Negociar com os terroristas

De Helsínquia (1952) a Atlanta (1996) chefiou a delegação de Hong Kong aos Jogos Olímpicos. O português Oliveira Sales não esquece o massacre de Munique (1972) quando os terroristas palestinianos sequestraram e mataram atletas israelitas

 

Durante onze edições consecutivas dos Jogos Olímpicos, Oliveira Sales chefiou a delegação de Hong Kong. O senhor desporto, como carinhosamente é tratado na vizinha região administrativa especial, fez a estreia na grande festa do desporto mundial em 1952 (Helsínquia). “Hong Kong e a Rússia começaram a competir na mesma edição, nos Jogos que decorreram na Finlândia”, recorda.

O antigo presidente do Comité Olímpico de Hong Kong (COHK) mostra-se satisfeito com o trabalho desenvolvido em prol do desporto. “Conseguimos alcançar o nosso principal objectivo ao assinar com o Comité Olímpico Internacional o contrato que garante a participação de Hong Kong nas Olimpíadas como membro independente da China”, realça. “Foi um processo complexo, que obrigou a negociações muito duras com o então presidente do COI, Juan Samaranch”, lembra.

Em Março de 1998, decidiu retirar-se da liderança do Comité Olímpico de Hong Kong. “Chegou a altura de dizer adeus”, confessou na altura. Oliveira Sales deixou muitos milhões nos cofres e lançadas as bases para que Hong Kong tenha presença significativa nas grandes competições internacionais. “Somos um dos comités mais ricos do Mundo, com uma verba entre os 160 e 180 milhões de dólares de Hong Kong”.

Dez anos depois de deixar o Comité Olímpico, Oliveira Sales fala com grande orgulho dos tempos em que participou no movimento olímpico mundial, onde, de resto, exerceu vários cargos. É vice-presidente, honorário e vitalício, da Federação dos Jogos Asiáticos e do Comité Olímpico da Ásia, foi presidente da Comissão Jurídica da Associação dos Comités Olímpicos Nacionais, membro do Comité Internacional para o Fair Play e dirigiu durante quatros anos a Federação dos Jogos da Commonwealth, que engloba 66 países e territórios.

Em Agosto não vai marcar presença em Pequim, “já estive em 11 Jogos e 40 competições internacionais”, mas está convicto de que as Olimpíadas vão ser um êxito. “Pequim enfrenta regularmente ‘tufões´, mas os chineses sabem fazer tudo muito bem. Têm enorme jeito para ultrapassar as dificuldades que venham a surgir”, garante.

Oliveira Sales não esquece o que se passou nos Jogos de Munique, em 1972. A delegação de Hong Kong estava hospedada no mesmo edifício dos atletas israelitas. “Na Aldeia Olímpica os israelitas estavam hospedados no rés-do-chão e a nossa delegação no primeiro andar. Os atletas uruguaios eram nossos vizinhos, assim como os canadianos”, conta Oliveira Sales, que soube do ataque do comando palestiniano quando se preparava para tomar o pequeno-almoço no hotel onde os chefes de missão estavam hospedados.

De imediato, procurou um automóvel que o conduzisse à Aldeia Olímpica. “Quando cheguei as autoridades tinham bloqueado a entrada no edifício, mas quando o chefe da polícia alemã virou costas para verificar o que se passava consegui ultrapassar todo o sistema de segurança e negociar com o líder dos terroristas, que dominava muito bem o inglês. Era um jovem engenheiro de 25 anos que foi sempre muito bem educado”. Oliveira Sales consegue entrar no edifício, mas os atletas de Hong Kong tinham fugido para o terraço. “Quando cheguei cá fora, na companhia de dois dirigentes de Hong Kong, havia muitos jornalistas, câmaras de televisão, etc”.

O comendador Oliveira Sales diz que ainda hoje se recorda de como tudo se passou, que o dia 5 de Setembro de 1972 está marcado na sua memória. “Anos mais tarde, numa conferência em Berna, encontrei o chefe da delegação israelita, que me perguntou como é que os árabes não me tinham assassinado”. Durante as quase cinco décadas em que participou no movimento olímpico foi, certamente, uma das experiências mais marcantes que viveu.