Associação dos Macaenses faz 20 anos

Miguel de Senna Fernandes mostra-se orgulhoso com o percurso conseguido nos 20 anos de actividade da associação a que preside. Sublinha o carácter agregador da entidade, onde se juntam pessoas de diferentes áreas profissionais, sensibilidades políticas e confissões religiosas, unidas pela identidade macaense.

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Texto Nuno G. Pereira | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

“Uma associação de matriz portuguesa, sem fins lucrativos, nem políticos.” É assim que a Associação dos Macaenses (ADM) se apresenta, numa frase propositadamente vaga. Isto porque definir a identidade macaense foi uma discussão há 20 anos, quando a associação foi fundada, e continua a ser agora – nesta matéria está por encontrar o consenso. Luiz Pedruco foi o primeiro presidente da instituição, seguido de Arlete Dias (por um curto período) e Augusto Chan Lizardo. Desde 2006, Miguel de Senna Fernandes, advogado, é o presidente da ADM. Afirma que ser macaense é algo que vai muito além da ideia da naturalidade, “é alguém que tem Macau por referência e um sentido especial de portugalidade”. A questão é complexa, mas tem uma solução simples. Como diz um dos fundadores, o cardiologista Mário Évora [ver caixa], “o importante é sentir-se macaense”. E para todos os que se sentem macaenses, há um espaço pronto a recebê-los: a ADM. O seu presidente explica porquê, em entrevista a propósito do vigésimo aniversário.

 

O que está preparado para celebrar o 20º aniversário da ADM?

Antes de mais, queremos que a sede social seja reinaugurada o mais depressa possível. As obras têm dificultado muito o planeamento desta celebração, pois toda a logística está paralisada por causa disso. Ter a sede completamente renovada será a forma mais simples para comemorar um novo capítulo da ADM, após os 20 anos de existência. No dia 15 de Outubro, vamos organizar um jantar comemorativo do aniversário. Ainda não está definido o programa, mas seguramente será uma noite animada, como aliás é em todas as festas que a ADM tem organizado.

 

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Como é que a ADM defende a identidade cultural da sua comunidade numa região que vive em progresso acelerado quase permanente?

Desde 2011, a ADM organizou três colóquios sobre a identidade macaense, um tema inesgotável e de infindável actualidade. A finalidade foi mais promover o debate sobre uma questão sensível, para a qual não há respostas com acordo de todos. O debate veio a despertar mais interesse sobre a condição do macaense, no contexto sociopolítico actual de Macau. No último colóquio, submetido ao tema “Testemunho para o Futuro”, centrámo-nos nos mais jovens, e desafiámo-los com uma interrogação: como passar a herança para a geração seguinte? Foi um evento muito participado, com acesa troca de ideias. A lição que se colhe destas experiências é que a ADM deve ser firme na afirmação do macaense como um ser diferente, com cultura própria e identidade singular, sem complexos do passado, que vive no presente e está pronto para receber o futuro, apesar da diminuta dimensão da sua comunidade.

 

Como é que a ADM cativa os elementos mais novos a serem parte activa da sua acção, garantindo assim o rejuvenescimento da associação?

O rejuvenescimento da massa associativa tem sido uma constante busca da ADM. Não é tarefa fácil, uma vez que nem sempre as soluções associativas que se encontram para uns sócios são atractivas para os mais jovens. Não obstante, o esforço de envolver gerações mais novas nas nossas iniciativas tem merecido mais atenção por parte das mesmas, nestes últimos anos. Não existe uma fórmula para o efeito, todavia a abertura aos elementos mais novos na estrutura dos corpos gerentes, pondo em prática as suas ideias, tem dado muitos frutos.

 

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Que parcerias com outras entidades estão em curso?

Desde que comecei a dirigir a ADM em 2006, entendi que a associação não podia viver isolada e distante de outras organizações de matriz portuguesa. Actividades inter-associativas não só enriquecem os nossos projectos, como os das outras associações. No fundo, o associativismo não diz apenas respeito aos associados, mas também a relações inter-organizacionais.

 

Pode dar exemplos?

A primeira iniciativa nesse sentido foi que, em 2006, a ADM propôs a realização de um protocolo no sentido de reavivar a tradição da celebração do Dia de São João (ou se quisermos, o extinto Dia da Cidade, de que o Santo é padroeiro). O acordo foi firmado entre a ADM, a Casa de Portugal em Macau (CPM), a Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), o Instituto Internacional de Macau (IIM) e a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM). As partes signatárias comprometeram-se a envidar todos os esforços para a realização da festa, que hoje em dia se designa por Arraial de São João. E já foram 10 edições. Desde 2013, a ADM e a Confraria da Gastronomia Macaense têm organizado o Baile de Mascarados do Micareme, uma velha tradição da folia macaense, que praticamente caiu no esquecimento. A abertura da ADM para as parcerias inter-associativas é total.

 

Quais as principais actividades solidárias da ADM?

Houve uma altura em que a ADM se envolvia com muito vigor em actividades de solidariedade social. Organizavam-se visitas regulares a lares de idosos durante todo ano e principalmente nas épocas festivas como Natal, Páscoa e os dias que precedem à Festa Lunar. Participávamos na Marcha da Caridade que todos os anos a Caritas de Macau organiza. Também temos por hábito visitar os reclusos da comunidade no Estabelecimento Prisional de Coloane. O apoio solidário continua a ser uma vertente da associação, mas a boa vontade não é suficiente. Sem apoio financeiro, material e humano, não é possível levar a cabo o que de coração gostaríamos de realizar.

 

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As acções de solidariedade correm o risco de acabar?

A ADM, sem deixar de cumprir o seu fim caritativo, fez uma opção estratégica mais realista: limitar as actividades solidárias e afirmar-se como organização essencialmente cultural. Assim, as principais actividades anuais nessa área concentram-se em duas visitas ao Lar da Misericórdia, onde se encontram muitos idosos, duas visitas ao Estabelecimento Prisional, a angariação de brinquedos usados para doar a crianças que careçam de cuidados e a órfãos no Dia da Criança, que celebramos na nossa sede. E por ocasião do Natal, contamos sempre com elementos dos asilos e dos orfanatos na nossa festa de Natal, onde também angariamos fundos para fins caritativos.

 

O que o deixa mais orgulhoso quando olha para o trabalho de 20 anos da ADM?

Como todas as associações, a ADM passou por momentos altos e baixos. Continua a ser uma associação com poucos recursos, mas ao longo destes anos o tecido associativo mudou para melhor. Hoje temos sócios de todas as categorias profissionais, desde funcionários públicos aos do sector privado, médicos e engenheiros, advogados e professores, sacerdotes de confissões religiosas diferentes. A faixa etária diminuiu, com tendência para diminuir ainda mais. A nossa filosofia “uma casa para todos” afirmou-se definitivamente – vemos pessoas de quadrantes e de sensibilidade política diferentes a comungarem um espaço comum que é a nossa sede. Dependemos essencialmente do subsídio da Fundação Macau, como qualquer outra associação. E de mais ninguém. Não obstante continuamos de pé, crescemos, andamos com mais determinação e arrojo, com a aceitação cada vez mais ampla da comunidade. Isto, por mais humildes que devamos ser, é motivo de muito orgulho.

 

O que deseja para o futuro da associação?

Obviamente uma longa vida. Mas acima de tudo desejo que a ADM consiga acompanhar a evolução da comunidade macaense no futuro, pois, implicando isso capacidade, génio e ousadia na adaptação a novas realidades e novos desafios, só assim se assegura a sua razão de ser.

 

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Identidade ilimitada

A aproximação da transição da administração de Macau para a China, a concretizar-se em 1999, criou na comunidade macaense algum receio sobre o futuro, onde o que estava escrito no papel não sossegava as inúmeras incertezas sobre as quais todos falavam. Três amigos – Luiz Pedruco, José Monteiro Júnior e Mário Évora – resolveram passar da conversa aos actos e fundaram a Associação dos Macaenses (ADM) no dia 30 de Outubro de 1996. Mário Évora recorda esses tempos. “A ideia de criar a ADM nasceu por altura da transição. Teve como principal dinamizador o meu colega Luiz Pedruco, que me mobilizou assim como ao nosso colega José Monteiro Júnior, tudo colegas da mesma criação nos velhos bons tempos do Liceu Nacional Infante D. Henrique. Na altura ponderei sobre a necessidade de haver uma associação de macaenses em Macau. Era perceptível que a existência das Casas de Macau espalhadas na diáspora tinha o efeito de manter a comunidade e os seus valores bem vivos, mas longe da terra natal. Acabei por me convencer que o contexto da transição trouxe uma perspectiva nova, onde fazia sentido ter um pólo capaz de organizar actividades que mantivessem a identidade macaense bem viva e participativa no novo Macau que vinha aí. Tivemos várias reuniões tipo ‘partir pedra’ até que finalmente o processo avançou e deu passos tão sólidos que é possível estarmos agora a comemorar os 20 anos de existência.”

Mário, que é de ascendência cabo-verdiana e portuguesa, lembra-se que todo o processo de criação da ADM foi pacífico, com excepção de catalogar o que é ser macaense. Aí não houve acordo. “Um dos temas quentes foi a tentativa de definir o que é ser macaense ou quem é macaense. Para mim é um conceito bem definido na sua essência, mas com limites já não tão bem definidos. E se calhar sem necessidade de se definir muito intensamente. O mais importante é sentir-se macaense!”

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