Uma Faixa, Uma Rota “propõe uma nova dinâmica de globalização que irá mudar o mundo”

A nova Associação Amigos da Nova Rota da Seda, criada formalmente em Lisboa em Dezembro do ano passado, vai constituir um grupo de reflexão para identificar possibilidades de cooperação entre Portugal e a China dentro do contexto da iniciativa Uma Rota, Uma Faixa. Em entrevista à MACAU, Fernanda Ilhéu, investigadora e uma das mentoras deste projecto, que junta cerca de duas dezenas de pessoas de diferentes áreas de conhecimento e interesses profissionais, considera que a iniciativa chinesa "propõe uma nova dinâmica de globalização que irá mudar o mundo".

 

 

Texto Catarina Domingues

 

Como surgiu a ideia de criar a Associação Amigos da Nova Rota da Seda?

A ideia surgiu em dois momentos, no primeiro num contacto que tive com a Associação da Rota Marítima da Seda (Macau), que me lançou o desafio de avançar para uma associação semelhante em Portugal. No segundo momento, uns meses depois num jantar com Jitendra Tulcidas, Bao Hong e Luís Castro, falando sobre como desenvolver a cooperação com a China eu mencionei esta iniciativa e o Jitendra Tulcidas e a Bao Hong concordaram em avançar. E foi assim que divulgámos a ideia, foram realizadas várias conferências sobre a Nova Rota da Seda e a Rota da Seda Marítima do século XXI e conseguimos reunir 21 amigos para criar a associação.

 

Estas pessoas que integram a associação são de diferentes áreas de trabalho? Estão relacionadas com a China?

Sim, são de diferentes áreas de conhecimento e interesses profissionais e, sim, estão na sua larga maioria relacionadas com a China.

 

Qual o objectivo principal desta associação?

Divulgar a iniciativa OBOR (One Belt, One Road) da China e sobretudo constituir um think tank sobre as possibilidades de cooperação de Portugal com a China dentro do contexto desta iniciativa, que propõe uma nova dinâmica de globalização que irá mudar o mundo. Como nos séculos XV e XVI os portugueses o mudaram com a iniciativa que tiveram de ligar a Europa ao Extremo Oriente por via marítima, agora a China tem a iniciativa de ligar a China à Europa por via terrestre lançando seis corredores, que serão hubs de plataformas de desenvolvimento de redes de distribuição logística, infra-estruturas e parques industriais, e por via marítima que começa no Mar do Sul da China, indo depois para a Indochina, Sudeste Asiático, atravessando o Oceano Índico e abraçando a África e a Europa. No fundo estamos a falar de uma nova dinâmica de integração da cadeia de valor global. A China já referiu em vários fóruns pela voz de credenciados diplomatas e professores da Academia das Ciências Sociais de Pequim a importância de Portugal e Macau neste contexto, nomeadamente ligando esta iniciativa com outra iniciativa do governo chinês que é a ‘Cooperação em Mercados de Terceiros Países’, que pretende combinar a capacidade de produção da China com a tecnologia avançada e equipamentos de países desenvolvidos para em conjunto desenvolverem mercados nos países em desenvolvimento. Estamos por exemplo a falar da cooperação de Portugal e da China nos países de língua portuguesa, ou países de África, Ásia e América Latina. Mas a Iniciativa OBOR não tem apenas objectivos económicos. Ela é bastante mais abrangente. O documento Vision and Actions on Jointly Building Silk Road Economic Belt and 21st Century Maritime Silk Road refere como prioridades de cooperação a coordenação de políticas, a melhoria da conectividade, o aumento do comércio e investimento, a integração financeira e o aumento dos laços entre os povos. Neste último objectivo, dá como exemplo a promoção de trocas culturais e académicas (a China oferece dez mil bolsas a estudantes de países da rota todos os anos), a cooperação dos média, a cooperação entre organizações da juventude e mulheres, a promoção turística e semanas de TV, festivais de arte, filmes, serviços de voluntariado. Portanto, este think tank tem como objectivos identificar as áreas de cooperação entre Portugal e a China não só ao nível de projectos de desenvolvimento económico de interesse recíproco, mas também a cooperação com terceiros mercados e o desenvolvimento dos laços entre o povo português e chinês. É uma iniciativa da sociedade civil, cujo contributo será depois devidamente levado ao conhecimento dos governos português e chinês.

 

Que oportunidades específicas é que a iniciativa Uma Faixa, Uma Rota poderá trazer para Portugal em particular e para os países de língua portuguesa em geral?

A China é um parceiro estratégico de Portugal. Nos últimos anos, um dos países da Europa em que a China tem investido é Portugal, mas essa decisão de investimento em Portugal tem surgido sobretudo em resultado da visão da China do que serão em Portugal investimentos rentáveis em áreas estrategicamente relevantes para o país.

Até agora a China não criou valor em Portugal, esses investimentos não resultaram de uma visão conjunta de como desenvolver certas regiões ou indústrias em Portugal, de como trabalhar em conjunto na área da investigação científica ou diversificar a balança comercial entre Portugal e a China. Isto traria uma valorização dos produtos chineses com qualidade de acabamentos, marcas, embalagens e marketing para entrar no mercado europeu, ao mesmo tempo que se estariam a delinear estratégias de como aumentar a venda de produtos portugueses na China com entrada em redes chinesas de distribuição, de como adaptar os produtos portugueses ao gosto do consumidor chinês, ou como as empresas em Portugal com investimento chinês podem expandir a sua acção na China, no Sudeste Asiático ou nos países de língua portuguesa. Por exemplo, a Luz Saúde, que tem como principal accionista a Fosun, poderá expandir-se criando clínicas e hospitais em Cabo Verde, país com uma enorme carência [nessa área], ou investindo na China em residências seniores. Este exercício de reflexão poderá ser inspirador para os agentes, políticos, económicos, culturais. Os Amigos da Nova Rota da Seda não vão enquanto associação fazer negócios, mas podem dar um contributo importante na consciencialização de oportunidades. Este grupo é aberto e vamos ter com certeza mais associados em nome individual, mas esperamos ter também instituições desde empresas a outras instituições do mundo associativo.

 

Está à frente do núcleo China Logus, que dá apoio e consultoria a empresas e instituições de Portugal que se querem aproximar do mercado chinês. Como tem trabalhado este centro?

O ChinaLogus foi criado em 2009, quando deixei de ser secretária-geral da Câmara de Comércio Luso-Chinesa, cargo que exerci durante 11 anos em acumulação com a docência no Instituto Superior de Economia e Gestão(ISEG). Nessa altura propus ao Centro de Estudos de Gestão do ISEG criar um núcleo de divulgação do conhecimento e relacionamentos com a China, o ChinaLogus, que tem efectivamente trabalhado nesses objectivos. Temos estabelecido relacionamento na China com universidades, centros de investigação, consultoras privadas, empresas, organizamos seminários, cursos de língua e cultura chinesas na dinâmica de negócios, visitas de estudo à China em parceria com a Ordem dos Economistas. Além dos alunos de língua e cultura chinesas, mestrado, pós-graduações e MBA do ISEG e dos membros da Ordem dos Economistas, estas viagens são abertas a empresários, gestores que pretendem aumentar o seu conhecimento sobre o meio envolvente de negócios na China. Para além disso, realizamos trabalhos de consultoria ajudando as empresas portuguesas a definir a sua estratégia no mercado chinês.

 

 

E quantas instituições ou empresas têm apoiado?

Não tenho o número exacto mas temos ajudado muitas empresas, quer aquelas que encomendam trabalhos mais longos com quem estabelecemos um contrato, e esses trabalhos podem demorar meses, quer também as empresas que frequentam os cursos e as viagens que organizamos e que durante esse período solicitam o nosso apoio para a definição das suas estratégias.

 

Em que área de actividade estão envolvidas estas empresas e instituições?

Várias áreas, como produtos alimentares, cortiça, parques industriais, mercado imobiliário, relacionamentos Angola-China, investimentos.

 

Na sua opinião, quais são as maiores dificuldades dos empresários portugueses que querem entrar do mercado chinês?

Falta de competitividade no mercado, não por falta de tecnologia ou qualidade dos produtos mas por falta de conhecimento do mesmo, falta de notoriedade de marca, dificuldade de entrada nas redes de distribuição, pouco ou deficiente investimento em comunicação e marketing, escolha de parceiros feita oportunisticamente e não selectivamente com due diligences elaboradas por profissionais competentes na China, e falta de aconselhamento jurídico e cultural durante as negociações.

 

Acredita que Macau tem condições para servir como plataforma entre Portugal e a China ou que é cada vez mais fácil estabelecer um contacto directo entre os dois países?

Sim, é cada vez mais fácil estabelecer contactos directos entre Portugal e a China. Macau pode ser uma boa ajuda para entrar no Delta do Rio das Pérolas, mas para outras regiões da China pode não fazer sentido ir por Macau. Mas tudo depende das conexões. Para saber utilizar Macau como plataforma temos que saber muito bem quem é quem e em que locais da China essa pessoa ou empresa de Macau nos pode ajudar. A ideia de que chego a Macau, deixo umas amostras e alguém vai fazer o trabalho de marketing da empresa portuguesa para entrar no mercado chinês não me parece que tenha grandes frutos. Aliás, a nossa presença empresarial na China não é muito relevante e, portanto, temos de usar outra aproximação, temos de usar as estratégias que se devem utilizar em todos os mercados e que passam por um bom conhecimento dos consumidores, das redes de distribuição, da concorrência, da forma de comunicação apropriada. Depois temos que segmentar o mercado, escolher o mercado alvo e definir a estratégia de oferta, que pode ser, por exemplo, diferente em Macau, em Cantão, em Pequim ou em Chengdu.

 

 

 

*****

BREVES DA LUSOFONIA

 

China e São Tomé e Príncipe reactivam laços diplomáticos

A China voltou a ter laços diplomáticos com São Tomé e Príncipe, depois de o país ter cortado relações diplomáticas com Taiwan. Foi em Pequim que representantes dos dois países assinaram documentos numa cerimónia junto às duas bandeiras nacionais. No dia 20 de Dezembro do ano passado, o governo são-tomense anunciou o corte de relações diplomáticas com Taipé após reunião do Conselho de Ministros, indicando que a decisão assenta no reconhecimento do princípio da existência de uma só China. Num comunicado, o governo referiu a “conjuntura internacional actual e da sua perspectiva de evolução e tendo em conta a agenda de transformação do país e os objectivos de desenvolvimento do milénio” como um dos motivos da ruptura com Taiwan. O Governo chinês considerou “natural” a decisão. O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (Fórum Macau) já veio dizer que tem uma “atitude aberta” quanto à entrada de São Tomé e Príncipe no organismo. “Caso a parte santomense apresente o pedido, o Secretariado Permanente está disposto em submetê-lo aos países participantes do Fórum para efeitos de discussão”, apontou o Gabinete de Apoio ao Secretariado Permanente do Fórum.

 

Empresa chinesa inicia construção de porto de pesca e hotel na Guiné-Bissau

A empresa chinesa Fujian Shiahai vai começar em Março a construção do porto de pesca e de um hotel em Prabis, no norte da Guiné-Bissau. Fodé Djassi, representante local da empresa, disse que falta apenas a aprovação dos pedidos de autorização apresentados às autoridades da Guiné-Bissau. O presidente da empresa chinesa, Yan Macky, justificou a escolha da Guiné-Bissau para a realização deste investimento “com o acolhimento caloroso que recebeu no país.” As obras de construção do porto de pesca e do hotel, cujos custos ainda não foram divulgados, irão empregar, pelo menos, 3000 pessoas, entre técnicos chineses e trabalhadores guineenses.

 

Macau promove produtos alimentares dos PLP no Interior da China

O Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) participou na Feira de Promoção e Exposição da Indústria e Comércio entre Guangdong, Hong Kong e Macau 2016, que decorreu entre 23 de Dezembro e 8 de Janeiro em Cantão. O Pavilhão de Macau, com 36 metros quadrados, tinha como objectivo divulgar o papel da RAEM como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Ao todo foram apresentados 17 produtos dos países de língua portuguesa, incluindo vinhos, enlatados e azeites. Durante a inauguração, a presidente substituta do IPIM, Irene Lau, salientou que a cooperação entre Guangdong, Hong Kong e Macau no sector das convenções e exposições tem-se intensificado e que os três territórios têm colaborado de modo a cultivar marcas de convenções e exposições de qualidade, integrando os recursos vantajosos e cooperando para realizar convenções e exposições conjuntamente no estrangeiro.

 

Petrobras recebe financiamento do Banco de Desenvolvimento da China

A Petrobras assinou um contrato de financiamento no valor de 5000 milhões de dólares norte-americanos válido por dez anos com o Banco de Desenvolvimento da China. O acordo foi assinado pelos presidentes das duas empresas Aldemire Bendine e Zheng Zhijie. Numa nota divulgada aos investidores, a Petrobras refere que o financiamento resulta do termo de compromisso celebrado entre as duas partes no início de 2016. A empresa brasileira assinou, além disso, outro acordo comercial com a China National United Oil Corporation, a China Zhenhua Oil e a Chemchina Petrochemical para fornecer, durante dez anos, 100 mil barris de petróleo por dia “atendidas as condições de mercado”.

 

Câmara de Comércio Angola-China quer reforçar relações com províncias chinesas

A Câmara de Comércio Angola-China (CAC), criada este ano, anunciou que já estão em curso diligências para criar delegações da CAC em todas as províncias da China. Quem o disse foi Arnaldo Calado, presidente do organismo durante a cerimónia de tomada de posse dos 18 delegados provinciais da câmara. O responsável acredita ser importante estabelecer parcerias entre empresários angolanos e chineses, aproveitando os fundos concedidos pelo governo chinês para apoiar o desenvolvimento económico de Luanda. “Vamos ajudar os empresários das províncias a apresentarem projectos de desenvolvimento que possam receber apoio financeiro da China”, referiu. Na ocasião, a CAC prometeu acelerar a execução de projectos identificados nas 18 províncias angolanas, referindo que 60 por cento destes projectos estão ligados a investimentos no sector da agricultura.

 

Brasil aumenta exportações de carnes para a China

As exportações de carne de frango do Brasil para a China nos primeiros 11 meses de 2016 aumentaram 63 por cento, quando comparadas com o mesmo período de 2015, de acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal. Segundo dados desta associação, a China importou 451 mil toneladas de carne de frango e é já o segundo maior importador, depois da Arábia Saudita. As exportações de carne de frango para Hong Kong até Novembro de 2016 cresceram seis por cento e atingiram 228 mil toneladas. Previsões apontam que as exportações globais de carne de frango do Brasil em 2016 sejam de cerca de 4,39 milhões de toneladas. Já no que diz respeito às exportações de carne suína, o Brasil enviou para a China entre Janeiro e Novembro 82,1 mil toneladas, representando uma subida de 1952 por cento, ao passo que as exportações para Hong Kong atingiram 152,8 mil toneladas, mais 39 por cento.

 

Dongguan com novo centro de apoio para empresários brasileiros e chineses

A Câmara de Comércio Brasil-China vai abrir já este ano em Dongguan, na Província de Guangdong, um edifício onde vão funcionar serviços destinados a apoiar as relações comerciais e económicas entre os dois países. Em Dongguan, com uma população de cerca de oito milhões de habitantes, vive uma grande comunidade brasileira, ligada sobretudo à indústria do calçado e dos cabedais. O complexo envolve um investimento de 200 milhões de dólares norte-americanos, vai estar situado numa área de 35 hectares e possui 75 mil metros quadrados de construção. O centro vai reunir serviços de assessoria jurídica internacional e alfandegária, fornecedores de produtos e soluções logísticas e escritórios de representação de empresas brasileiras e chinesas. A primeira fase do projecto, onde deverão ficar instaladas 200 empresas, foi já inaugurada e contou com a presença de representantes dos governos estaduais de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, São Paulo, do Ministério do Turismo do Brasil, da cidade de Campinas e responsáveis governamentais chineses.