“Tenho a missão de expandir a língua portuguesa”

O seu maior desejo é ajudar o Mundo a aprender a “maravilhosa língua portuguesa”. Americano de nascimento, Joseph Abraham Levi é director do Centro de Línguas da Universidade de Hong Kong, especialista em literaturas e culturas lusófonas e em história e literatura colonial brasileira. Um professor que se sente um embaixador da língua portuguesa e que considera Portugal “um país demasiado modesto”. Levi aponta que “o Governo de Portugal não aposta no desenvolvimento e expansão do português”, língua que trata como se fosse a sua, e considera que a sua “ligação à pátria de Camões pode ter tido origem noutra vida”, quando, aponta, pode ter sido um judeu-português

 

 

Minha história, minha viagem, é muito comprida e interessante. Comecei por estudar Estudos Africanos em Nápoles, Itália, onde estava a trabalhar para o Governo americano. Quando terminei a minha licenciatura fui para a Tanzânia onde dei aulas de História do Islão e de História Africana numa escola muçulmana. À noite ensinava inglês no instituto alemão. A esposa do director é portuguesa e foi ela que me apresentou esta língua maravilhosa que mudou completamente a minha vida”. Joseph Levi fala da descoberta do português com um sentimento tão profundo que até os olhos azuis brilham de regozijo. Ao decidir ir trabalhar no Algarve e posteriormente estudar na Universidade Clássica de Lisboa, certamente que não imaginaria que três meses depois já falasse a nossa língua. “Estudei português arcaico e História de Portugal e quando voltei ao meu país, os Estados Unidos, decidi fazer mestrado e doutoramento na língua de Camões e Fernando Pessoa. Naquela altura a América não estava pronta para o diálogo inter-cultural e não me deixaram fazer o doutoramento em português com concentração na África de língua portuguesa, o que me levou a optar pela Linguística Românica com concentração em italiano, espanhol e português medieval. Todavia, fiquei impressionado comigo mesmo e com os resultados obtidos na aprendizagem do português”. Doutorado, optou por ir dar aulas de português em vários países, tendo como principal objectivo “ajudar o Mundo a aprender a língua portuguesa”. Nesse processo, passou pela primeira vez por Macau e Hong Kong onde trabalhou num projecto na área da Ciência e da Tecnologia. Começou assim a sua relação com o Oriente, intensificada mais recentemente quando, em Agosto de 2008, foi convidado para ser Director do Centro de Línguas da Universidade de Hong Kong. “Cheguei com um contrato de três anos e como consequência do facto de ensinar português desde 1986. São mais de 20 anos de ligação ao ensino de português e às culturas lusófonas”, explica, sempre modesto, jeito tímido de ser, para logo, surpreendentemente, afirmar: “sabe, nasci nos Estados Unidos mas considero-me português ou, mais ainda, lusófono. Em Portugal sinto-me em casa. Prefiro escrever em português do que em inglês. Para mim é uma questão de identidade. Sinto-me tão à vontade com a língua e com as culturas lusófonas que é um prazer fomentar esta relação. É por isso que digo que um professor que esteja a ensinar línguas e culturas e que não se sinta um embaixador dessa cultura não pode ensinar bem. E os alunos percebem isso. Acredito, aliás, que o meu sucesso no ensino do português advém desse facto”. Trata-se de um caso de paixão, de profundo interesse, mas também de conhecimento. “Tive a oportunidade de ter uma licenciatura, mestrado e doutoramento em linguística portuguesa o que me permite ensinar aos alunos a origem das palavras. Enquanto um nativo de uma língua não sabe explicar a gramática, uma pessoa treinada em saber leccionar essa língua tem grandes vantagens. Estou convicto que estou a fazer um grande trabalho ao ensinar a língua portuguesa”, afirma, desta vez sem disfarçar uma ponta de orgulho.

 

Obstáculos governamentais

 

A mágoa chega então de forma subtil mas reveladora de incompreensão quando analisa o investimento da parte do Governo português nesta área. “Não só não investe de forma capaz na língua como coloca obstáculos ao seu desenvolvimento. Durante as minhas visitas anuais a Portugal faço invariavelmente questão de ir ao Instituto Camões pedir para que se invista na promoção da cultura e língua portuguesa. Sem isso não podemos fazer com que os outros países se interessem por Portugal. Infelizmente isso parece não ser uma prioridade”, opina, justificando tal posição com o facto de Portugal ser demasiado modesto. “O Governo português deveria ter uma posição um pouco mais agressiva na forma de propagandear a nossa língua. Por exemplo, o Brasil tem-se mostrado mais capaz de ter um discurso aberto, o que faz com que as pessoas tenham interesse em aprender o português segundo o padrão brasileiro. Este é um dos poucos defeitos dos portugueses. Deveríamos colocar mais ênfase naquilo que Portugal fez no passado, pois foi quem abriu o Mundo à globalização, mas muito pouco se fala disso, ignorando-se que Portugal foi, em muitos aspectos, o primeiro”.

Joseph Levi possui um ideal de difícil concretização: o de deixar uma herança linguística e cultural para as novas gerações. “Tenho a sensação que depois de mim nada será feito”. Aliás, “essa é a minha grande amargura. O Governo português deveria ajudar-me a realizar esse sonho mas a verdade é que não faz nada”, lamenta.

 

Sonho e missão

 

Em Hong Kong, só a sua universidade oferece o estudo da língua portuguesa e das culturas lusófonas. O seu esforço vai no sentido de implementar mais cadeiras e mais cursos de língua, cultura, linguística e literatura portuguesa. Porém, “infelizmente já encontrei muitas dificuldades em viabilizar o meu sonho de criar uma licenciatura completa em língua portuguesa e estudos lusófonos”, confessa.

Fala da língua portuguesa como sendo maravilhosa, um caso de paixão que não sabe como justificar.

“É como se me pedisse para descrever o amor. É um sentimento inexplicável. Porque é amor o que sinto pela língua portuguesa. Quando a ouvi pela primeira vez percebi que tinha encontrado algo que me faltava. Depois de ter atravessado o Guadiana e entrar em Portugal, senti-me tão bem, com uma paz interior tão grande, que não consigo entender. Senti-me em casa. Depois, gradualmente, aprendendo a língua, falando com as pessoas, reforçando os conhecimentos da cultura portuguesa, fui-me sentindo cada vez mais à vontade. Não há uma explicação racional. Só posso dizer que foi uma epifania. Foi como se tivesse encontrado um pedaço de mim que, desde que nasci, sabia que me faltava. Agora não posso mais viver sem a minha língua portuguesa e só espero morrer fazendo alguma coisa por ela e pelas culturas lusófonas”. Mesmo que nunca antes tivesse pensado nisso, o professor acredita em algo de sobrenatural na sua relação com a língua portuguesa e com Portugal. E confessa: “quando me encontrei com a língua portuguesa foi como se estivesse a reencontrar-me com algo que tinha perdido. Pode ser que noutra vida eu tenha sido português. Algumas pessoas já me disseram que noutra vida eu fui judeu-português, sendo essa a explicação para o meu interesse pelo mundo sefardita em língua portuguesa. Não vejo porque isso não possa ser verdade. Se não, como é que poderíamos explicar que em menos de três meses eu tenha aprendido português?” Há em Joseph uma ponta de tristeza, um ar compenetrado e pacífico, um jeito que nos remete para o fado e para a saudade. “Portugal tem algo de melancólico e a minha natureza também é assim. Sou sorumbático e estou sempre à espera que alguma coisa, boa ou má, possa acontecer”.

Colada à porta do seu gabinete está a frase “minha pátria é a minha língua”, reflectindo o que este homem de bem sente e vive todos os dias. É que, diz, com os olhos azuis agora um pouco húmidos, “o português é de facto a minha pátria”.