A luta do guerrilheiro-poeta continua

Vinte e quatro anos de luta no mato forjaram o carácter de Xanana Gusmão, que aposta agora num novo combate, a batalha pelo desenvolvimento

 

 

Nascido José Alexandre Gusmão em 20 de Junho de 1946, em Laleia, no distrito de Manatuto, a História conhece-o como Kay Rala Xanana Gusmão ou, mais simplesmente, como Xanana. O mundo vê nele o “Nelson Mandela asiático”, o homem que soube inverter o rumo dos acontecimentos durante a luta pela independência, guiando a mais jovem nação do século XXI. O combate que agora abraça e que pretende travar noutras trincheiras, para além da Presidência da República, é o do desenvolvimento.
Os poucos tempos livres que tem passa-os com os três filhos, frutos do seu segundo casamento, em Julho de 2000, com a australiana Kirsty Sword-Gusmão. “O acordo que ‘firmei’ com a mãe é que ela toma conta deles de segunda-feira a sábado e, aos domingos, levo-os à praia e passeio com eles”. Quanto a leituras, as que não versam assuntos de Estado ou de natureza política, são reservadas para as viagens que efectua. Contudo, lamenta: “o que tento ler de ficção, nos aviões, fica sempre a meio, pois acabo inevitavelmente a dormir”.
No Palácio das Cinzas, nome que identifica o espaço reservado à Presidência da República, no bairro de Caicoli, em Díli, Xanana Gusmão tem a agenda diária totalmente preenchida. Não há delegação ou individualidade que não visite Timor-Leste e não procure ser recebida pelo chefe de Estado, que tenta ainda arranjar tempo para receber todos quantos lhe desejam apresentar uma ou outra queixa, fazer mais um pedido.

“Tempos de lazer?
O que é isso”

Quando se lhe pergunta de que forma ocupa os tempos de lazer, Xanana pára, olha o interlocutor e devolve a pergunta: “Tempo de lazer? O que é isso? Gostaria de perceber o que é isso”. Quando chega a casa, a cerca de 21 quilómetros da capital, em Laulara, Xanana reconhece que está tão cheio de problemas que procura dar toda a atenção que pode aos filhos: Alexandre (6 anos de idade), Kay Olok (3) e Daniel (1).
Desportista na juventude – ocupou a posição de guarda-redes na Académica de Timor -, Xanana Gusmão lamenta também não ter mais tempo para praticar desporto. Confessa-se benfiquista e acompanha com todo o interesse a época desportiva da equipa em que pontuou, na década de 60 e 70, Eusébio da Silva Ferreira.
Desde 1975 que está no centro dos acontecimentos que dizem respeito a Timor-Leste. Antes, em Abril de 1974, iniciou uma carreira de jornalista, tendo ingressado nos quadros do único jornal então existente no território, a “Voz de Timor”. Aderiu à FRETILIN nesse mesmo ano e mais tarde tornou-se vice-secretário do Departamento de Informação do partido. A invasão indonésia apanha-o em Maliana, perto da fronteira, e nos anos seguintes, com a progressiva decapitação da liderança partidária, sendo um dos poucos sobreviventes, Xanana Gusmão chama a si a reorganização da resistência.
Capturado em Novembro de 1992, julgado e condenado à pena de prisão perpétua, posteriormente comutada em 20 anos de cadeia, Xanana Gusmão revela-se um homem de excepção. Tendo aparentemente cedido a pressões indonésias, logra inverter o rumo dos acontecimentos e denuncia o carácter genocida da invasão e da ocupação.
Finalmente, a 7 de Setembro de 1999, na sequência de enormes pressões internacionais, Xanana Gusmão sai da prisão. Símbolo da luta pela liberdade, também pinta e escreve poesia, cultivando um talento já reconhecido em 1975, quando os acontecimentos o obrigaram a suspender a carreira jornalística.