A salvação de uma espécie

No Centro de Investigação e Criação de Pandas Gigantes em Chengdu vivem pandas que depois são reintroduzidos no seu habitat natural

 

Quem não se enternece ao olhar para um panda? O urso branco e preto que faz nascer a vontade, inconsciente, de apenas recorrer aos diminutivos para o caracterizar. Um estranho fascínio que leva a China a utilizar milhões de remnimbis para salvar e bater o pé ao homem, o grande responsável pela sua quase extinção, estabelecendo instituições como o Centro de Investigação e Criação de Pandas Gigantes em Chengdu.

Assim que se entra pela porta principal, o visitante depara-se com uma loja, onde peluches, porta-chaves, emblemas e ímanes para o frigorífico preenchem o universo de quem dali não quer sair sem uma recordação. Objectos inspirados sempre na figura do simpático panda. Mas, perdendo de vista o espaço comercial, avistam-se vários caminhos, cobertos de bambu, por onde circulam grupos de crianças ansiosas por conhecer aquele que é um dos animais mais acarinhados do mundo.

Uma pequena exposição serve de introdução ao universo do panda, onde se podem vislumbrar inúmeras fotos e reproduções das montanhas, já que, sendo um animal solitário, e bem pouco sociável, o panda vive nas florestas de Sichuan, Shaanxi e Gansu, sobrevivendo num clima húmido.

Fica-se a saber, através da exposição, que, apesar de a sua constituição ser idêntica à de um carnívoro, este animal vive de uma dieta à base de bambu. É por isso que é um animal de pouca energia, passando grande parte do tempo a comer e a dormir. Nas florestas, o único exercício físico a que se dedica passa por se deslocar de árvore em árvore em busca do seu sustento. Encontros esporádicos com tigres e felinos de grande porte podem causar-lhe a morte, mas é o homem o grande responsável pela sua progressiva eliminação.

De regresso ao caminho principal, vêem-se, além de fotos dos diferentes pandas do centro e uma breve descrição, frases alusivas ao projecto e aos objectivos que pretende alcançar.

 

O primeiro panda

 

Finalmente, encontra-se o primeiro recinto, ao ar livre, onde está alojado um panda. Basta meia hora de intensa observação para perceber que não é um animal de muita actividade, entretendo-se apenas a trincar avidamente o bambu, alternando com pequenas – e fugazes – brincadeiras. Nem os berros dos visitantes o perturbam, continuando, impávido e sereno, a comer.

Rodeado de vegetação, o recinto ainda tem uma área considerável, estando separado dos visitantes apenas por um fosso e um muro. O panda que a Revista MACAU encontra é um semi-adulto, partilhando, por isso, o espaço com outro jovem panda. Contudo, explica a directora do departamento de saúde animal, Kati Loeffler, “mal atinja a maturidade sexual, não poderá permanecer junto a outro elemento da sua espécie, já que poderão ocorrer algumas lutas violentas”.

Mas os pandas não se encontram sempre no recinto ao ar livre. Longe dos olhares indiscretos, poderão estar também em “compartimentos fechados de cimento ou de vidro”. Aliás, “se forem fêmeas, e tratando-se do período fértil”, o mais provável é encontrarem-se enclausuradas.

Passando pelo laboratório, o museu, os jardins e o restaurante, entre crianças que, animadamente, se divertem só a assistir aos movimentos do simpático animal, a imagem é de tranquilidade. Resta espreitar pelo buraco da fechadura e ver o que está para além do bilhete de entrada do centro.

 

L. L.

 

O terramoto

 

Esta reportagem foi realizada um mês antes de ocorrer o terramoto que devastou inúmeros locais da província de Sichuan, a 12 de Maio. Numa declaração enviada à imprensa, o director do Centro de Investigação e Criação de Pandas Gigantes, em Chengdu, Zhang Zhihe, assegura que os “animais e funcionários da instituição não sofreram ferimentos” e que apenas as infra-estruturas registaram danos. “Algumas vedações caíram, as paredes e tectos racharam e temos infiltrações”, explica. O problema que mais afectou o funcionamento da instituição refere-se à falta de bambu, já que, anteriormente, os trabalhadores do Centro deslocavam-se às montanhas Mishang – severamente afectadas pelo terramoto – para encontrar essa planta. “Tivemos de encontrar alternativas”, garante. Desde a data do terramoto até aos dias de hoje, já nasceram 15 crias nesta instituição.

L. L.

 

Se antes a principal causa de extinção do panda gigante era a caça furtiva, hoje é a “perda e a degradação do seu habitat natural”.

Ambos são causados pelo homem, que continua a reclamar terras para a agricultura e espaço para infra-estruturas, causando graves perturbações ao ecossistema. Factores que levam o homem – o mesmo que é responsável pela sua quase destruição – a criar instituições como o Centro de Investigação e Criação de Pandas Gigantes em Chengdu.

 

Perante uma dicotomia contraditória, a directora do departamento de saúde animal, Kati Loeffler, teme o fim da espécie se “não houver uma mudança de comportamento”.

O número exacto de pandas gigantes que ainda existem no mundo não se sabe. “Oficialmente são mais de 1500”, declara. O que é certo é que “existem muito poucos”. A principal ameaça é a “perda de habitat”. Para combater esta quase extinção, o Governo Central tem procurado criar reservas naturais.

Na opinião de Kati Loeffler, há várias questões que têm de ser ponderadas. Por exemplo, à volta de Wolong – a primeira reserva estabelecida nos anos 70 – moram minorias étnicas que, por tradição, “vivem das florestas e dos seus recursos”. De repente, pode afixar-se um letreiro dizendo “habitat de pandas”, vedando-lhes a entrada?

Preocupados, os investigadores estão a efectuar estudos para combater estes fenómenos, mas trabalhar com os pandas no seu habitat natural “não é fácil”. Vivendo em zonas montanhosas, gostam de se colocar o mais longe do chão possível. Fugidios, “até para segui-los com GPS, o sinal perde-se nas montanhas”. Tímidos, “farão tudo o que puderem para fugir das pessoas”, não sendo difícil naquele ambiente. “O que fazemos é ir à caça das fezes e extrair ADN”, explica.

 

O fascínio pelo panda 

 

Por que é o panda tão especial, gerando “todas as atenções e o dinheiro”? Não havendo uma resposta a esta pergunta, Kati Loeffler resigna-se a explicar os motivos que levam os investigadores a sentirem-se fascinados por este animal. Tendo a constituição de um carnívoro, o panda gigante vive à base de uma dieta herbívora, causando espanto entre a comunidade científica.

Quando nasce, é uma criatura particularmente indefesa. “Não tem sistema imunitário e é completamente dependente”, diz. Nos primeiros meses, a mãe tem a cria sempre na pata.

Desmistificando algumas “concepções erradas”, Kati afirma ainda que o panda “se reproduz numa taxa perfeitamente adaptada ao seu ambiente, muito lentamente”. Aliás, uma panda fêmea irá dar à luz “uma vez em cada quatro anos – numa vida inteira talvez tenha cinco ou seis crias”, um número que aumenta para o dobro em cativeiro. Tendo em conta o seu habitat, é um nível “óptimo”, caso contrário iria reproduzir-se mais rapidamente do que os recursos disponíveis”.

Em cativeiro, não conseguindo que a reprodução se dê pela via natural, já que os machos “ficam demasiado stressados”, recorre-se à inseminação.

 

O stress

 

Apesar de proporcionar aos pandas “melhores condições do que qualquer outro Jardim Zoológico da China”, alguns animais passam muito tempo fechados “em compartimentos de cimento” – é o caso das fêmeas, durante a época fértil. Durante alguns meses são “colocadas ao ar livre”, regressando depois à maternidade “quando nasce a cria e durante todo o tempo em que estiver a amamentar”. O objectivo é evitar que “aconteça algo de mal à cria por excesso de zelo materno”. A maioria dos animais fica fora pelo menos parte do dia. O caso muda de figura quando chega o Verão, já que os pandas não suportam o calor, acabando “por ser levados, a partir das 10 da manhã, para o interior”.

Sobre a possibilidade de alguns destes animais em cativeiro sofrerem de stress, Kati Loeffler declara que, “se ficarem enclausurados, sem dúvida que começam a acusar alguns sintomas” e a ter comportamentos repetitivos que poderão passar por “arrancar pêlo do peito” ou “vomitar consecutivamente”. Para a cientista, a solução passa por permitir “o acesso ao exterior ou, se tiverem realmente de ficar enjaulados, criar um programa de enriquecimento comportamental e cultural, recorrendo a brinquedos ou recompensas de comida para mantê-los estimulados”.

 

L. L.

 

Cautela na reintrodução

 

O objectivo final de um projecto como o do Centro de Investigação e Criação de Pandas Gigantes, em Chengdu, é o de “constituição, em cativeiro, de uma população auto-sustentável – de forma a que a diversidade genética seja forte o suficiente para que a população funcione por si própria na floresta”. O que, trocando por miúdos, significa a libertação deste animal no seu habitat natural. Mas estará esse objectivo próximo de uma concretização?

Que o Governo Central “tem vindo a pressionar nesse sentido”, é certo, afirma a directora do departamento de saúde animal, Kati Loeffler. O que “não é certo” é a forma como será feita e o dia em que tal poderá suceder. Seguindo as orientações da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, tem de se ter em conta três pontos: “O compromisso político para fazer com que funcione formando-se, por exemplo, patrulhas para actuar na reserva, a educação das comunidades humanas que vivem à volta da floresta no sentido de conseguirem viver sem usar a floresta e destruir o habitat.”

Questões que nada têm de simples e que exigem anos de preparação. Da parte dos investigadores, há que “escolher uma área para libertar o animal e perceber os pandas que lá vivem, a estrutura social, os recursos alimentares, a geografia, o terreno e as doenças”.

Feito este estudo, há que preparar o animal. No caso de Chengdu, serão constituídos comités que terão de ser compostos por especialistas de vários países.

Em todo este processo, colocam-se algumas questões de “difícil resposta”. Por exemplo, “será que se liberta o animal numa área que não tem pandas – não terá problemas, mas também não tem ninguém para procriar – ou com pandas, sujeitando-se à competição”?

Mas, alerta, em última análise, se o grande responsável pela sua quase-extinção não mudar de comportamento, nada poderá salvar o panda gigante, sendo “certo” o fim da espécie.

 

L.L.

 

Tentativa falhada em Wolong

 

A quatro horas de viagem de Chengdu, situa-se a reserva natural de Wolong, onde também se encontra um Centro de Investigação e Criação de Pandas Gigantes. É a única instituição do género que já tentou libertar um destes animais, criados em cativeiro, na floresta.

Xiang Xiang, um macho adulto, foi libertado na floresta, mas ao fim de um ano viria a morrer, por ferimentos resultantes de lutas. “Antes de se proceder à reintrodução, há que ter em conta que se está a inseri-lo no seio de uma estrutura social definida”, afirma Kati Loeffler. Chegada a altura da reprodução, “esse macho irá competir com os outros”, alerta.

A directora da organização Pandas International, Suzanne Braden, considera que “não se pode dizer que tenha falhado”. Xiang Xiang foi treinado para ser libertado. “Foi bem sucedido durante um ano – estava à procura de comida e a fazer progressos. Mas os pandas são ursos selvagens e os machos lutam uns com os outros”, acrescenta. Os resultados foram “tristes”, mas é preciso “ter em conta” que “se trata de um centro de investigação científica e não um Zoo”.

 

L.L.