Uma nova cidade após os Jogos Olímpicos

Pequim é hoje uma cidade parcialmente renovada. As estruturas construídas para receber os Jogos Olímpicos estão a ser transformadas em mais valias para servir a sua população e os turistas

 

Minuto a minuto, segundo a segundo, até chegar a 8 de Agosto, a data de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, o relógio no lado oriental da praça de Tiananmen lembrava também aos milhares de trabalhadores que construíam os recintos olímpicos da capital chinesa que o tempo ia acabando para erguer o futuro da capital chinesa.

Milhões de horas de trabalho de construção civil asseguraram que as infra-estruturas olímpicas estavam prontas a tempo, e que as construções para os Jogos Olímpicos cumpriam a sua missão. Essa missão consistia em provar que trinta anos depois do início das reformas económicas no país, havia que mostrar ao mundo que a China está totalmente aberta, é cada vez mais moderna e tem a capacidade de organizar sem mácula um dos maiores eventos mundiais e um dos que mais prestígio confere ao país anfitrião.

Para a cidade de Pequim, mais do que marcas desportivas e recordes, para lá dos melhores tempos e classificações, os Jogos Olímpicos permitiram a reorganização de uma parte esquecida, uma área menos nobre da grande metrópole – a zona Norte, onde se encontrava o Parque Olímpico, que alberga as principais infra-estruturas desportivas, a começar pelo Ninho de Pássaro (Estádio Nacional), pelo Cubo Aquático (Centro Aquático Nacional) e pela Aldeia Olímpica.

Goman Ho, director para a China da Arup, empresa multinacional de engenharia e design que concebeu quer o Ninho de Pássaro quer o Cubo Aquático, explicou à Revista MACAU a ideia por detrás da requalificação urbana da zona que deverá tornar-se das melhores zonas para se viver na cidade de Pequim, com uma população de mais de 13 milhões de pessoas, e a crescer.

“No passado, os habitantes de Pequim preferiam viver na zona Leste e no Sul da cidade. Na zona ocidental está a nascer o novo bairro financeiro e de negócios, o que vai atrair cada vez mais população. Só faltava a zona norte da cidade”, disse Goman Ho. “Essa zona está ainda a desenvolver-se e a zona olímpica faz parte desse desenvolvimento”.

A ideia, segundo Ho, é atrair para a zona do Parque Olímpico as classes média e média-alta de Pequim, aproveitando o chamariz do Ninho de Pássaro, do Cubo Aquático e de construções modernas como o Centro de Emissões de televisão e da rádio, também da responsabilidade da Arup.

“A Aldeia Olímpica está a ser convertida em condomínio privado e as casas todas já foram vendidas”, afirmou.

“A área vai atrair a classe média-alta da cidade desde logo porque está em frente do Parque Olímpico, uma grande área verde onde as pessoas têm a certeza que nunca vai haver construção à volta”, acrescentou Goman Ho.

A contribuir para o factor de atracção está também a modernidade geral da área. O público-alvo que vai beneficiar com as infra-estruturas inclui sobretudo jovens licenciados, muitos dos quais já estudaram fora da China e têm – ou querem ter – uma nova imagem de Pequim, a imagem de uma cidade mais moderna, em contraste com o actual centro da cidade.

“A escolha da zona para desenvolver os locais olímpicos principais foi muito feliz. Sobretudo porque não afecta a parte antiga, o centro histórico, que inclui a Cidade Proibida e o Templo do Céu”, considerou o responsável da Arup.

No entanto, dados os milhões que a China teve de desembolsar para construir as infra-estruturas, é de compreender a vontade que Pequim tem em tentar rentabilizar o investimento, quer em retorno financeiro quer na capacidade de utilização futura dos edifícios – algo que os observadores dizem que não será um problema.

O “Ninho de Pássaro”, com lotação para 91 mil pessoas, recebeu as provas de atletismo e as cerimónias de abertura e de encerramento dos Jogos. Com um custo de 3,5 mil milhões de renminbis não é de estranhar que Pequim lhe queira dar um futuro brilhante – e longo.

O governo municipal de Pequim criou uma parceria estratégica com o grupo de investimento estatal CITIC para a gestão do estádio, que será depois dos jogos um complexo desportivo e recreativo. A holding liderada pelo CITIC ganhou os direitos de gestão da infra-estrutura para os próximos 30 anos e a primeira coisa que vai fazer será retirar 11 mil lugares da actual capacidade.

O espaço ganho permitirá instalar no estádio hotéis, restaurantes, supermercados e centros comerciais, num investimento de 300 milhões de renminbis, que vai cobrir com áreas comerciais 35 por cento do total do Ninho de Pássaro, disse Li Hang, presidente do consórcio que assegurará a gestão.

“Os custos operacionais serão de 70 milhões de renminbis por ano, mas temos confiança que teremos lucro no futuro”, disse Li, que prometeu também que o local “será um centro de cultura e recreio de nível internacional”.

Mas o estádio continuará também a dar vida ao desporto. Para já ficará a sede de luxo do clube de futebol Beijing Guo’na e, segundo o grupo CITIC, a gestão está já em conversações com vários promotores de eventos e empresas desportivas, incluindo a liga profissional de futebol dos Estados Unidos e o Real Madrid.

“Vamos também vender patrocínios e os direitos sobre o nome a diversos níveis. Primeiro para o estádio em si e depois para a entrada e para as bancadas”, disse Li Hang.

O outro marco das infra-estruturas olímpicas, o Cubo Aquático, promete também ter uma longa vida após os Jogos Olímpicos. Com um preço de mais de 1,5 mil milhões de renminbis, incluindo contributos de 853 mil milhões renminbis de cidadãos de Macau, Hong Kong e Taiwan, o centro de desportos aquáticos manter-se-á na sua função original.

“Eles têm três piscinas, a principal, a de aquecimento e uma piscina infantil, o que lhes vai permitir manterem-se abertos ao público, quer como um clube restrito a membros quer de outra qualquer forma”, explicou Goman Ho, da Arup.

“O Cubo também se vai manter como centro principal de treinos da equipa nacional chinesa de natação, o que ganha cada vez mais importância porque a China é uma das novas potências nesta modalidade, onde está a apostar cada vez mais”, acrescentou.  O custo de fazer todas estas reconversões? Não passa de “trocos”, disse Goman Ho.

O Cubo Aquático é uma das maiores apostas arquitectónicas da organização dos Jogos, que garantiu já que o evento não deixará para trás um rasto de elefantes brancos e prometeu que o complexo dos desportos de piscina será usado como centro comercial e de lazer, com campos de ténis, restaurantes, lojas, bares e discotecas.

“Este edifício foi concebido para utilização depois dos Jogos Olímpicos. Sempre pensámos num período de tempo entre 30 e  40 anos”, disse à imprensa John Pauline, arquitecto do atelier PTW, que concebeu o Cubo Aquático, no dia da inauguração da infra-estrutura.

O governo municipal da cidade está confiante que o Parque Olímpico se manterá activo, até porque na actualidade existem mais propostas de realização de eventos desportivos em Pequim do que locais para os hospedar. “A zona vai também continuar viva e a receber muita gente, até porque estes edifícios são novos marcos de Pequim. Para ajudar, o governo construiu também novas infra-estruturas que tornam mais fácil atrair a população, como a nova linha de metro”, considerou Goman Ho.

O facto é que Pequim já mostrou no passado que consegue integrar na vivência da cidade as instalações desportivas. O Estádio dos Trabalhadores, mesmo no centro da cidade onde os terrenos são mais cobiçados pelos construtores civis, esteve mesmo para ser demolido, mas a decisão final foi de o manter. Com os novos estádios, deixava de fazer falta o velhinho Estádio dos Trabalhadores, um dos Dez Grandes Edifícios construídos em 1959 para o 10º aniversário da República Popular da China. O governo chinês mudou de ideias, seguindo a vontade popular.

 

* Agência Lusa