Um ano de consolidação

A economia de Macau não passou ao lado da crise financeira internacional. Ao longo do primeiro semestre, as receitas do jogo desceram, os visitantes diminuíram e o Produto Interno Bruto contraiu. Contudo, os efeitos foram bastante limitados. Na segunda metade do ano, surgiram sinais de uma clara recuperação económica

 

Entre os observadores mais atentos, era previsível que o ano de 2009 fosse de abrandamento e consolidação de uma economia que viveu anos consecutivos de crescimento muito elevado. Entre 2004 e 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) mais que duplicou, como consequência, principalmente, da abertura do sector do jogo a novos investidores. Em 2006, a RAEM tornou-se na “capital mundial do jogo”, ao ultrapassar Las Vegas nas receitas dos jogos de fortuna e azar. Todavia, a crise financeira internacional acabou por precipitar o momento já esperado de consolidação, tornando a situação num período de recessão técnica, com o PIB a recuar por dois trimestres consecutivos, em termos homólogos, ou seja em comparação com o mesmo período do ano anterior.

 

Alguns sinais de crise

 

O ano económico de 2009 deve ser divido em dois períodos. O primeiro corresponde, em traços gerais, ao primeiro semestre, altura que em que se fez sentir um arrepio na espinha do sector-chave da economia local. Já a segunda metade trouxe sinais diferentes, com uma retoma significativa da indústria do jogo.

No final de 2008, a crise do crédito a nível global e os excessos de algumas operadoras de jogo nos investimentos em Macau levaram a um congelamento e adiamento de projectos que estavam previstos para a zona do Cotai, nos aterros entre a Taipa e Coloane.

O PIB de Macau acabou por ser afectado por este conjunto de factores, que levaram a que a exportação de serviços, que serve de pilar muito importante para o crescimento económico, tenha começado a recuar no final de 2008.

Além disso, a suspensão de construção de hotéis e casinos fez com que a formação bruta de capital fixo – indicador que mede quanto as empresas aumentaram bens como máquinas, equipamentos e materiais de construção – também tivesse registado no primeiro semestre deste ano uma descida acentuada, na sequência do que já vinha acontecendo em 2008.

Por outro lado, o sector manufactureiro, que já vinha a perder o peso na economia local com a deslocalização de indústrias para o Sul da China – nomeadamente o sector têxtil, que no passado teve um peso muito importante no tecido económico –, foi deveras afectado pelo cenário de retracção do consumo nos mercados de destino.

 

Pesadelo evitado

 

Olhando para os números, foi visível, no primeiro semestre, uma tendência de quebra do sector do jogo, o grande motor da economia local, cujas receitas fiscais representam 72 por cento do total das receitas públicas (dados relativos ao primeiro semestre de 2009).

No entanto, a tendência de descida de 12 por cento das receitas registada no primeiro semestre acabou por ser invertida a partir de Julho, altura a partir da qual os níveis de receitas do sector do jogo voltaram a subir, em termos homólogos.

Depois de na primeira metade do ano ter havido um recuo no mercado de crédito, que também afectou o mercado VIP dos casinos, e apesar das restrições à concessão de vistos individuais de cidadãos da China continental, o terceiro trimestre veio a dar sinais de uma forte recuperação do sector VIP.

Estes dados levam vários analistas a considerar que o pior já terá passado para a indústria do jogo na RAEM, tendo a revista britânica The Economist declarado que “o pesadelo foi evitado”.

 

Emprego estável

 

Apesar dos dados económicos menos positivos que prevaleceram ao longo da primeira metade do ano, a situação no mercado de emprego manteve-se estável, sendo a taxa de desemprego de Macau – 3,7 por cento de média nos primeiros três trimestres – invejável.

Com o congelamento de vários projectos de casinos-hotéis, milhares de pessoas perderam o emprego. No entanto, a maioria dos novos desempregados eram trabalhadores não-residentes, que acabaram por regressar aos países e territórios de origem. Por outro lado, o governo começou a reduzir as autorizações para a mão-de-obra estrangeira.

 

Apoios em tempo de crise

 

Outras medidas foram tomadas com o objectivo de proteger os residentes de Macau do “tsunami” financeiro. Para 2009, o governo da RAEM lançou um plano de apoio a vários sectores da economia e segmentos da população. Os saldos orçamentais positivos acumulados desde o início da RAEM – mais de 80 mil milhões no final de 2008 – permitem ao executivo ter margem para responder a uma situação de necessidade de investimento público e medidas de apoio económico e social. O orçamento para 2009 incluiu medidas como um aumento de 600 milhões para mais de 2,1 mil milhões de patacas no fundo destinado a apoiar as Pequenas e Médias Empresas, que têm estado a ser bastante afectadas pela crise. Num cenário de recuo do investimento privado, o executivo lançou também um plano de obras públicas de pequena e média dimensão, que tem ajudado a criar postos de trabalho. Já em Abril, o governo anunciou o plano de comparticipação pecuniária, com a distribuição de um subsídio de 6 mil patacas para os residentes permanentes e 3600 para os residentes não-permanentes, e de um cheque-saúde aos residentes permanentes no valor de 150 patacas.

 

Oportunidade para diversificar

 

Numa análise ao estado da economia de Macau, os académicos Kwan Fung, professor do Departamento de Economia na Universidade de Macau, e Zhang Yang, investigador na Universidade Nacional de Singapura, consideram que o momento de quebra nos sectores do jogo e do turismo acabou por constituir uma oportunidade para Macau “examinar o seu modelo de crescimento económico e resolver alguns problemas relacionados com as infra-estruturas”, problemas que se não forem tratados de forma eficaz e adequada “podem tornar-se em obstáculos ao desenvolvimento futuro de Macau”.

O objectivo, já traçado pelo governo cessante e pelo novo Chefe do Executivo, Fernando Chui Sai On, é procurar diversificar a economia e ter um modelo económico mais sustentável. No entender de Zhang e Kwan, a forma mais adequada e viável de diversificação económica deve ter por base o turismo, com enfoque no lazer, entretenimento e turismo de negócios e convenções.

Por outro lado, a futura exploração conjunta da Ilha da Montanha (Hengqin) e o Plano de Desenvolvimento Conjunto do Delta do Rio das Pérolas serão também instrumentos determinantes para a modernização económica de Macau e para a exploração de oportunidades em articulação com Hong Kong, as Zonas Económicas Especiais de Shenzhen e Zhuhai, e toda a província de Guangdong.