Porta para o conhecimento mútuo

Mais de doze anos depois da sua criação, o presidente do Instituto de Estudos Europeus considera que a instituição tem contribuído de forma relevante para o conhecimento mútuo entre as duas partes. “É importante que haja uma comunidade de conhecimento que possa reforçar a confiança e melhorar a comunicação entre a China e a Europa”, sublinha Sales Marques

 

Tudo começou no dia 23 de Outubro de 1995. A criação do Instituto de Estudos Europeus de Macau (IEEM) tinha como objectivo promover a internacionalização do território, através do fortalecimento dos laços com a União Europeia (UE).

O IEEM, que tem como parceiros o Governo de Macau, a Universidade de Macau, a Fundação Macau, o Instituto Politécnico de Macau, o Instituto de Promoção do Comércio e Investimento de Macau (IPIM) e a Autoridade Monetária de Macau, procura divulgar o modelo europeu de integração, tendo como objectivo debater as perspectivas de evolução de Macau e da China.

 

Os cursos

 

O IEEM coloca em prática estes princípios através de cursos, seminários, conferências e acções de formação. O principal programa oferecido é o Mestrado em Estudos Europeus (MEE), um curso que congrega académicos reputados de vários países europeus como Portugal, Espanha, Bélgica, França, Holanda e professores da China, Macau e Hong Kong. Numa abordagem multidisciplinar, o MEE “oferece um programa de estudos único nesta região do mundo”, garante Sales Marques, atraindo sobretudo alunos de Macau e de universidades da China continental.

Numa perspectiva mais localizada, em colaboração com o Instituto de Formação Turística, o IEEM também promove anualmente um Diploma Avançado em Estudos Culturais e Turismo. Ao longo do ano académico são promovidos cursos de curta duração em áreas como os direitos de propriedade intelectual, direito comercial internacional, investimento directo externo e seminários sobre arquitectura e património cultural.

 

A Rede de Centros de Estudos Europeus da Ásia

 

Além dos objectivos ligados à divulgação dos assuntos europeus e à formação de recursos humanos, o IEEM também tem contribuído para o fortalecimento dos laços com outras instituições académicas da Europa e da região Ásia-Pacífico. Em 2005, foi criada a Rede de Centros de Estudos Europeus da Ásia (NESCA, na sigla inglesa), um projecto financiado pela Comissão Europeia que junta nove instituições asiáticas e quatro europeias. O IEEM coordena as actividades desta iniciativa que junta institutos e centros de estudos da Universidade de Giessen, na Alemanha, do Instituto de Estudos Europeus da Universidade Livre de Bruxelas, da Fundação Nacional das Ciências Políticas de Paris, da Universidade de Warwick no Reino Unido, da Universidade de Fudan (Xangai), Universidade de Seul, Universidade Chulalongkorn (Banguecoque) e da Universidade Canterbury Christchurch da Nova Zelândia.

Sales Marques salienta a importância da NESCA, “um projecto multi-continental que constituiu um caso excepcional, uma vez que a Comissão Europeia financiou uma iniciativa com várias instituições externas à UE, num quadro comunitário de apoio em que não havia participantes de fora da Europa”. A concretização da NESCA foi possível, em grande medida, “devido à rede de contactos que o IEEM foi cultivando ao longo dos anos”. Daí que Sales Marques tenha a certeza que “o papel do IEEM é valorizado e acarinhado por vários agentes e instituições”.

No futuro, os planos passam pelo reforço das várias actividades em curso e pela criação de uma Associação de Estudos Europeus local que possa aderir à “European Community Studies Association-World”, entidade que é presidida por Manuel Lopes Porto, professor de Direito na Universidade de Coimbra, que também lecciona no mestrado do IEEM.

 

Europeu, asiático, urbano

 

A vida de José Sales Marques, 52 anos, tem sido marcada pelo cruzamento das culturas oriental e europeia. Desde logo, por ser macaense, descendente de portugueses e asiáticos, nascido numa terra que desde o século XVI tem sido precisamente fruto desse intercâmbio de culturas. O seu currículo profissional é reflexo dessa multiculturalidade. Licenciado em Economia pela Universidade do Porto, iniciou o seu percurso na administração pública de Macau em 1983 nos Serviços de Turismo, onde em 1989 se tornou sub-director. Quatro anos depois, Sales Marques assumiu, a convite do então Governador de Macau, Rocha Vieira, a presidência do Leal Senado (antiga designação oficial do município de Macau), lugar que ocupou até 2001, então já sob a designação de Câmara Municipal de Macau Provisória..

O interesse pelos assuntos europeus vem desde os tempos de estudante, mas “o desejo de aprender mais sobre a UE surgiu com os contactos com Maria do Céu Esteves, antiga presidente do IEEM”. Quando ainda desempenhava o cargo de presidente da cidade de Macau, iniciou o curso de Mestrado em Estudos Europeus, que viria a finalizar com uma tese sobre as relações entre a China e a UE desde os anos setenta do século passado. De momento, está fazer um doutoramento noutra área. “A minha grande paixão sempre foi a cidade e o urbanismo”, explica. Por isso, decidiu estudar as relações entre as representações do poder e o espaço urbano de Macau, numa abordagem histórica.

 

Cooperação alargada

 

Tendo sido o palco dos primeiros contactos entre europeus e chineses, Macau continua a ter um papel importante no relacionamento entre a Europa e a Ásia Oriental. Ao longo dos anos, a  RAEM e a União Europeia têm vindo a alargar o âmbitos dos projectos de cooperação

Desde o século XVI que Macau apareceu aos olhos do mundo como o local de intercepção entre as culturas europeias e asiáticas. Foi o local das primeiras transacções entre europeus e chineses e funcionou durante séculos como porta de entrada no mercado da China e da Ásia Oriental. Hoje, em circunstâncias diferentes, o território continua a ter um papel relevante no relacionamento do Velho Continente com esta zona do mundo.

As relações entre a Comissão Europeia e Macau têm por base o Acordo de Cooperação e Comércio assinado em Dezembro de 1992, seis anos depois da entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (CEE) e dezoito anos após o início formal das relações entre Bruxelas e Pequim. O acordo estabelece os princípios para a cooperação no comércio, indústria, ciência e tecnologia. Desde então, realizam-se reuniões anuais de Comité Conjunto com representantes das duas partes para analisar o andamento dos projectos de cooperação e delinear novos caminhos para o desenvolvimento das relações entre o bloco europeu e Macau. Ao nível institucional, os interesses de Macau são promovidos através da Delegação Económica e Comercial de Macau em Bruxelas, chefiada por Raimundo do Rosário.

 

Projectos de cooperação estruturantes

 

Depois da transferência de administração do território de Portugal para a China, o acordo permaneceu em vigor, sendo que a cooperação entre as duas partes foi reforçada. Desde logo, em Novembro de 1999, um mês antes da transição, a Comissão Europeia manifestou total confiança no modelo político e económico da RAEM, tendo por base o Princípio “Um País, Dois Sistemas”. Daí em diante a Comissão tem publicado relatórios anuais em que é feita a análise do desenvolvimento económico, social e político da Região. A cooperação bilateral foi sendo alargada ao longo dos anos. Em 2001, o Conselho Europeu decidiu isentar os cidadãos com passaporte da RAEM de adquirir visto para entrar na União Europeia. Com a assinatura em 2002 do Acordo entre a Comunidade Europeia e a Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China relativo à readmissão de pessoas que residem sem autorização e com o início do Projecto de Cooperação no Campo Jurídico, o relacionamento ganhou outra dimensão. Ao longo de quatro anos, especialistas europeus e de Macau realizaram seminários e sessões de formação a juízes, procuradores, juristas e técnicos jurídicos da RAEM. Em 2007, especialista de UE, Macau, China e Hong Kong debateram os novos fenómenos migratórios e a criminalidade transfronteiriça e realizaram acções de formação aos quadros locais no âmbito da acção de cooperação em assistência técnica MIGRA-Macau/Comissão Europeia.

 

O lugar da sociedade civil

 

Além das áreas que têm sido alvo de projectos de cooperação, a União Europeia pretende alargar o campo de interacção com a RAEM em vectores como as ligações entre a sociedade civil, especialmente ao nível académico, ambiente e segurança alimentar. No que diz respeito ao ensino superior, os estudantes universitários de Macau têm acesso ao programa de intercâmbio Erasmus Mundus, mas Bruxelas considera que a participação de alunos da RAEM ainda é reduzida, pelo que, durante a última reunião da Décima Terceira Comissão Mista UE-Macau , em Dezembro de 2007, foi feito um apelo para que mais estudantes do território adiram a este programa. Ainda no campo da cooperação académica, a Universidade de Macau recebeu da Comissão Europeia o apoio para ser ministrada pelo professor Paulo Canelas de Castro uma Cátedra Jean Monnet, no âmbito do Mestrado em Direito Europeu, Internacional e Comparado.

 

A pedra no sapato

 

No relacionamento entre as duas partes, uma das poucas áreas que tem suscitado polémica diz respeito às exportações de calçado de Macau para o bloco europeu. Está em curso um processo de investigação ao aumento exponencial das vendas de calçado da RAEM para a Europa, depois de ter sido apresentado um pedido para averiguação das exportações de sapatos de Macau por parte de vários empresários europeus do sector. Suspeita-se que empresários chineses estejam a aproveitar Macau para contornar medidas “anti-dumping”.

Entretanto, a RAEM deixou de auferir, no início deste ano, dos benefícios do Sistema Geral de Preferências (SGP) da UE, devido ao rápido crescimento da economia local e à alteração das regras de manutenção no grupo de mais de 170 países e territórios em desenvolvimento que auferiam de tarifas aduaneiras baixas ou acesso livre para escoar os seus produtos para o espaço europeu.

J. C. M.