Oportunidade de ouro para os atletas chineses

Em Pequim, a China poderá ultrapassar os Estados Unidos no número de medalhas de ouro conquistadas. A delegação chinesa deverá ter cerca de 600 atletas

 

Foi um momento que as televisões chinesas repetiram vezes sem fim, no final de Fevereiro, partindo de cada vez o coração de milhões de chineses: Yao Ming, o mais famoso desportista do país e estrela dos Houston Rockets, equipa da Liga norte-americana de basquetebol profissional (NBA), caía ao chão em gritos de dor, pé esquerdo levantado.

O diagnóstico dos médicos foi imediato. Uma fractura de esforço no pé esquerdo vinha tornar real o impensável. Yao, o maior herói do desporto chinês, poderá falhar os Jogos Olímpicos de Pequim. A cara desconsolada do jogador na conferência de imprensa em que anunciou essa possibilidade pela primeira vez dizia tudo, mas não começava sequer a ilustrar a pena dos chineses comuns, já para não falar na apreensão das autoridades desportivas. Yao Ming está ser seguido por um exército de profissionais de saúde, incluindo médicos de medicina tradicional chinesa, para esgotar todas as hipóteses para estar presente nuns Jogos Olímpicos em que a China aposta muito.

Desde logo, o orgulho. Com um sistema desportivo centralizado e dependente do Estado (quer do governo central, quer dos governos locais), que define objectivos, resultados, formas de treino, equipas e selecções, os resultados nos estádios serão sempre vistos pelos chineses como uma avaliação da capacidade do governo.

Toda a organização do desporto de elite chinês tem como objectivo criar uma estrutura para que uma minoria de atletas excepcionais ganhe medalhas de ouro em 2008. A pressão sobre os competidores olímpicos chineses, ainda mais a jogar em casa, será assim a maior de sempre, o que poderá explicar a tristeza de Yao Ming.

Wu Shaozu, ministro dos Desportos entre 1990 e 2000, não poderia ter sido mais claro quando afirmou que o maior objectivo do desporto chinês é o sucesso nos Jogos Olímpicos. “É onde temos que concentrar os nossos recursos. Içar a bandeira nos Jogos Olímpicos é a nossa maior responsabilidade”, disse Wu.

Dentro dos estádios, a tentativa será de provar no pódio que a China é cada vez mais competitiva, em especial em relação aos Estados Unidos e à Rússia, os termos tradicionais de comparação.

 

Maior pressão

 

A China apostou forte nestes Jogos Olímpicos. Um total de 1500 atletas e 55 selecções lutaram por um lugar em Pequim 2008, em 28 modalidades olímpicas. As previsões apontam para que, quando chegar o dia 8 de Agosto, data de arranque dos Jogos, a missão olímpica chinesa seja composta por 550 atletas, ou mesmo 570.

“Temos a noção de que os atletas chineses enfrentam dificuldades maiores do que outras equipas”, admitiu Cui Dalin, vice-ministro chinês do Desporto, numa conferência de imprensa realizada em Março.

“Ao competirem em casa, os atletas terão de suportar uma pressão tremenda dos seus concidadãos, que têm grandes expectativas”, afirmou Cui, num esforço claro do governo chinês para baixar as expectativas dos entusiastas chineses. “Em comparação com os Estados Unidos e com a Rússia, a China estará ainda no segundo grupo dos países “medalháveis” em Pequim 2008”.

O dilema desportivo da China quanto à conquista de medalhas é que há pouco espaço para os atletas chineses crescerem nos desportos em que o país ganha quase tudo o que há para ganhar.

Tudo indica que a superioridade da China se manterá no ténis de mesa, nos saltos para a água e no halterofilismo, mas foram tantas as medalhas que os atletas chineses trouxeram dos Jogos Olímpicos de Atenas, disputados em 2004, que os números do país no quadro final dos Jogos de 2008 pouco deverão crescer.

Os atletas chineses quase atingiram o ponto de saturação na Grécia, conquistando 70 por cento das medalhas de ouro nas modalidades em que a China é mais forte – 17 das 23 possíveis no ténis de mesa, halterofilismo feminino, badmington, saltos para a água e taekwondo feminino.

“Naquelas modalidades em que a China poderá mostrar melhores resultados, como o pentatlo moderno, a canoagem, o pugilismo e a vela, temos algumas pontos brilhantes, mas os nossos resultados ainda são instáveis”, considerou Cui Dalin.

 

32 medalhas de ouro em Atenas

 

Nos Jogos de Atenas, a China foi o segundo país que mais medalhas de ouro conquistou, 32, contra as 36 dos Estados Unidos. “Basicamente ainda não somos um país forte em termos desportivos, temos de ser práticos e realistas. No atletismo só temos um Liu Xiang [campeão do mundo de 110 metros barreiras] e não tenho grandes esperanças para a natação”, afirmou Cui.

Ainda assim, Wu Peng na natação masculina, Wu Jingyu no taekwondo feminino, Yang Wenjun na canoagem, as ciclistas Ren Chengyuan e Guo Shang ou o campeão do mundo de pentatlo moderno Qian Zhenhua são nomes que podem render ouro à China.

As “Lótus da Neve”, como é conhecida na China a equipa feminina de hóquei em campo, e as arqueiras Zhang Juanjuan e Qian Jialing podem também vir a encher os chineses de orgulho.

É que, apesar de o governo chinês o negar, os Jogos Olímpicos são uma oportunidade de ouro para as autoridades do país brilharem.

“Está escrito em maiúsculas no nosso contrato – pelo menos uma medalha de ouro, ou somos considerados uns autênticos falhados”, admitiu recentemente Christian Bauer, um dos treinadores da equipa olímpica chinesa de esgrima.

 

Agência Lusa, Pequim