Onda lusófona

Pode ser influência do governo central, visto como uma espécie de padroeiro das associações de matriz lusófona com a sua política de impulsionar Macau como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa. Pode ser uma moda, um efeito de contágio ou necessidade de preencher vazios. Pode ser a soma de estes e outros factores, ou, pura coincidência. Mas, certo, certo, é que nunca, como hoje, o associativismo lusófono esteve tão movimentado

 

A ideia começou a ganhar contornos em 1996, mas, por isto ou por aquilo, não aconteceu. Foi ficando assim adiada a formalização de uma associação de São Tomé e Príncipe. Na última década, a comunidade do país africano a residir em Macau cresceu e renovou-se, fruto, por um lado, de algumas partidas de fim de século e, por outro, do nascimento de várias famílias e consequentes rebentos. Foi então que finalmente aconteceu: nasceu a Associação dos São Tomenses e Amigos de São Tomé e Príncipe. “Aconteceu também devido ao espírito olímpico. Conseguimos formalizar a associação no dia 8 do 8 de 2008, dia da abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim. Fazia todo o sentido, uma vez que o maior evento desportivo do mundo acontecia tão perto de Macau”, esclarece António Costa, presidente da Associação dos São Tomenses e Amigos de São Tomé e Príncipe.

António Costa acredita que houve dois momentos decisivos que deram um empurrão na lusofonia de Macau: “A partir do momento em que o Chefe do Executivo procurou explorar melhor o mercado lusófono, nomeadamente com deslocações a alguns desses países de forma a estimular o comércio. Depois, com a criação do próprio Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre China e os Países de Língua Portuguesa. Momentos que deram um incentivo e uma esperança de que a lusofonia em Macau possa continuar a ter futuro e consistência”.

Também a presidente da Casa de Portugal reconhece que “o acarinhamento e o apoio do governo local têm dado um incentivo aos movimentos associativos. A China tem um interesse estratégico nos países lusófonos e tem uma política de promoção que está ser gerida de forma inteligente”, garante Maria Amélia António que ainda acrescenta mais factores à lista de incentivos. “A presença de estudantes de algumas comunidades lusófonas também cria a necessidade de mais apoio e acompanhamento a esses jovens, algo que é mais fácil através de entidades organizadas”.

Um grupo de pessoas que se costumava juntar para jogar futebol. Resultado? A Associação de Intercâmbio Sino-Lusofonia de Macau. Na verdade, a bola não foi o único pretexto, deu apenas o passe decisivo num projecto mais antigo. “Já havia uma intenção antiga de unir os amigos dos países lusófonos. Queríamos um intercâmbio de todas essas culturas”, explica Fong Hong Vai, presidente da associação e fã da cultura e língua portuguesas há mais de vinte anos. O intercâmbio, nomeadamente cultural, desportivo e profissional, consta dos estatutos publicados nos finais de 2007, mas também está reflectido na própria composição do grupo, com membros de outras associações de cariz lusófono, os tais futebolistas de fim-de-semana. Mais fácil por isso passar das palavras (de intercâmbio) aos actos: em cerca de um ano de existência estatutária, a Associação Sino-Lusofonia já joga em diferentes frentes e parceiros. Foi, por exemplo, participar numa parada de uma cidade chinesa na companhia do Grupo de Danças e Cantares, assim como esteve presente na celebração do Dia de África, em Macau.

Nem sequer era sócio quando, em 2006, se candidatou a presidente da Associação dos Macaenses. “Eu não sabia de nada. Não estava a par das movimentações associativas. O único palco que eu conhecia era o do Doci Papiaçam di Macau”, recorda Miguel Senna Fernandes. O agora presidente da Associação dos Macaenses continua a não estar muito a par dos bastidores de outras associações, salvo algumas (cada vez mais frequentes) excepções. “A Associação dos Macaenses está envolvida com outras, como a APOMAC e Casa de Portugal (na Festa de São João). São parceiros muito úteis e, provavelmente, nós as três somos as associações mais mexidas”.

Miguel Senna Fernandes acredita que impôs “um certo ritmo a que não estavam habituados”, talvez porque “ou envolvo-me num projecto ou não meto lá os pés”. No entanto, à margem desta autoconfiança, o encenador do grupo do teatro em patuá, reconhece que há um clima favorável que vem do outro lado da fronteira. “Há constantes sinais de acarinhamento para com as associações de matriz lusófona. Corresponde ao querer da China, se não fosse assim não éramos encorajados mas relegados ‘ao Deus dará’. A China tem apadrinhado o nascimento de mais associações, interessa-lhe a variedade”, sustenta.

Coincidência ou não, a Associação dos Amigos de Moçambique foi reactivada também nesse ano de 2006. Na presidência da direcção desde essa altura, Helena Brandão reconhece, em tom de brincadeira, que a lusofonia está na moda, muito por culpa do Fórum. “Há uma multiplicidade de actividades do Fórum – colóquios, conferências, etc. –  para as quais as nossas associações lusófonas também são convidadas a participar, tornando-se mais conhecidas”, garante. Mas, Fórum à parte, a lusofonia tem tido cada vez mais pernas para andar (sozinha). “Vê-se uma maior movimentação associativa. Quando se celebra uma data importante no seio de uma das comunidades de língua portuguesa, cada vez mais membros das restantes associações juntam-se aos festejos, normalmente em jogos de futebol e jantaradas. Há mais actividades do que antes, mais gente a participar, sobretudo gente mais nova. Até porque agora quase todas as associações têm sede própria”, esclarece Helena Brandão.

A Casa de Portugal também tinha sede própria mas não bastava. Havia mais vontade mas menos espaço. “Houve duas razões para a Casa ter conseguido, nos últimos tempos, organizar mais actividades: o espaço novo e a frustração de sentir que não existiam actividades culturais. Houve necessidade de reverter uma sensação de vazio que se criou. Foi quase biológico, uma reacção de sobrevivência”, afirma Maria Amélia António, enquanto elogia os valores existentes na comunidade portuguesa.

E o futuro?

Esta onda lusófona dos tempos mais recentes passa também menos despercebida junto das restantes comunidades de Macau, nomeadamente da chinesa. “As pessoas estão interessadas e já conhecem mais coisas de Moçambique. Durante a Festa da Lusofonia, falaram-me das praias, conhecem também algum artesanato e até os panos típicos!”, conta a presidente da Associação dos Amigos de Moçambique, Helena Brandão.

Foi promovida a Festival mas já não se livra do nome antigo: “a Festa da Lusofonia não são só três dias de festa, tem sido cada vez mais uma ocasião em que as diferentes associações lusófonas trocam ideias, tentam organizar-se e funcionar em conjunto, uma forma de obtermos mais apoios”, conta Amélia António.