Dia do Buda (佛誕節) e de Tam Kung (譚公)

Uma das mais significativas datas do calendário budista, assinala o nascimento de Buda (ou seja, de Sakyamuni que incarnou como Príncipe Sidharta, fundador do Budismo). As comemoração do Dia do Buda têm lugar no oitavo dia da 4.ª Lua, que corresponde este ano ao dia 3 de Maio do calendário Gregoriano. Entre as diversas cerimónias que têm lugar nos templos budistas, a mais participada pelos devotos, e pela curiosidade do público em geral, é a do Banho do Buda.

 

 

Texto Fernando Sales Lopes | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

 

Banho do Buda (浴佛節)

O Banho de Buda é uma cerimónia que se realiza em todos os templos budistas de Macau – nomeadamente no Templo de Pou Tai Un, na Taipa, onde se encontra a maior imagem de Buda de Macau – e, mais recentemente, num local público, normalmente no Largo do Senado ou na Praça do Tap Seac), com a presença do Chefe do Executivo.

Os monges, regra geral, utilizam no ritual do Banho do Buda, no dia do seu aniversário, uma imagem de Buda recém-nascido, em posição de pé com um dedo apontando o céu e outro a terra Neste dia coincidem ainda, na RAEM, as festividades do Dragão Embriagado (醉龍節), com início no templo de Kuan Tai (como já referido na edição 49 da MACAU), e a de Tam Kung (譚公), em Coloane.

 

 

Tam Kung, Deus dos Mares

Segundo a lenda, Tam Kung terá nascido em Hui Lung, na Província de Guangdong, durante a Dinastia Yuan. Com 12 anos, os seus poderes sobrenaturais para comandar os ventos e as águas – dos mares, rios ou dos céus –, e para curar doenças eram bem conhecidos.

Criado pela avó, já que era órfão de pai, o pequeno Tam Kung bem cedo começou a demonstrar os seus dons e qualidades. Dizem as lendas que tinha a faculdade de controlar o tempo e de curar as doenças. Exibia os seus poderes de forma simples, como criança que era. Consta que para fazer chover lhe bastava lançar ao ar um punhado de pevides e que, erguendo as mãos aos céus, por maior que fosse a tempestade ela se acalmava.

 

 

Inúmeras lendas sustentam o estatuto de divindade de Tam Kung. Uma outra conta que a criança costumava pastar as vacas da sua avó num planalto conhecido por ser habitat de muitos tigres. Uma tarde não voltou da sua actividade e o povo preparou uma batida para o encontrar. Com espanto de todos encontraram o menino a brincar alegremente com os tigres que lhe obedeciam a todas as ordens. Por isso, no templo que lhe é dedicado a pintura do tigre está bem visível.

Foram esses poderes especiais para comandar os elementos que o transformaram numa divindade popular entre os homens do mar. Tam Kung pertence ao grupo de divindades que regem os mares e os rios. A Tam Kung são também atribuídos poderes proféticos que passa aos seus devotos através dos sonhos.

 

 

Sendo os seus poderes conhecidos ainda em criança, tornando-se, então um imortal, é com essas características físicas que é representado nos templos. Uma imagem jovem, de face limpa, com uma cabaia colorida muitas vezes decoradas com elementos de yin e yang.

Mas se estes poderes lhe deram lugar de divindade, os feitos levados a cabo em Coloane deram-lhe estatuto de divindade com influência na vida dos locais. Ora o que se conta é que um dia a mãe de Tam kung teve um sonho onde tudo brilhava. Ao acordar lembrou-se que sonhara com uma mesa redonda e sete bancos, tudo em ouro num determinado sítio da ilha de Coloane. Ao acordar foi a correr ao local, mas nada encontro, ficando muito triste e perturbada. Ora o filho ao saber disto mandou construir uma mesa com sete bancos mas… em pedra. Depois levou a mãe ao local mostrando-lhe que ela tinha razão, que tinha visto a mesa e os sete bancos, mas não eram de ouro mas sim de pedra. A sua mãe acalmou, então, o desespero. E lá está no templo de Tam Kung de Coloane a mesa com os sete bancos.

 

 

Culto de Tam Kung e a Festa em Coloane

Tam Kung é uma divindade local muito popular na região do Rio das Pérolas e seus afluentes, venerada essencialmente pelos Hakka, festejada anualmente pelos homens do mar. Por isso, os grandes festejos que têm lugar em Coloane desde o templo com o seu nome, abrangendo toda a zona envolvente, até ao Largo Ramalho Eanes, têm como protagonistas as gentes do mar locais, mas também de colónias piscatórias do Delta.

 

 

Em sua homenagem realizam-se em Coloane espectáculos de ópera num pavilhão que para o efeito é montado no largo fronteiriço ao templo (Largo Tam Kung Miu); desfiles etnográficos, tendo como motivo a vida das gentes ligadas ao mar; parada com representação de ranchos folclóricos de matriz portuguesa, mas também majorettes, ou grupos de dança jazz, ou de outro estilo, bandas juvenis ou outras, mostrando a participação multicultural e multiétnica nas festas da divindade.

Esta mistura entre a tradição e a modernidade deve-se ao facto da existência de empresas sediadas nas ilhas e que se integram na comunidade apoiando os festejos de variados modos. Espectáculo único é a dança de um dragão-humano formado por crianças que, aos ombros dos mais velhos, representam as partes do corpo, as suas escamas e a cabeça.

 

 

O templo dedicado a Tam Kung

Edificado em 1862, o templo de Tam Kung (譚公廟), em Coloane (dedicado a esta única divindade), localiza-se no topo da Avenida de 5 de Outubro, frente ao mar. Possui três câmaras horizontais, com dois pavilhões de cada um dos lados. A entrada do templo é guardada por dois leões de pedra. O templo é gerido pela Associação de Beneficência Quatro Pagodes. No seu interior, encontra-se o célebre barco-dragão construído a partir de um osso de baleia, com cabeça e cauda de dragão oferecido por pescadores. Na parede ao lado esquerdo da entrada encontra-se a pintura de um tigre assinalando o que descreve uma das lendas, que acrescenta ser hábito da divindade sair sempre acompanhado por um tigre.

Actividade sempre esperada nas festas de aniversário das divindades são os espectáculos de ópera, e para tal se monta enorme pavilhão no largo fronteiriço ao templo.

 

 

A procissão: Tam kung visita outras divindades

Depois da purificação pelos pivetes, panchões da dança do leão, Tam Kung sai em procissão do seu templo andando pelas ruas de Coloane, abençoando a vila e visitando os palácios das outras divindades, nomeadamente Tin Hau, a deusa dos mares, Kan Fa, a Flor Dourada que divide com Kun Iam e Va Kuong o pequeno templo de Sam Seng. Tam Kung, que vai num andor-cadeira, regressará ao seu templo acompanhado das outras divindades que se fazem representar em pequenas estátuas que ficarão no pavilhão multifunções, onde terão lugar as diversas actividades, estando presentes e a elas assistindo.

Do pavilhão, no final de uma ópera, sairão para sacrificar em honra da divindade alguns artistas que despem um personagem, assumindo outro. Da ópera para o templo. Oficiando como bonzos taoistas, em deambulações significantes, venera-se, pede-se protecção para todos. Para os homens do mar principalmente. Enaltecem-se as virtudes do deus-menino. Do grande Tam Kung o Deus dos mares dos ventos.

 

 

Na antiga vila de Coloane, os festeiros divertem-se assistindo às diversas actividades, passeando a beira de água olhando lugares que trazem ainda à memória o que foram as grandes actividades económicas. Para além da agricultura, foi o mar o seu grande suporte, quer na construção naval, quer na pesca e no comércio de peixe fresco ou seco. A vista já não perscruta o horizonte acima da Ilha da Montanha. São altas as construções. Os aguchões (as redes de abater) já não descansam encostadas às árvores do pagode, as filas não são para comprar peixe seco, mas sim pastéis de nata de feitio luso e sabor sino-britânico apelidados de egg tarts.

Contudo a tradição continua: é a festa da comunidade piscatória, da população de Macau que não perde a alegria, e dos turistas que sabendo do evento marcam todos os anos presença.