Uma lança em Harbin

Os arquitectos Carlota Bruni e Rui Leão ganharam o concurso internacional para a concepção do Teatro-Ópera de Harbin. A obra, que deve estar concluída em 2010, inclui também um centro cultural, um museu de arte e um hotel de cinco estrelas

O ano de 2005 foi de excelência para Carlota Bruni e Rui Leão. “Nascemos ambos no ano do Galo e tudo correu bem no ano passado”, diz com um sorriso nos lábios a arquitecta italiana. Além de terem ganho, com a praça Nam Van, desenhada em parceria com o mestre Manuel Vicente, a medalha de Ouro da Arcasia (concurso que abrange projectos na categoria de Edifícios Públicos na Ásia), venceram ainda o concurso internacional para o novo Teatro-Ópera de Harbin e viram chegar ao fim a recuperação do Quartel dos Mouros, o primeiro edifício incluído na lista de Património Mundial da Unesco a ser recuperado na RAEM.
A dupla de arquitectos de Macau mostra-se muito satisfeita com a entrada no competitivo mercado chinês. “Todos os grandes arquitectos europeus estão a trabalhar na China, designadamente em Xangai e Pequim”, sublinha Rui Leão. É que, explica, “há hoje o desejo de que a arquitectura desempenhe uma função visual, política e social. Os clientes, privados e públicos, estão apostados em criar ou modernizar as cidades de um país que se vai afirmando como uma grande potência mundial. O objectivo não é o de fazer coisas fechadas, dar uma imagem de si própria, mas sim o de uma China aberta ao mundo, que procura absorver tudo o que tem valor”.
Recorrendo aos melhores profissionais do planeta, “os chineses pedem-lhes para fazer o melhor que sabem e dar sempre mais um passo em frente em relação ao que até aí tinham feito. Os programas são diferentes e diversificados. Ao contrário do que se passa na Europa, onde os programas são mais conservadores, na China vive-se a possibilidade de a arquitectura mudar o mundo. Há uma espécie de laboratório, uma razão para reinventar a arquitectura e a sua linguagem”, sustenta Rui Leão.
O primeiro passo para a entrada no mercado chinês deu-se quando foram convidados a fazer a tematização de um condomínio fechado numa cidade próxima de Cantão. “Por norma, não fazemos estas coisas, mas como havia espaço e as peças podiam ser concebidas em tamanho natural, decidimos aceitar o desafio”, lembra Carlota Bruni. Os arquitectos reconhecem que, em projectos desta natureza, geralmente “há perda de escala, de contexto, de detalhe, de matéria”. Mas em Cantão a situação foi diferente, pois “era possível manter a escala, pelo que tínhamos alguma coisa a copiar, a reproduzir. Quando reduzimos a escala estamos apenas a reproduzir brinquedos”, adverte Rui Leão.
A opção foi então a de fazer não um parque temático mas um projecto pedagógico, que permitisse a quem nunca tinha visitado Portugal ter hipótese de, “ficar a conhecer um pouco daquele país”, através da reprodução de algumas das suas obras mais emblemáticas.

Reinventar a cidade

Esse estudo prévio teve grande visibilidade na China, pois esteve em exposição durante vários meses, o que, mais tarde, levou os responsáveis de Harbin a convidarem Carlota Bruni e Rui Leão a participarem num concurso internacional com o objectivo de criar uma nova imagem daquela cidade chinesa. “O programa prevê a construção de um teatro-ópera, um centro cultural, um museu de arte e um hotel de cinco estrelas. O local é fantástico, pois trata-se de uma frente comprida junto ao rio. O objectivo é o de construir uma nova cidade a partir desse local, à semelhança do que sucedeu com Lisboa, onde a cidade foi edificada a partir do rio”, esclarece Rui Leão.
Os responsáveis do município de Harbin pretendem reinventar a cidade a partir do zero. Querem criar um ex-libris, uma imagem dessa nova cidade. O que, à partida, é uma proposta muito interessante, já que dá azo a grande criatividade”, comenta Carlota Bruni.
Dada a proximidade geográfica e cultural com a Rússia, Harbin está muito directamente ligada a esse país, o que justifica, por exemplo, que o teatro-ópera tenha características que fogem à estética tardicional chinesa. “O desenho urbano do centro histórico não tem nada a ver com a China antiga, antes fazendo lembrar cidades nórdicas, como Helsínquia”, nota Rui Leão.
Depois de vários meses de estudo, os arquitectos de Macau desenharam um teatro-ópera que funciona como uma espécie de objecto com uma dinâmica própria e um movimento ensimesmado. O resto dos edifícios pretendem ser uma continuidade do rio, dando a ideia de uma paisagem. A relação fachada/telhado/chão está completamente subvertida, pois não se percebe onde acaba a fachada e começa o telhado.
O contrato com os responsáveis de Harbin foi assinado em Janeiro e o projecto está agora em fase de elaboração do estudo prévio. As obras devem começar em 2008, prevendo-se que o complexo entre em funcionamento em 2010. Carlota Bruni e Rui Leão reconhecem que se trata de um passo muito importante, tendo em vista a internacionalização e a penetração num mercado tão competitivo e exigente como é o chinês. Do ponto de vista económico, dizem, ainda “não é muito compensador”, mas em termos de realização profissional e de internacionalização do seu trabalho “não há hoje melhor mercado”, sublinham.

O melhor da Ásia

A praça Nam Van, em frente à Torre de Macau, desenhada por Manuel Vicente, Rui Leão e Carlota Bruni, ganhou no ano passado o Prémio da Arcasia (Conselho Regional dos Arquitectos da Ásia). O prémio, atribuído ex-aequo ao monumento aos mortos da bomba atómica de Nagasaki, da autoria do arquitecto Akiru Kuryu, é o resultado de um concurso aberto que se dirigiu a projectos construídos há mais de dois anos na categoria de edifícios públicos. Os premiados foram seleccionados a partir de propostas apresentadas por arquitectos dos 19 países membros da associação.
O Prémio da Arcasia é o reconhecimento internacional por uma obra que pretende dar mais vida a uma zona de grande expansão, junto à antiga Baía da Praia Grande, hoje um dos novos ex-libris da Região Administrativa Especial de Macau.
“O projecto estabelece uma sequência de relações entre o espaço urbano e a água. A margem do lago é desenhada através de uma variedade de tipologias-tipo: parque, passeio, cais, terraços”, escrevem os autores na memória descritiva do projecto. A calçada à portuguesa, que se estende pelo chão da praça, “é um entrelaçado visual que se altera constantemente com o movimento do corpo. A sobreposição destas intenções cria uma relação simbiótica entre o desenho escultural das peças e os utilizadores”.
Os visitantes e turistas podem passar da praça para a margem do lago, através de dois viadutos rodoviários, desfruntando depois da aproximação ao rio. A ampla praça está preparada para receber concertos e acolher eventos de grande dimensão, como os espectáculos de fim-de-ano e os festivais de gastronomia, já tradicionais no calendário lúdico da cidade.