Guiné-Bissau: “Aqui é o futuro do mundo”

A Guiné-Bissau não deve contar apenas com apoio internacional, mas abrir as portas a investidores estrangeiros para reforçar a cooperação bilateral e criar mais emprego, defende Wang Hua, embaixador da China naquele país africano. Num momento em que se vive mais uma crise política em Bissau, o diplomata, em entrevista à MACAU, acredita que as mudanças "frequentes e muito rápidas" dos sucessivos governos têm afectado o ambiente de negócios. Não faltam recursos naturais ao país, mas é necessário saber convertê-los em verdadeira riqueza para o próprio povo, salienta o diplomata chinês.

 

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Texto Catarina Domingues

 

A China tem em mãos vários projectos na Guiné-Bissau. Diria que é cada vez mais forte a presença de Pequim em Bissau?

Os últimos projectos, até donativos de medicamentos, resultam de acordos assinados há algum tempo, ou seja, estamos a seguir um programa entre ambos os governos e vamos implementando esses apoios. As áreas prioritárias são três: saúde, agricultura e infra-estruturas. Na área da saúde, construímos dois hospitais na Guiné-Bissau, um deles em 2007/2008, em Canchungo, e o outro em 2012, em Bissau. Por isso, mantemos duas equipas médicas em duas cidades da Guiné-Bissau. A Guiné-Bissau é um dos países mais pobres e atrasados do mundo, não simplesmente em África. A saúde é uma área muito precária. A segunda área, como disse, é a agricultura. A Guiné-Bissau era um país exportador de arroz. Nos últimos anos, sobretudo depois da guerra civil, nos anos 1998, 1999, a agricultura foi muito destruída. Hoje é um país importador de arroz. E como sabe, a China é uma antiga civilização com cultura de arroz. Por isso, mantemos aqui uma equipa de peritos chineses na área da agricultura para formar e preparar os camponeses no uso da tecnologia na cultura de arroz. De acordo com as estatísticas, cada hectare só produz 1,8 tonelada de arroz e uma colheita na época das chuvas. Na China, na Província de Guangdong, ou outras províncias a sul, pode chegar a duas ou três colheitas de arroz por ano. Mas o rendimento de cada hectare na China tem de ultrapassar 10, 11 até 15 toneladas de arroz. E esta equipa de peritos chineses vem da Província de Hubei. Logicamente os peritos têm boas referências. Na área de produção dos peritos chineses produz-se ao ano numa só colheita nove toneladas de arroz. O mesmo sol, a mesma água, a mesma terra, o mesmo clima. Agora os camponeses guineenses, preparados pelos nossos peritos, podem produzir ao ano numa só colheita de um só hectare três ou quatro toneladas. Isso quer dizer que o aumento da produção já é muito evidente. Para este ano vamos alargar o nosso trabalho e apoio a outras regiões da Guiné-Bissau. E o próprio Presidente Mário Vaz já declarou 2016 como o ano do arroz. E, por fim, a área de infra-estruturas. A China construiu e financiou integralmente o novo Palácio da Justiça, em Bissau. A República da Guiné-Bissau já foi estabelecida há 42 anos, mas as dificuldades na área da economia e mudanças muito frequentes e muito rápidas na situação política fazem com que a economia não funcione bem e precise de apoio dos parceiros internacionais. Nessa área, a China tem sido um dos parceiros. Nos últimos anos, temos ajudado a Guiné-Bissau na construção, por exemplo, do Palácio da Justiça, de hospitais, de escolas. Em Janeiro, eu, em nome do Governo chinês, entreguei a chave do Palácio da Justiça ao Presidente Mário Vaz. Aí vai funcionar a Procuradoria-Geral da República, o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal de Contas e o Tribunal Superior Administrativo da Guiné-Bissau. Trata-se de um conjunto de quatro edifícios.

 

O Palácio da Justiça foi integralmente financiado pelo governo chinês. De que forma é que esta relação de cooperação entre Pequim e Bissau beneficia a China?

É um donativo, é um apoio gratuito, porque a Guiné-Bissau precisa de instalações, de edifícios para as suas instituições judiciais. Também porque as duas partes concordaram que tornar os dois países em Estados de Direito é uma tarefa importante. E, por isso, edifícios como o Palácio da Justiça permitirão aos juristas guineenses trabalhar com dignidade. Claro que o seu comportamento será também fiscalizado por todo o povo. Trata-se de boa vontade da parte chinesa, ajudando a Guiné-Bissau a dar dignidade às suas instituições jurídicas.

 

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E o que é que a Guiné-Bissau poderá oferecer à China?

Confiança mútua, isso é importante, uma cooperação mutuamente vantajosa para os nossos investidores e empresários. Não falta vontade política dos empresários chineses, mas existe uma preocupação perante a situação, que não é muito estável. E uma política mais favorável nas condições económicas, financeiras, e verdadeiro apoio do governo. Acho que com essa participação chinesa, há base para uma maior cooperação a nível empresarial, bilateral ou trilateral.

 

Quanto custaram os projectos nessas três áreas ao governo chinês?

O apoio da nossa parte não procura agradecimentos, não procura benefícios, porque como membro da comunidade internacional, a China deve cumprir os compromissos internacionais, sobretudo para com um país irmão como a Guiné-Bissau, que está a sofrer com a pobreza. Há que combater primeiramente a pobreza e depois implementar a cooperação bilateral, com a massiva participação de empresários e não simplesmente entre dois governos e por via de apoio gratuito. [Deve existir] uma maior cooperação empresarial, sobretudo ao nível do investimento privado para oferecer mais emprego aos nossos povos. Isso será o fundamental.

 

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Além destas áreas que mencionou que mais poderá a China fazer pelo desenvolvimento do país?

Recentemente, por iniciativa da Guiné-Bissau, da parte chinesa e do Fórum para a Cooperação [Económica e Comercial] entre a China e os Países de Língua Portuguesa, com sede em Macau, foi organizado um encontro empresarial entre a China e os países de língua portuguesa. Com tudo isso gostaríamos de deixar uma mensagem bem clara à Guiné-Bissau: que o desenvolvimento de um país não tem de contar simplesmente com o apoio governamental, com ofertas gratuitas de outros governos. O importante é a cooperação entre empresas, o mais importante é abrir as portas do país para convidar empresários estrangeiros, incluindo logicamente chineses e de Macau, de forma a oferecer mais emprego ao próprio povo e começar uma boa produção baseada nos materiais e recursos naturais que existem na Guiné-Bissau. Isso será mais importante do que qualquer apoio governamental.

 

Acredita que o apoio do governo é suficiente?

Claro que aqui falta tudo, qualquer apoio não é suficiente. Temos aqui províncias com pessoas a passar fome. Faltam médicos, falta assistência médica. Na China nos últimos 20, 30 anos, o governo organizou a abertura e a reforma para implementar o desenvolvimento. Esperamos também partilhar as nossas experiências com a Guiné-Bissau e esperamos que o país siga o seu próprio caminho de desenvolvimento.

 

Mencionou o Fórum Macau. Como vê o trabalho desenvolvido por este mecanismo?

O Fórum é muito importante. Na minha opinião, não é simplesmente um palco, uma plataforma ou um canal, mas um pouco de tudo. Para a Guiné-Bissau, por exemplo, o Fórum Macau é uma importante experiência e oportunidade de conhecer o mundo exterior. E Macau nesta área tem boas condições para continuar a desempenhar um papel importante para o desenvolvimento da Guiné-Bissau, isto é, na abertura, na reforma das suas políticas, na promoção e implementação de uma cooperação mutuamente vantajosa, porque à Guiné-Bissau não faltam recursos. Aqui tem tudo: terra, muito boa terra, mar, no subsolo existem minas. Só falta a experiência de como trabalhar, de como converter estes recursos naturais em verdadeira riqueza para o próprio povo.

 

Esta relação entre os países de língua portuguesa, Macau e Interior da China tem realmente funcionado?

Com certeza. Ainda estamos no começo, estamos a marcar um primeiro passo. Precisamos de intensificar o trabalho das três partes: do Governo Central da China, do Fórum Macau e da Guiné-Bissau. Claro que agora a Guiné-Bissau está a sofrer dificuldades mais severas. O governo foi demitido recentemente e é necessária uma unidade nacional, um consenso de todas as suas forças políticas vivas, reconstruir a unidade, a paz e estabilidade na Guiné-Bissau. É necessário um pouco mais de tempo.

 

Como é que a comunidade chinesa na Guiné-Bissau está a viver este momento de crise política?

A parte chinesa não participa nos problemas políticos locais. A comunidade chinesa não é numerosa. Até hoje, só existe um restaurante chinês. Eu digo várias vezes aos meus amigos chineses que um indicador das relações bilaterais é o número de chineses num país e o número de restaurantes chineses nesse país. Apesar de mantermos há muitos anos a cooperação, um entendimento e uma amizade, só existe um restaurante chinês. Isso quer dizer que ainda é necessário melhorar muito as condições para acolher investimento estrangeiro, para convidar comerciantes, investidores chineses para colocarem as suas empresas aqui em Bissau. O nosso caminho ainda é muito longo e é preciso muito esforço conjunto. Nesse mesmo processo, Macau pode desempenhar um papel predominante, porque Macau conhece bem o idioma, a língua portuguesa, a cultura, e pode desempenhar um papel fundamental para a cooperação entre a Guiné-Bissau e a China.

 

Diria então que a crise não tem afectado a comunidade?

Claro que afecta, porque para fazer qualquer negócio é necessária protecção, um ambiente social mais tranquilo, paz, estabilidade e uma política favorável do governo. Falta isso tudo neste momento. Estou cá a trabalhar há menos de três anos, já conheci quatro primeiros-ministros e vou conhecer o quinto. Isto o que é que quer dizer? Que a situação política ainda não é muito estável, a mudança das autoridades é muito rápida e isso não é bom para fazer negócio.

 

Mesmo o comércio entre a China e os países de língua portuguesa caiu cerca de 23 por cento nos três primeiros meses de 2016 face ao mesmo período do ano anterior. Isso sente-se na Guiné-Bissau?

Na Guiné-Bissau o comércio bilateral está a cair também. Isso é normal, a economia mundial permanece afectada pela crise. Toda a crise económica e financeira ainda não passou.

 

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Há pouco mencionou empresários de Macau. O cônsul honorário da Guiné-Bissau em Macau, John Lo, é um dos empresários da RAEM a investir no país em várias áreas.

Sim, esteve também neste primeiro encontro empresarial. Ele quer promover o comércio e a cooperação entre a Guiné-Bissau e Macau e toda a China. Está a trabalhar nessa área.

 

Na área do caju..

O caju é também uma das áreas a investir. É uma fonte muito importante que contribui para a riqueza da Guiné-Bissau. Tudo indica que, este ano, a Guiné-Bissau possa exportar 180 mil toneladas, o que vai ser um aumento em comparação com o ano passado.

 

Conhece outros empresários de Macau que estejam ligados à Guiné-Bissau?

Há poucos, muito poucos.

 

Em relação ao seu percurso profissional. Esteve ligado à América Latina…

Trabalhei muitos anos como diplomata na América Latina, como por exemplo no Brasil, na República do Peru, no México. Mas esta é a primeira vez que tenho a oportunidade de trabalhar num país africano.

 

E qual é o balanço que faz?

Aqui é o futuro do mundo. Aqui tem tudo. Aqui falta uma boa cooperação com o mundo exterior, seja entre a Guiné-Bissau e outros países africanos, seja entre a Guiné-Bissau e países europeus, ou seja entre a Guiné-Bissau e a China ou outros países asiáticos. Não faltam recursos naturais, falta uma boa cooperação. Para incrementar a cooperação, a Guiné-Bissau terá de construir primeiramente a estabilidade. Isso é importante.