Crédito à cooperação

O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa foi lançado há quatro anos. Das ideias passou-se aos factos e o sector financeiro disponibiliza-se para viabilizar intenções e projectos

Crédito à cooperação

 

Além da vertente comercial, a relação entre a China e os Países de Língua Portuguesa tem sido também desenvolvida através dos investimentos e acordos feitos por intermédio do sector financeiro. O Banco Seng Heng, a Geocapital e o Eximbank, além do Banco da China, são os actores principais nesta dinâmica.
A principal função do sector financeiro é colocar os capitais onde não existem mediante uma necessidade do mercado. É isso que tem estado a acontecer no relacionamento sino-lusófono, especialmente desde 2003, ano em que foi criado o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (FCECCPLP).
Em muitos casos, a expansão dos laços comerciais e de investimento – as duas faces visíveis das relações económicas – só é possível através do impulso dado pelo sector financeiro. Para o economista Albano Martins, há mais de duas décadas a trabalhar em Macau, ‘0 sistema financeiro funciona como um intermediário, ou seja, canaliza os capitais para locais onde não existem verbas para financiar o comércio ou o investimento. E isso acontece sobretudo através de linhas de crédito”.

O exemplo do Eximbank

 

Um exemplo desta dinâmica é a linha de crédito no valor de dois mil milhões de dólares norte-americanos que, em Março de 2004, o Banco de Exportação e Importação da China (Eximbank) disponibilizou para os investimentos de empresas estatais chinesas em Angola. O empréstimo destina-se a financiar companhias da China continental que invistam em Angola em projectos de construção e recuperação de infra-estruturas, como estradas, pontes, caminhos-de-ferro. Faz também parte do caderno de encargos das empresas chinesas a construção de escolas e hospitais, entre outros empreendimentos, no âmbito do Programa de Investimentos Públicos. Em contrapartida, Angola salda a dívida através do envio de barris de petróleo à China, país que tem vindo a aumentar a necessidade de recorrer a fontes energéticas externas. Em Junho de 2006, aquando da visitado primeiro-ministro WenJiabao a Angola, o Governo de Luanda e o Eximbank assinaram um Memorando de Entendimento para a concessão de um crédito adicional num valor provavelmente superior à linha de crédito anteriormente concedida. Este novo crédito visa o desenvolvimento de infra-estruturas de grande dimensão como a construção do novo Aeroporto Internacional de Luanda e a reabilitação dos caminhosde- ferro de Luanda, Benguela e Namibe e das principais estradas de Angola.

As ambições da Geocapital

 

Além do impulso dado pelo Eximbank, um banco estatal da China continental, algumas entidades financeiras de Macau também estão atentas às oportunidades de negócio com os países lusófonos. É o caso da Geocapital, consórcio formado em 2005, que nasceu da parceria entre os empresários de Macau Stanley Ho e o português Jorge Ferro Ribeiro. Poucos meses depois do seu nascimento, a Geocapital anunciou o seu primeiro grande investimento. Em Dezembro de 2005, a Geocapital assinou, em Macau, um acordo com duas empresas moçambicanas, a Sogir – Sociedade de Gestão Integrada de Recursos – e a Mozzacapital. As três entidades firmaram um entendimento com vista à criação da Zambcorp, uma companhia destinada a explorar as potencialidades de desenvolvimento do Vale do Rio Zambeze, uma zona com recursos minerais abundantes.
O entendimento indica uma acção “concertada no aproveitamento económico de recursos naturais, nos domínios da energia hidroeléctrica e térmica, do carvão, gás, da agro-indústria, do transporte ferroviário, portos, minerais ferrosos e não ferrosos, imobiliário e turismo”.
Estando encontrada a necessidade do mercado e identificadas algumas das potencialidades, a Geocapital está a preparar a criação de um banco de investimento, juntamente com um parceiro local, com o objectivo de financiar os projectos de exploração dos recursos naturais. Mas as actividades da Geocapital não se cingem a Moçambique.
Em Angola está a ser estudada uma parceria com uma entidade local também para lançar um novo banco. Na GuinéBissau, além de ter adquirido a posição do Montepio Geral e da Caixa Geral de Depósitos no Banco Africano Ocidental, a Geocapital está a efectuar estudos de prospecção com vista à exploração de biocombustíveis. No Brasil, a Geocapital, Setembro, 2007 associada à Tap – Air Portugal, comprou a VEM, a empresa de engenharia e manutenção da companhia aérea brasileira.

A aposta do Banco Seng Seng

 

Neste processo, o Banco Seng Heng é a instituição bancária de Macau que tem acompanhado mais de perto e que tem investido mais no fortalecimento das relações entre a China e os Países Lusófonos. O Banco Seng Heng, que pertence ao grupo de Stanley Ho, pretende diversificar as suas actividades através de uma aposta nos negócios com as nações lusófonas. Em declarações à revista rnR[RU, Patrick Huen, director executivo do Banco Seng Heng, refere que “à medida que a China procura no exterior, incluindo em países de língua portuguesa, mais recursos naturais e energéticos, existe um grande potencial para o sector financeiro canalizar fundos para empreendimentos relacionados com a exploração de recursos e a construção de infra-estruturas”.
No futuro próximo, o Banco Seng Heng está apostado em estabelecer em Macau um FIT Center, ou seja um centro de serviços financeiros e de tecnologias da informação. “O nosso objectivo é criar uma plataforma em que os empresários de Macau e da China, particularmente do Delta do Rio das Pérolas, possam ter acesso a informação e contactos com agentes económicos dos países de língua portuguesa”, explica Patrick Huen.

Um outro passo foi dado em 2005 através de um acordo com o banco português Caixa Geral de Depósitos.Com o objectivo de exploração conjunta das oportunidades de negocIo na China Patrick Huen salienta que “ao combinar a escala internacional da CGD com as ligações locais do Seng Heng, a parceria visa explorar o sector da banca de investimento direccionada para o mercado chinês”. Simultaneamente, o Banco Seng Heng abriu um escritório em Lisboa, com o objectivo de abrir as portas do primeiro banco chinês em Portugal.

A ligação Banco da China – BFA – BPI

 

Um outro acordo que liga Macau, Portugal e Angola foi assinado em Setembro de 2006. O Banco da Chinasucursal de Macau, o Banco de Fomento de Angola (BFA) e o Banco Português de Investimento (BPI) firmaram um protocolo de cooperação para abertura de uma linha de crédito no valor de 100 milhões de dólares norte-americanos para apoiar as exportações da China para Angola. Na mesma ocasião, o BFA e o Banco da China (Macau) assinaram um outro acordo que facilita as transferências de verbas dos imigrantes chineses que estão a trabalhar em Angola.
Quatro anos depois da criação do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, o sector financeiro de Macau olha com cada vez mais interesse para esta dinâmica económica.
No entendimento de Albano Martins, as oportunidades estão subaproveitadas.
“Seria interessante se em Macau houvesse uma linha de crédito destinada não só à exportação de mercadorias, mas também de serviços de empresas da RAEM para os países de língua portuguesa”, considera o economista.

 

Grandes avanços desde 2003

 

A Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos (ACIML), fundada em 2003, em Macau, tem vindo a colher os frutos do ambiente criado desde a constituição do fórum. O presidente da associação, Eduardo Ambrósio, revela que os negócios intermediados pela ACIML, associação que sucedeu à Associação Comercial Internacional dos Empresários Lusófonos (ACIEL), criada em 2001, duplicaram nos últimos quatro anos. “O Fórum é essencialmente um local de cooperação intergovernamental, ou seja, cria o ambiente propício para que os privados possam beneficiar”, diz.
Na abordagem à dinâmica comercial sino-lusófona, Eduardo Ambrósio distingue os negócios que são feitos directamente a partir da China, que envolvem na maioria grandes empresas estatais ligadas à exploração de recursos energéticos e à construção de infra-estruturas, das operações de pequenas e médias empresas de importação e exportação de bens. É nesse campo que actua a ACIML, disponibilizando informação sobre o mercado chinês e dos países de língua portuguesa e ajudando a encontrar o parceiro ideal.

“Desde 2003 tem havido grandes avanços quer nas trocas comerciais quer no interesse de empresários de Macau e da China pelo mercado lusófono”, garante.
Nos últimos dois anos, os agentes económicos ligados àACIML têm vindo a prestar ainda mais atenção aos países africanos de língua portuguesa.
A venda de medicamentos da China para Angola Cabo Verde, e Moçambique tem aumentado. Para o mercado angolano, tem sido cada vez mais significativa a exportação de vestuário, calçado e, mais recentemente, motorizadas.
No caso de Moçambique, o presidente da ACI M L destaca a importação de madeira, algodão e caju. No caso da Guiné-Bissau, “há interesse em aumentar a importação de caju, mas os custos com o transporte são mais elevados”.
De Timor-Leste algumas companhias de Macau têm importado café, que passa pelo processo de torrefacção e embalagem na RAEM, de forma a beneficiar da isenção de imposto no âmbito do CEPA – Acordo de Estreitamento das Relações Económicas e Comerciais entre o Continente Chinês e Macau.
Com Portugal têm aumentado a importação de azeite, vinho e medicamentos, mas “a subida do valor do euro face à pataca nos últimos três anos tem criado dificuldades. De qualquer modo, apesar desse factor, a compra de vinho a Portugal tem crescido”. Ao nível da exportação para o mercado português, tem aumentado a venda de motorizadas e aparelhos de ar condicionado fabricados na província de Guangdong.

 

Macau “é uma montra”

Seis anos depois de ter assumido a liderança em Macau do ICEP portugal – Instituto para as Empresas para os Mercados Externos -Manuel Geraldes faz um balanço claramente positivo das relações económicas e comerciais entre Portugal, Macau e a China

 

Desde 2003, altura em que foi criado o Fórum para Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, que os laços foram reforçados. Tudo se deve, afirma Manuel Geraldes, a uma conjugação de esforços e interesses dos governos e dos agentes privados da China Continental, da Região Administrativa Especial de Macau e de Portugal.
Na hora da despedida como delegado do ICEP, entidade que entretanto deu lugar à Agência para o Investimento, Comércio e Exportações de Portugal (AICEP), Manuel Geraldes começa por garantir que “a presença portuguesa atravessa uma fase de grande crescimento nesta zona do mundo”. Não só o comércio entre Portugal e China quase duplicou nos últimos três anos, como o número de delegações empresariais que visitam Macau e a China tem vindo a aumentar.
Prova disso é o facto de estarem previstas 50 empresas lusas na edição deste ano da Feira Internacional de Macau (MIF).

A importância do Fórum

 

Reconhecendo que ainda há muito por fazer, Manuel Geraldes realça que a mentalidade de vários agentes económicos portugueses face à China e a Macau está a mudar. “Hoje em dia as empresas começam a perceber que o mercado chinês não é apenas produtor de bens, mas cada vez mais também consumidor”. O envolvimento crescente da China na globalização económica faz com que as exigências de consumo dos cidadãos chineses aumentem, o que cria “vários nichos de mercado que podem ser aproveitados”. Além dos aspectos da conjuntura económica internacional, existe um outro factor que é considerado como essencial: o Fórum paraa Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. O Fórum criou uma agenda e um ambiente propício para multiplicar as oportunidades de negócio, “especialmente para as pequenas e médias empresas”, assinala. Do ponto de vista português, sendo o Fórum uma iniciativa do Governo Central, “Portugal tem todas as vantagens em ter uma papel muito activo neste processo”. Além de ter uma presença histórica em Macau, Portugal “tem ligações economlcas privilegiadas com os países africanos de língua portuguesa, que podem ser úteis para o estabelecimento de parcerias com empresas chinesas”.
Nesta dinâmica,”é fundamental assegurar uma forte presença institucional e empresarial de Portugal na RAEM”.

É em Macau que existe um maior conhecimento e sensibilidade para os produtos portugueses. Além de ser uma porta de entrada para o continente chinês, a RAEM é sobretudo “uma montra”.
Manuel Geraldes explica que é na região administrativa especial que podem ser colocadas as mercadorias portuguesas, fruto do fluxo elevado de turistas oriundos da China continental. Para o ex-delegado do ICEP, é importante perceber o papel não só de Macau, mas de toda a região do Delta do Rio das Pérolas, uma vez que 65 por cento das exportações de Portugal para o mercado chinês entram através do Sul da China. O sector agro-alimentar é uma das bandeiras de Portugal na exportação de bens para a China. “Temos vinho e azeite com qualidade ao nível dos melhores do mundo”, salienta. E qualidade é cada vez mais uma palavra de ordem na estratégia de exportação para o mercado chinês, dado que “o mercado de consumo da China está cada vez mais exigente”. Outros produtos como o calçado, maquinaria ou os têxteis-lar encontram boa receptividade na China, onde “‘existe cada vez mais conhecimento das empresas e produtos portugueses”.
Mas, independentemente disso, “o que os compradores procuram é a melhor equação entre a qualidade e o preço”.
No que diz respeito ao investimento, ainda há muito caminho a percorrer. As vias estão abertas sobretudo às Pequenas e Médias .í: Empresas (PME), que desempenham “um papel cada vez mais importante na globalização, especialmente no processo iniciado pelo Fórum”. Nos últimos anos têm vindo a implantar-se na China e, em Macau, PME portuguesas ligadas às novas tecnologias, fogo-de-artifício, de materiais de decoração, consultoria ou na torrefacção de café.

Grande optimismo para o futuro

 

Questionado sobre o que está na origem deste reforço das relações económicas e comerciais, Manuel Geraldes destaca o grande apoio prestado pelo Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM), pelo Gabinete de Apoio ao Secretariado Permanente do Fórum e o papel desempenhado por Stanley Ho e Ambrose So, empresários que têm estado muito activos nos negócios entre a China, Macau e os países lusófonos.
Residente em Macau desde 1988, Manuel Geraldes, que antes de ter chefiado o ICEP na RAEM desempenhou cargos de responsabilidade na área da segurança na fase final da administração portuguesa de Macau, olha para o futuro com muito optimismo. “Portugal olha para esta zona do mundo como uma prioridade e isso tem sido posto em prática. Prova disso foi a recente abertura de uma delegação da AICEP em Xangai”, sublinha. O comércio, prevê, “tenderá a crescer substancialmente, especialmente depois da criação do Centro de Distribuição de Produtos Portugueses na China”, uma entidade criada através da parceria entre o ICEP, a Associação Industrial de Portugal, a Escom (Grupo Espírito Santo e o Banco Efisa) juntamente com a Nam Kwong, empresa estatal chinesa que será a responsável pela gestão do centro.