A Oeste de África

A presença da China em Cabo Verde torna-se mais notória a cada dia que passa. Ao mesmo tempo que uma instituição chinesa concedia um apoio de 100 milhões de dólares norte-americanos para a construção de habitação social, um encontro empresarial de chineses e lusófonos tinha lugar na cidade da Praia

 

Em Cabo Verde, colónia portuguesa até 1975, a comunidade chinesa é hoje já maior do que a portuguesa e os edifícios emblemáticos da capital têm um cunho do país mais populoso do mundo. Foi a cooperação chinesa quem construiu, por exemplo, o Assembleia Nacional, quem construiu o Palácio do Governo e quem edificou a Biblioteca e o Auditório Nacional.

No próximo ano começam as obras de outro grande projecto, que vai também marcar a fisionomia da capital de Cabo Verde, o Estádio Nacional, no qual a China vai investir milhões, para já não falar da face menos visível da cooperação, como, por exemplo, a oferta recente de toda uma gama de instrumentos musicais para o Palácio da Cultura.

No início do Verão, o Instituto de Fomento à Habitação de Cabo Verde assinou com uma empresa congénere da China um apoio de 100 milhões de dólares para a construção de habitação social no arquipélago, com os primeiros 40 milhões já disponíveis para o inicio da construção, que vai incidir nas ilhas de Santiago e S. Vicente, seguindo-se Sal, Boa Vista e Maio.

Mas a cooperação entre Oriente e Ocidente está agora a mudar. De um momento em que a China doava dinheiro ao pequeno arquipélago de 500 mil habitantes, passou-se a uma fase de colaboração mais abrangente, envolvendo empresários de ambos os países e explorando-se oportunidades de negócio, que podem ser com Cabo Verde mas que podem ter o país como ponto de partida para outras relações com a África Ocidental e também com a América Latina, nomeadamente o Brasil.

Há poucos meses, mais de 300 empresários e representantes de instituições de promoção, dos países de língua portuguesa e da China, estiveram reunidos na Cidade da Praia, durante dois dias, para explorar oportunidades de negócio, naquele que foi o IV Encontro para a Cooperação Económica e Comercial, sob um lema que já diz tudo: “Cabo Verde como Plataforma para Trading e Serviços”.

O “Encontro de Empresários para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa” decorre de um entendimento sobre a necessidade de realizar reuniões periódicas juntando empresários, mas também responsáveis pelas entidades que promovem os países no exterior, tendo sido “oficializado” através de um protocolo, assinado em Macau, em 2003. Desde essa altura, já decorreram reuniões em Angola, Portugal e Moçambique.

O objectivo é explicado pelo presidente da Cabo Verde Investimentos, uma entidade do Estado que gere os investimentos externos no arquipélago. “O interesse é facilitar o contacto entre pequenas e médias empresas para identificar nichos de mercado e intensificar relações comerciais”, diz Alexandre Fontes.

E já há resultados, a avaliar pelo que disse na altura o secretário-geral adjunto do Fórum Macau, Manuel Rosa: “tem-se vindo a verificar que a cada reunião que se faz o comércio envolvendo os vários países “tem vindo a crescer”.

“Aproveitando a plataforma que é Macau, os governos decidiram criar um mecanismo que favoreça as relações comerciais e económicas entre a China e os países de língua portuguesa”, explicou Manuel Rosa, que considera que em Cabo Verde há “nichos de mercado” nos quais pequenas e médias empresas podem encontrar parceiros e associados.

E Alexandre Fontes, pelo lado do arquipélago, não pode também ser mais claro quanto ao que Cabo Verde deseja. “O que está a acontecer com Macau em relação à China também pode acontecer com Cabo Verde, ou seja, representar uma plataforma, neste caso para o continente africano”.

Mais explícito? “Cabo Verde pode servir de plataforma para trocas comerciais a partir da China”.

 

Posição geoestratégica

 

Manuel Rosa não tem dúvidas quando salienta a “grande vantagem económica” que é negociar com países como a China ou o Brasil, sendo que Cabo Verde pode servir de plataforma de comércio destes países e de países europeus com o continente africano.

Cabo Verde não nega que também Portugal tem interesse em fazer do arquipélago uma plataforma para dela chegar aos mercados emergentes da costa ocidental africana, aparentemente concorrendo com a China, mas garante que há “interesses complementares”, porque o tipo de produtos que Portugal oferece é diferente das ofertas chinesas.

“Quando constatamos as potencialidades da indústria portuguesa e chinesa, creio que há complementaridade. E Cabo Verde pode servir de plataforma para os interesses destes países na costa africana”, nota Alexandre Fontes.

Mas há mais. No encontro da Praia, a maior delegação que se apresentou foi a proveniente da China, seguindo-se o Brasil. Não é por acaso. Como não foi por acaso que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, visitou Cabo Verde há pouco tempo, para estreitar relações entre os dois países.

Celso Amorim disse aquilo que já se sabia. “O Brasil vê com muito bons olhos o investimento dos seus empresários nas ilhas cabo-verdianas ou mesmo até deslocalização de empresas, para delas chegar a África Ocidental e até a mercados europeus”.

Cabo Verde, obviamente, agradece. O ministro da Economia da altura, José Brito (agora ministro dos Negócios Estrangeiros), disse no primeiro dia do encontro que o arquipélago quer ser intermediário na ligação entre os países de língua portuguesa e a China, “fazendo valer a posição geoestratégica”.

“Cabo Verde está situado na  encruzilhada dos continentes e pode potenciar oportunidades de negócio a partir de Cabo Verde e cobrindo todo o resto dos outros  continentes. Acredito que é um sucesso da nossa diplomacia económica que Cabo Verde, como um pequeno país, estar a atrair um conjunto de países que têm importância na economia mundial”. José Brito falava, naturalmente, da China e do Brasil, ainda que de olhos postos na economia que no futuro será Angola ou na União Europeia, através de Portugal.

 

Hub de transportes aéreos

 

Cabo Verde quer ser intermediário, por exemplo, na questão do  transporte  de cargas e passageiros, tendo já assinado um acordo de handling com a empresa Air China  para a rota da América Latina. Ou seja, num futuro próximo, a Air China poderá fazer escala na ilha do Sal na rota da América Latina, transformando o arquipélago num hub de transportes aéreos, o que de resto também Celso Amorim considera uma boa ideia.

E quem diz transportes aéreos pensa também em transportes marítimos. “Os nossos importadores estão a importar muito da China, ultimamente com cargas que chegam via Portugal ou Canárias, e isto é algo que estamos a pensar desenvolver porque o desenvolvimento dos transportes marítimos é um passo necessário para a consolidação desta parceria especial”. Palavras de José Brito, que sabe como são deficientes também os transportes marítimos entre o Brasil e o continente africano.

Altair Maia, consultor internacional da SEBRAE (apoio a pequenas empresas do Brasil) explicou durante o encontro que levar hoje um contentor do Brasil para Cabo Verde é mais caro do que para a China, pelo que há que trabalhar para a criação de uma ligação regular. “Os países africanos beneficiam dos navios que fazem a ligação entre a Europa e a China, mas para o Brasil é fundamental  que seja criada uma linha marítima regular e com preços competitivos, porque hoje um contentor do Brasil para a China custa cerca de dois mil dólares enquanto que para Cabo Verde representa quatro mil dólares”, sublinha.

Tudo porque não foi criada ainda uma linha directa, obrigando a que os contentores que saem do Brasil sejam primeiro levados para a Europa e só depois, daí, encaminhados para a costa africana. E que o resulta disto? Altair faz as contas: Os países da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) importam “cerca de 30 biliões de dólares por ano e o Brasil fornece menos de um bilião. Temos produtos com qualidade internacional  e preços competitivos mas não temos ligação marítima, que hoje em dia é fundamental no comércio internacional”.

A China, do outro lado do mundo mas atenta às grandes possibilidades de África, quer resolver esses problemas. Como? Criando zonas económicas especiais no continente, pequenas chinatown, de onde se irá expandir. Em Cabo Verde, onde deverá ficar uma delas, já se tornou habitual a presença de grande número de orientais, especialmente nas mais que conhecidas mundialmente “lojas dos chineses”.

Discretos, como sempre, os chineses vão comprando tudo quanto é espaço comercial e montando os seus negócios, que no centro da capital cabo-verdiana são já quase “porta sim, porta não”.

 

*Agência Lusa, Cabo Verde

 

O tempo passa rápido”

 

Há menos de um ano em Cabo Verde, Wu Yuanshan, embaixador da China, diz que o tempo passou muito rápido, sinal de que é bom estar no arquipélago. Fala das obras, das relações de amizade, da nova China e da sua relação com África e os países de língua portuguesa

 

“A China tem uma relação tradicional com a cultura e com a língua portuguesas”, diz o embaixador da China em Cabo Verde, salientando que com a “abertura e reforma do país”, iniciadas há 30 anos, aumentaram também os contactos e as relações com muitos países, sendo que através de Macau o “gigante asiático” quer, deseja, “aprofundar as relações comerciais com os países de língua portuguesa”.

Wu Yuanshan não se cansa de lembrar a amizade que liga a China com os países africanos, que sempre apoiaram as pretensões chinesas na ONU, por exemplo, e lembra que a ajuda a Cabo Verde começou em Abril de 1976 e desde então não só não parou como ainda tem vido a crescer.

Assembleia, Governo, Biblioteca, Auditório ou Barragem são só alguns dos edifícios, mas o responsável lembra outros, como o apoio ao hospital da Praia, o Estádio Nacional (início ainda este ano), habitações sociais em todas as ilhas, escolas (em construção), portos e armazéns.

“Dá a impressão de que a China sempre constrói prédios, mas é porque havia essa necessidade. Depois dos prédios, satisfazemos outros pedidos do Governo”, afirma Wu Yuanshan, exemplificando com a oferta recente de toda uma panóplia de instrumentos musicais ao Ministério da Cultura.

Depois, adianta, há também a cooperação empresarial, em sectores como a governação electrónica, a construção de centros logísticos de pesca, de uma fábrica de cimento… “São investimentos de empresas chinesas, estatais e privadas. Mas também em outras áreas, como a cultura e a formação profissional. Temos agora 50 estudantes na China, a estudar com bolsas de estudo que oferecemos”.

A China está agora também de olho no turismo, razão por que estiveram em Cabo Verde, há pouco tempo, empresários dessa área. “Esperamos propostas e que se concretize essa cooperação. Foram assinados protocolos e instalada uma base para uma futura cooperação”, afirma.

E vem na mesma linha a conferência de empresários chineses e de países de língua portuguesa, ocorrida em Cabo Verde. Não se tratou, frisa Wu Yuanshan, de aproximar Macau e a China de Cabo Verde, mas sim de aproximar também todos os países de língua portuguesa à China e também entre eles.

De todos é o Brasil o principal “sócio” da China, nota o embaixador, referindo que o volume de negócios entre os dois já superou os 20 biliões de dólares, devendo chegar este ano aos 30 biliões.

“A China é o maior comprador de soja, de óleo vegetal e de minerais de ferro do Brasil.

Temos uma série de cooperações, como a de um satélite de recursos terrestres ou a construção de aviões para linhas regionais”.

Apesar de o país ter parceiros importantes como a Índia, o México, a Rússia, a Indonésia, a África do Sul ou Espanha, diz Wu Yuanshan que “a língua e cultura têm um papel muito importante” e que o relação de amizade com Cabo Verde faz parte de uma “relação tradicional e histórica com África”.

 

Zona económica

 

Mas quando a pergunta é se Cabo Verde vai receber uma das cinco zonas económicas especiais que a China pretende criar em África, Wu Yuanshan fica cauteloso. “É nosso desejo, estamos a esforçar-nos, estamos preparados para isso”. E mais não diz.

Mas acrescenta que essas zonas especiais podem, no futuro, ser mais do que cinco, podem ser 10, 15 ou 20. E diz também que o número de chineses em Cabo Verde já ultrapassou os portugueses.

É também por isso que Wu Yuanshan, que antes foi diplomata na América Latina, se sente em casa no arquipélago.

“Cada ilha é diferente, é bonito. E tem um clima muito agradável e gente hospitaleira e sensível. As pessoas africanas são muito sinceras”.

Está a gostar? Wu Yuanshan responde com um sorriso. “A impressão que tenho aqui é que o tempo passa rápido”.

 

F. P.