Aprender a negociar na China

Jovens e profissionais são a melhor esperança para aprofundar as relações económicas entre Portugal e China

 

Os vinte e cinco jovens quadros portugueses que estão a realizar um estágio de nove meses em Xangai e em Pequim são a promessa de um novo impulso nas relações económicas entre Portugal e a China. Ao abrigo do programa Inov Contacto – Estágios Internacionais de Jovens Quadros, já com dez anos de vida, estes quadros com diferentes passados, currículos e formações juntam-se agora na capital chinesa para uma experiência de vida semelhante.
O objectivo, explica Vera Sousa Macedo, coordenadora do programa, é criar uma “escola de quadros capazes de acrescentar valor nas empresas portuguesas presentes na economia mundial”.
Vera Sousa Macedo destaca mesmo a capacidade de “gestão entre culturas” como uma das mais-valias do programa para a economia portuguesa.
“A experiência no estrangeiro ao longo de cerca de nove meses dará ao jovens uma visão da economia global que, ao serviço das empresas portuguesas, vai contribuir decisivamente para a sua internacionalização”, acrescenta.
Em relação à China, considera a responsável, “o contraste com uma cultura bastante diferente da ocidental permite um crescimento pessoal e faz desenvolver uma atitude positiva, com um aumento da auto-estima que será fulcral no desenvolvimento profissional dos jovens”.
O sucesso dos anteriores programas reflecte-se no número crescente de candidaturas, que torna o processo de selecção cada vez mais competitivo. O ano de 2007 teve mais de dois mil candidatos, mas só 198 foram escolhidos.

Advogado

 

Nuno Mendes: O meu objectivo é regressar munido de conhecimentos sobre os mecanismos do mercado chinês
Entre Pequim e Xangai, entre jornalistas e gestores, engenheiros e licenciados em turismo e gestão hoteleira, entre advogados e enólogos, aqui fica o caso de seis estagiários do INOV Contacto, em Pequim há quase quatro meses.
Nuno Mendes, 28 anos, apostou forte nesta vinda para a China. Para trás, em Vila Nova de Gaia, fica a mulher, com quem havia casado três meses antes da partida, uma casa por pagar, um emprego na Portugal Telecom, o estágio de advocacia, a vice-presidência da Juventude Social Democrata do Porto, um cargo na direcção nacional do Corpo Nacional de Escutas (o escutismo católico português), e uma pós-graduação em gestão.
Ainda assim, Nuno Mendes acha que o risco vale a pena, que a participação no programa poderá ser “a tal oportunidade que todos procuramos nas nossas vidas”. Em especial para mudar a carreira, um pouco mais para longe do Direito, mais para perto da Gestão.
A estagiar numa consultora que apoia empresas estrangeiras a implantar-se no mercado chinês, o advogado acredita que o que está a aprender na China poderá ter retorno para a economia portuguesa.
“Regressar munido de conhecimentos sobre os mecanismos do mercado chinês obtidos in loco poderá ser uma ferramenta para aquela que já deveria ser uma estratégia perfeitamente instalada na mentalidade das empresas portuguesas: uma abordagem mais agressiva a este mercado, que será, dentro de pouco tempo, o principal mercado do mundo”, afirma.
Nuno Mendes acredita que, também pessoalmente, não volta a ser o mesmo.
“Trabalhar no estrangeiro, sobretudo num país como a China, constitui a melhor das oportunidades para alargar a nossa visão do mundo e relativizar preconceitos. Pode ser difícil, mas é uma aprendizagem que marca de forma indelével aqueles que a ela são sujeitos.”

Economista

 

Alexandra Paulino: Aprendi que os valores são importantes e que os compromissos devem ser respeitados.
Com um mestrado em Economia, em que estudou as transformações económicas internacionais, para Alexandra Paulino, 27 anos, a vinda para a China não podia ter calhado melhor. Em poucos locais do mundo essas transformações serão tão evidentes quanto na capital chinesa.
“A China é perita em termos de tecnologias, uma das suas rampas de lançamento da economia neste momento.
O Investimento Directo Estrangeiro é fortíssimo e nota-se a presença das multinacionais por onde se passa. Nota-se também que realmente existe uma grande disparidade de rendimentos entre a população urbana e rural”, nota Alexandra Paulino, que diz que o que mais lhe chamou a atenção nestes quase quatro meses de China foi a cultura empresarial.
“Os chineses e os portugueses têm diferentes formas de trabalhar e de resolver os problemas. São culturas diferentes, sem dúvida, com ritmos também muito distintos. Aprendi que os valores são importantes e que os compromissos devem ser respeitados. A pontualidade em contexto de trabalho é uma das coisas que mais me impressionou positivamente”, comenta.
Acabou por ficar a “jogar em casa”, a estagiar no ICEP, a agência que gere o Inov Contacto. Quanto a planos futuros, sabe bem o que gostaria de fazer. “Trabalhar na área do Comércio Internacional, numa multinacional ou numa empresa portuguesa que se queira internacionalizar ou que já esteja neste processo seria ouro sobre azul”, acrescenta.

Gestor

 

Ao inscrever-se no Inov Contacto, Davi Loução, 25 anos, com uma licenciatura em Getão, queria deixar Portugal e valorizar o corrículo com uma experiência de trabalho internacional,mas apontava para mais perto de casa. “A minha opção passava por ficar pela Europa, mais a norte”, lembra. “Quando soube para onde vinha, fiquei apenas a pensar na palavra ‘China’, num choque inicial que durou alguns minutos. Depois foi o conciliar de emoções, entre o entusiasmo, pois é uma boa oportunidade de estar no centro do mundo e de conhecer a Ásia, e a apreensão, pois isso englobava uma mudança de planos pessoais e profissionais”, sublinha David Loução, que deixou para trás o emprego em Portimão, onde morava, pela experiência da China.
O estágio na Câmara de Comércio da União Europeia em Pequim, que representa os interesses das empresas europeias na China, já lhe permitiu tirar conclusões – positivas e negativas – sobre o mercado chinês.
“As empresas atravessam grandes dificuldades, do processo de selecção do parceiro chinês e da forma de implementar a empresa ao planeamento, do processo de decisão e ao nível operacional, onde as restrições legais são imensas. Mas nem tudo é mau, pois a oportunidade de negócio é bastante atractiva, em virtude da dimensão do mercado e das possibilidades de deslocalização de produção, com a consequente redução de custos”, considera.
O ambiente internacional que se vive em Pequim é outro dos atractivos da cidade para David Loução, que já faz mesmo umas peladinhas com uma equipa internacional de futebol. “É uma experiência que abre os horizontes. Ao trabalhar com pessoas de várias nacionalidades, aprendem-se novos métodos de trabalho, novas ideias, que proporcionam um melhor desempenho profissional”, conclui.

 

Engenheiros

 

Cláudia Raimundo: estou na China, que tem vindo a ser um dos principais centros de atenção do resto do mundo.
SÓ há uma coisa que a Cláudia Raimundo, engenheira do Ambiente, 28 anos, ainda lhe custa fazer: é ir ao supermercado. “Sou franca. Aquilo é uma mistura de feira, com mercado e hipermercado, mas torna -se extenuante devido à confusão”. Quanto ao resto, depois do mestrado na Alemanha e de uma experiência anterior de trabalho no estrangeiro, a adaptação foi rápida.
Cláudia Raimundo, que se despediu do emprego que tinha em Portugal, acredita que a aposta e o risco valeram a pena, e que a experiência profissional a que teve acesso na China vai dar frutos no futuro.
“Por um lado, porque estou na China, uma economia em desenvolvimento, com um crescimento bastante acentuado, que tem vindo a ser um dos principais centros de atenção do resto do mundo. Por outro lado, a minha área de estágio é no sector das Energias Renováveis, com um papel cada vez mais importante ao nível mundial”, diz.
A estagiar numa empresa inglesa de consultoria de energias renováveis e ambiente, gere projectos de energias limpas e eficiência energética na China, um sector que considera cheio de oportunidades.
Nunca pensou que poderia vir parar à China, mas, agora, “adora” a vida em Pequim. Para além, é claro, das idas ao supermercado.
O percurso de Cláudia Raimundo é diferente da do outro engenheiro do grupo, Gonçalo Mataloto. Com 25 anos, fresco da universidade, mal acabou o curso de Engenharia Electrotécnica e de Computadores, viu-se a estagiar em Pequim na Tekever, uma empresa portuguesa de tecnologias da informação presente no mercado chinês.

Gonçalo Mataloto sabia o que queria ao Acabar o curso –  dar os primeiros passos na vida profissional no estrangeiro e numa empresa com nome: no mercado.
Ao saber que tinha sido escolhido para a China, sentiu que era naquele momento que o futuro estava a começar.
“Fui abalado pela primeira vez por dúvidas. Se isto era de facto o que eu pretendia para mim e se teria sido a melhor escolha. Mas não me arrependo.
Continuo a achar que foi a escolha Certa”, afiança. “Para já, planeio ficar a trabalhar fora de Portugal por mais um ou dois anos. Na China, em determinados aspectos, a forma de abordar questões é completamente distinta daquela a que estava habituado.
Isso provoca um estímulo bastante forte para quebrar vícios de racioncínio e procurar ter uma perspectiva das coisas menos limitativa”, Gonçalo Mataloto acredita ainda que o trabalho que faz agora na China alguma vez há-de trazer benefícios em Portugal, graças à experiência internacional que ganham os participantes do Inov Contacto.
“Ao reintegrar o mercado profissional português, podemos contribuir de forma positiva com a experiência e os conhecimentos diferenciados que obtivemos no decorrer dos nossos estágios”, afirma.

Fotógrafa

 

Susana Soares:
O mundo dos negócios chinês tem maior abertura mental e não é tão adverso ao risco

Susana Soares de Sousa, que fotografou os retratos dos colegas para a revista Macau, vê Pequim pelos ângulos da máquina fotográfica. “É mística, é uma cidade com uma cultura riquíssima”, garante.
Com 25 anos, tem, para além de um curso de fotografia, uma licenciatura em Turismo. Faz estágio no grupo hoteleiro FIo (proprietário, entre outros, de um dos melhores e mais caros restaurantes de Pequim) e lembra-se que, ao se inscrever para o Inov Contacto, a preferência era África e a China “o último lugar para onde pensava ir”. Não se arrependeu, antes pelo contrário.
“Estar a trabalhar com pessoas de diferentes nacionalidades, lidar com diferentes culturas diariamente é bom para um amadurecimento profissional,”assegura. “A cultura empresarial é totalmente diferente da de Portugal e tive de adaptar a minha maneira de pensar e de agir à cultura chinesa. Aprendi a ser mais paciente no dia-a-dia profissional e a ter uma visão globalizada do mundo dos negócios”.
“O mundo dos negócios chinês tem maior abertura mental e não é tão adverso ao risco quanto o mundo dos negócios europeu. A China aproveita todas as oportunidades que surgem para crescer economicamente”, sustenta.
A jovem de Viseu tem esperança de ficar em Pequim depois do final do estágio, apesar de se lembrar que, à chegada, sentiu um enorme choque cultural. “Era a barreira linguística, a cidade, os hábitos de higiene”.
Agora não tem dúvidas de que só ganhou com a experiência.
“Acabou por ser a oportunidade para testar a minha capacidade de adaptação, tornando-se numa mais-valia”, argumenta, máquina fotográfica na mão.

 

 Uma experiência piloto

 

A inauguração foi feita com pompa e circunstância no dia 6 de Setembro de 2006 e tratava-se de uma experiência nova. A primeira representação diplomática portuguesa no mundo criada sobretudo a pensar na diplomacia económica.
Mais do que funcionar com objectivos de representação política ou de apoio à comunidade, o Consulado-Geral de Portugal e a delegação do ICEP Portugal – Instituto das Empresas para os Mercados Externos têm sobretudo como objectivo facilitar as parcerias e negócios entre as empresas portuguesas e chinesas.
“Esta é uma experiência piloto de diplomacia económica de raiz, uma vez que o Consulado de Portugal em Xangai e a delegação do ICEP são um projecto comum, quer em termos de espaço quer de recursos”, afirma João Maria Cabral, cônsul-geral de Portugal em Xangai.
Quase um ano depois, a existência do Consulado-Geral em Xangai e a respectiva delegação do ICEP foram essenciais para o sucesso do INOV Contactos – Estágios Internacionais de Jovens Quadros, segundo a coordenadora do programa, Vera Sousa Macedo.
Este ano, Xangai recebe 16 estagiários, um número que deverá aumentar no futuro, uma vez que a cidade, segundo declarações de responsáveis do ICEP, é um dos destinos estratégicos para a internacionalização das empresas portuguesas.
Desde logo, “a existência destas estruturas permitiu a difusão do programa e a existência de um elevado número de candidaturas a estágios para esta cidade”, diz Vera Sousa Macedo. Por outro lado, “a existência de estruturas portuguesas, quer ao nível diplomático, quer ao nível económico e que em dois anos apoiaram já 33 estagiários é obviamente muito importante para garantir o suporte e o acompanhamento sempre necessários neste tipo de deslocações internacionais”.
A 23 de Maio de 2005, Portugal e a China assinaram o acordo de abertura do Consulado-Geral de Xangai. Do papel para a realidade, o Consulado passou a ocupar o 16° andar de um edifício de escritórios a poucos metros da Nanjing Lu, a rua principal da metrópole chinesa.
Segundo disse António Braga, secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, durante a inauguração, o papel da representação portuguesa é “ambicioso” e não se fica só pela cooperação económica coma China.
Nas suas palavras, o Consulado terá como função “assinalar as parcerias entre Portugal e a China em domínios estratégicos não só na Europa como em África e na América Latina, atendendo ao relacionamento especial de Portugal com essas duas regiões”.