Wang Zhigen, amigo da Lusofonia

  No seu (e de Ruy Guerra) histórico e politicamente datado “Fado Tropical”, de 1972-73, Chico Buarque de Hollanda transpunha geografias e fazia o brasileiro Rio Amazonas atravessar o português Trás-os-Montes e “numa pororoca”, desaguar no Tejo. Mais de 30 anos depois, a mesma universalidade volta a fazer sentido, se bem que num contexto radicalmente […]

 

No seu (e de Ruy Guerra) histórico e politicamente datado “Fado Tropical”, de 1972-73, Chico Buarque de Hollanda transpunha geografias e fazia o brasileiro Rio Amazonas atravessar o português Trás-os-Montes e “numa pororoca”, desaguar no Tejo.

Mais de 30 anos depois, a mesma universalidade volta a fazer sentido, se bem que num contexto radicalmente diferente.

Em 2003, a República Popular da China lançou o chamado Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, uma plataforma que visa promover a cooperação em domínios como o comércio, o investimento, a agricultura, as pescas, as infra-estruturas e os recursos naturais.

Em meados de Outubro do mesmo ano, ministros de Angola, Brasil, Cabo Verde, China, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste realizaram uma reunião em Macau, durante a qual aprovaram um “Plano de Acção para a Cooperação Económica e Comercial”, criando assim um amplo universo que vai desde Díli até ao vasto Brasil, passando por vários continentes, com destaque para a África.

Essa mesma geografia já era conhecida de Wang Zhigen, cujo passado profissional tanto tem a ver com esse conceito de ligação e amizade entre a China e os países de língua portuguesa.

Jornalista da agência de notícias chinesa Xinhua, foi enviado em 1977 a Portugal com uma missão muito definida: a de explorar as possibilidades do estabelecimento de relações diplomáticas entre a República Popular da China e Portugal. Três anos antes, uma revolução tinha posto fim ao regime colonialista e ditatorial de António de Oliveira Salazar, abrindo assim portas a um novo posicionamento de Portugal na cena internacional. Na sua missão em Portugal foi acompanhado pelo seu colega Chen Chi e, em Fevereiro de 1979, Portugal e a China estabeleciam relações diplomáticas.

Mas essa não foi a primeira missão de Wang em terras de língua portuguesa. Do seu currículo constavam já a cobertura das cerimónias de independência de Moçambique e Cabo Verde, em 1975, e a chefia da delegação da Xinhua na Guiné-Bissau.

Mas sem dúvida que o seu papel no estabelecimento das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China ocupa um lugar especial no seu currículo. Como reconhecimento, por parte de Portugal, Wang foi condecorado com a Ordem do Infante D. Henrique pelo Presidente da República de Portugal Ramalho Eanes. O próprio Wang admite que o seu papel no estabelecimento das relações diplomáticas e o posterior reconhecimento público desse facto constituem “a maior honra” da sua carreira.

Uma carreira que incluiu o exercício de funções por duas vezes no Brasil (onde foi o primeiro correspondente da Xinhua e foi condecorado pelo Presidente José Sarney) e uma passagem por Macau nos últimos cinco anos que antecederam o retorno do território à China.

A sua longa ligação ao mundo de língua portuguesa permitiu-lhe conhecer figuras históricas e carismáticas dos diversos países que o compõem. De Portugal conheceu Ramalho Eanes, Sá Carneiro, Mário Soares; de Moçambique, Samora Machel e Joaquim Chissano; da Guiné-Bissau, Luís Cabral e Nino Vieira; de Angola, José Eduardo dos Santos; do Brasil, José Sarney.

Ao chegar ao fim da lista, comenta, na língua portuguesa que domina na perfeição, quão gratificante foi para si essa experiência. “Vale a pena”, como jornalista, ter tido a oportunidade de contactar directamente tantas figuras importantes da história dos diversos países. “Como o camponês, quando trabalha muito no campo tem boa colheita” – é a imagem que lhe vem à mente.

Mas não esquece de incluir Macau nessa longa lista de pontos do mundo com uma relação com a língua portuguesa. Presentemente aposentado e a viver em Pequim, refere “a grande saudade de Macau”, onde viveu cinco anos da sua vida. Refere, por exemplo, a forma como foi tratado pela imprensa local de língua portuguesa, nomeadamente num artigo sobre a sua pessoa publicado no, então, semanário “Ponto Final”, sob o título: “Pioneiro da Amizade”.

E aproveita para sublinhar o papel de Macau como plataforma no relacionamento da China com os países lusófonos. “Por razões históricas há muitas pessoas que falam português, há muitos macaenses que conhecem bem países de língua portuguesa” – sublinha. E mais: “Macau ainda tem as suas características especiais que outras cidades da China não têm.

Guarda memórias de diversos países de língua portuguesa. Por alguns passou apenas em visitas de trabalho. Mas de outros desfrutou de um conhecimento mais próximo, que o leva a falar das “Minhas Saudades Distantes” (de Portugal), título de uma série de crónicas que assinou no diário “Ou Mun”, de um povo português “amável”, de uma paisagem “magnífica” e de uma “história interessante”.

As suas saudades do Brasil não são porém menores. “O povo é caloroso como o samba”, tudo é grande no Brasil.

Só visitou Angola por duas vezes, em 1983 e 2003, mas não esconde a sua solidariedade com um país e um povo que ainda sofrem as consequências de longos anos de guerra civil. Agora encara com optimismo o futuro da nação africana, apontando três trunfos importantes: a liderança de José Eduardo dos Santos, os recursos naturais e o espírito trabalhador dos angolanos.

Wang Zhigen recorda com orgulho o facto de ter testemunhado a cerimónia da independência de Moçambique e ainda tem gravadas na memória as palavras emblemáticas de Samora Machel, que ainda repete: “A luta continua e a vitória é certa. É ou não é, camaradas?”

Do mesmo modo que tenta imitar o sotaque do antigo Presidente de Portugal, Ramalho Eanes, dizendo: “Eu sou o Presidente de todos os portugueses!”

Em todos estes comentários sublinha que não fala em nome da Xinhua mas sim na qualidade de “estudioso e amigo dos países de língua portuguesa”.

Desafiado a dar a sua visão da China, começa por dizer que ela é geograficamente “imensa” e “com uma história muito longa”. Foi um país que “sofreu durante um século depois da Guerra do Ópio, mas agora a China unificada faz todos os esforços para se desenvolver e ama a paz”. E aproveita para parafrasear Machel: “também na China, a luta continua e a vitória é certa!”.