da cidade, como a Rua de Cinco de Outubro ou a Rua dos Ervanários. Foi apenas no século XIX que estes pequenos negócios familiares ganharam dimensão, convertendo-se nas tradicionais casas de chá. A criação destes locais veio acompanhar uma mudança na forma como a bebida era vista pela sociedade de Macau – já não se destinava apenas a matar a sede, mas era um pretexto para o convívio.

A Kan Sin foi a primeira casa a abrir as portas em 1863 em Macau, seguindo-se a Hang Fa, em 1890, e a Tak Sum, em 1913. Em 1953 foi inaugurada a Kun Nam no número 26 da Rua de Cinco de Outubro. Era um edifício de quatro andares: os dois primeiros pisos estavam equipados com grandes mesas redondas; no terceiro andar, os lugares eram menos confortáveis, mas mais baratos; e no topo estava o dormitório dos funcionários. Após 43 anos de atendimento ao público, a Kun Nam fechou as portas. Mais tarde, foram contratados 30 dos trabalhadores desta antiga casa para trabalhar no estabelecimento de comidas Kun Nam Hin, na Avenida Almeida Lacerda.

Hoje apenas o espaço Long Wa, aberto desde 1962 no primeiro andar de um edifício na Rua Norte do Mercado Vermelho, mantém-se no activo.

Tsang Chi Fai, presidente da Associação da Arte do Chá de Macau, frequentava estes locais. Fala agora de uma nova mudança de hábitos: “Macau era uma aldeia, as pessoas juntavam-se para conversar, mas agora o ritmo de vida não o permite fazer”, diz.

 

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