MIF 2008

A 13ª edição da Feira Internacional de Macau não deu ares de ter sido atingida pela crise mundial dos mercados. A RAEM continua um ponto estratégico onde Oriente e Ocidente se encontram para fazerem grandes negócios. E desde lâmpadas ecológicas, a café brasileiro, passando por comprimidos milagrosos, de tudo se vende. Porque há sempre quem queira comprar

 

O café vem do Brasil, o projecto é português, o equipamento de torragem e moagem do café é alemão e a empacotagem é italiana”. A SIM é uma empresa de Macau. Funciona em Macau pela mão de João Basto e representa tudo o que Macau pode dar aos empresários. Ligações à Europa e a países de expressão portuguesa, na China. Perguntar ao director da empresa porque decidiu vir para Macau passa a ser sinal de ingenuidade. Macau é uma porta óbvia para dois mundos altamente rentáveis. A SIM foi um dos mais de 880 participantes da Feira Internacional de Macau (MIF), que decorreu entre dia 23 e dia 26 de Outubro. “Todos os anos, aumenta o número de empresas estrangeiras, nomeadamente de países de expressão portuguesa. Usam a MIF e Macau para entrar no mercado chinês porque o território continua a ser um local estratégico de cooperação regional”, explicou Jackson Chang, vogal executivo do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), entidade organizadora do evento. E prova deste interesse crescente foram as presenças do ministro do Comércio, Indústria, Energia e Artesanato da Guiné-Bissau, Luís Oliveira Sanca, do ministro das Pescas de Moçambique, Cadmiel Filiane Muthemba, e do vice-ministro da economia e desenvolvimento de Timor-Leste, Rui Hanjam, na inauguração da 13a edição da MIF, dia 23 de Outubro. Se a crise mundial dos mercados parece assustar o mundo inteiro, em Macau o susto apareceu controlado. “Como é que os participantes da feira reagiram à crise mundial dos mercados? Em vez de enviarem uma comitiva com 30 pessoas, enviaram uma com oito. Mas vieram na mesma”, explica uma fonte do IPIM. O número de expositores manteve-se inalterável comparativamente à MIF de 2007, mas a crise já se notou nos visitantes profissionais. Se no ano passado chegaram aos nove mil, em 2008 só atingiram os seis mil. “Tivemos realmente menos visitantes profissionais, mas temos que entender que este ano, para além da crise, ainda houve o terramoto de Sichuan que afectou muitos empresários chineses. Considerando tudo isto, posso dizer que esta MIF superou as nossas expectativas”, explicou Jackson Chang. No último dia da feira, João Basto está com um sorriso nos lábios. O café expresso saiu muito bem naqueles quatro dias. Pode ser que seja um sinal de uma futura evolução do mercado chinês. Por enquanto, o café Olá é mais vendido em capuccino ou café de filtro. Tradicionalmente, os chineses preferem beber chá. Já os seus pais o bebiam, os avós e os pais destes. “Mesmo assim o café tem tido um aumento de consumo na ordem dos 100 por cento ao ano na China. Esta bebida está muito ligada aos padrões de vida ocidentais e isso é apelativo para os jovens urbanos que estão a aderir cada vez mais ao café”. Por enquanto, o chá anda a ganhar a passos largos e o café Olá mantém-se nos restaurantes e nos hotéis. Nos supermercados não entra. “Mas pode ser que a aculturação do café o torne tão popular como o chá. E quem sabe se no futuro não passamos a ser um produto normal num supermercado no meio da China”, explica João Basto, sorrindo.

 

O status do vinho importado

 

Também José Roseiro gostava de ver um Casa de Santar ou um Quinta do Cabriz numa dessas prateleiras. O director comercial da Dão Sul trouxe à MIF trinta vinhos portugueses. Muitos já são vendidos em Macau há cinco anos, em Hong Kong há um ano e estão neste momento a tentar entrar na China. “É a primeira vez que estamos na MIF. Na semana passada estivemos a fazer um estudo de mercado pelas principais cidades da China, nomeadamente Pequim e Xangai, e viemos a Macau para a feira”, explica Roseiro. Para o director comercial, Macau é a grande porta da China para a Europa, mas os grandes negócios são cada vez mais feitos directamente através da China. E o vinho pode vir a ser um negócio da China. “O mercado chinês está a abrir-se ao vinho, aliás é o sétimo produtor do mundo, e há uma grande abertura para os vinhos portugueses”. Tal como João Basto, José Roseiro refere-se aos consumidores mais jovens que mostram grande interesse pelo que vem do ocidente. “Beber vinho importado é uma questão de status”, admite Roseiro. Nas salas reservadas do Venetian Macau, o hotel-resort que acolheu a MIF, o movimento não pára até aos últimos minutos, da última hora, do último dia. Ainda se negoceia, se trocam cartões de visita, se apertam mãos. Nos stands das pequenas e médias empresas, o burburinho mantém-se inalterável como se o fim não estivesse próximo. De tudo se vende na MIF e há sempre quem queira comprar. Luzes que funcionam com a energia eólica e solar. Comprimidos anti-cancro. Mobília ecológica. Sapatos enormes para enormes pés ocidentais. Estatuetas moçambicanas de pau-preto. E cartões de memória baratíssimos, num stand sempre a abarrotar. Às cinco da tarde de dia 26 de Outubro, a maioria dos visitantes sai da feira com sacos cheios de panfletos, folhetos, catálogos. Se tanto papel produzirá negócios, só o futuro o dirá.

 

Sapato universal

 

AGiorostan é uma marca italiana de sapatos. O catálogo da marca está em inglês e chinês mas as fotos só reflectem o modo de estar ocidental. Homens loiros sentados em poltronas do século XIX pouco dizem ao homem chinês que vive entre mobílias lacadas. Mas Chang Man Nga viu para além da cadeira e do papel de parede. Nga é o empresário chinês que viu os sapatos e achou que os chineses iriam gostar. Tal aconteceu em 1992 quando a marca italiana passou a ser representada pela Macao SanHou Internacional Corporation. E em 1998, a distribuidora chinesa registava a marca na China continental e Taiwan. “A fábrica da marca é em Cantão e vendemos para o sul da Europa, Austrália e Médio Oriente. Mas o nosso principal mercado é a China”. Os sapatos Giorostan mais não seriam do que um bom exemplo de uma cooperação inteligente entre a China, onde a produção é barata, e as empresas europeias, não fosse um último detalhe do negócio. O detalhe que ditou o sucesso da feira. Sendo uma empresa italiana, os sapatos adequam-se ao pé do homem ocidental, que, segundo Chang Man Nga, chega ao número 46. Os pés masculinos chineses, pelo contrário, costumam rondar os 40 ou 41.”Nós temos tido muitas solicitações nesta feira por causa dos números que conseguimos oferecer. Dão para qualquer pessoa!”. Sorte do destino transformada em segredo do negócio.

 

A MIF em números

 

No último dia da feira, Jakson Chang fez questão de realçar o crescente interesse de empresas estrangeiras pela MIF, nomeadamente provenientes de países de expressão portuguesa. Ao todo, estiveram presentes 33 países, nomeadamente 13 europeus. Como a MIF é uma feira de investimento, integra qualquer área de negócio e tem obrigação de organizar diversas iniciativas, nomeadamente fóruns, seminários, conferências e apresentações. Entre as 35 iniciativas, foram realizados os seminários de Intercâmbio entre os Países de Língua Portuguesa, Fujian e Macau e da Promoção dos Produtos de Fujian. O número de protocolos assinados aumentou mais de 40 por cento, comparativamente à 12a edição. Em 2007 assinaram-se 26 contratos e este ano chegaram aos 37. O público geral chegou aos 50 mil visitantes, um número pouco abaixo do de 2007. Pelo contrário o número de expositores manteve-se nos 880. 

 

Luz em pleno mato

 

stand da Wind-Solar Street Lamps System está cheio. “É a primeira vez que estamos na MIF mas está a correr muito bem”, explica Vivian Li. A empresa, da cidade chinesa de Shenzhen, existe há cinco anos e já exporta os seus candeeiros ecológicos para Espanha, Itália e Japão, para além da China. E não é de admirar numa época de grandes preocupações ambientais. Estes candeeiros, que também estão à venda na versão simples, funcionam com energia eólica ou solar. Vivian mostra com orgulho o candeeiro que ali tem em exposição. “Ainda tem luz e está há quatro dias fechado neste stand!”. Li admite que a marca decidiu vir à MIF para expandir a sua internacionalização e o objectivo está a ser atingido. “Há muitos norte-americanos e africanos que já se mostraram interessados em importar os nossos candeeiros”. No meio do mato africano, o mais bonito, aquele onde se vêm as estrelas no céu e os caminhos são iluminados pelo luar, os sortudos ainda ouvem o gerador até às 22 horas. A partir daí a poupança exige escuridão, que o petróleo está caro. Os dias começam mais cedo em África e a deita precoce não incomoda. Mas uma luz que funcione durante toda a noite porque apanhou  sol todo o dia, é um sonho. E se a isso se acrescentar o facto de ser wireless podendo ser transportada conforme as necessidades, então é uma utopia. Mas não é.

 

Comprimidos contra o cancro

 

A caixa é amarela e tem uma fotografia das ruínas de São Paulo, o cartão de visita de Macau, na capa. Não há dúvida. O produto é de Macau. Em cima, debaixo dos caracteres chineses, está escrito: Anti-Cancer Capsules. Em português, cápsulas anti-cancro. O homem do stand nem tenta falar inglês, só aponta para uma folha onde se pede que os interessados deixem o cartão de visita. O representante, explica que esta receita existe há 30 anos na medicina tradicional chinesa, mas só agora está a ser comercializada por uma empresa de Macau. “Primeiro vamos vender aqui, depois no interior do País e depois no resto do mundo”. Estas cápsulas não prometem prevenir o cancro. Prometem curá-lo a 1000 patacas (cerca de 125 dólares norte-americanos) por uma embalagem para cinco dias. A cura prometida só vem após um mínimo de dois meses. Parece um conto do vigário. Mas o representante garantiu que 21 indivíduos que sofriam de cancro tomaram os comprimidos durante três meses e encontraram a cura. “Apareceram muitas pessoas nesta feira interessadas em importar as cápsulas. Esperamos que o negócio corra bem”.