O rosto do Governo

Homem de confiança do Chefe do Executivo, Alexis Tam é o porta-voz do Governo, uma ideia de Fernando Chui Sai On para concretizar o objectivo de uma Administração mais aberta e transparente

 

Nasceu na Birmânia, hoje Myanmar, veio para Macau ainda era uma criança, estudou em Taiwan, Lisboa, Glasgow (Escócia) e China. Alexis Tam, de 47 anos, é a cara do Governo da Região Administrativa Especial de Macau. Além de chefe de gabinete de Fernando Chui Sai On, foi recentemente nomeado porta-voz do Executivo.

“Queremos estar mais próximos da população e para isso temos que melhorar os canais de comunicação com os jornais, a rádio e a televisão”, disse à Macau poucos dias depois do arranque do sistema de porta-voz. “As coisas estão a funcionar”, diz, sublinhando que a nova política de comunicação do Governo permitirá que os residentes “saibam melhor o que o Executivo vai fazer, o que determinou as suas decisões”.

Os seus pais já nasceram na Birmânia, mas há mais de quatro décadas foram obrigados a emigrar. Nos anos 60 do século passado, os chineses ultramarinos que viviam em alguns países asiáticos, como a Birmânia, a Indonésia ou o Cambodja “começaram a ser perseguidos”. O pai de Alexis Tam, um mestre na arte de tratar o ouro, optou por Macau, mas foi em Hong Kong que encontrou trabalho. “Tínhamos meios financeiros, éramos donos de ourivesarias em Rangum, o que evitou que tivéssemos que ir para a China”, relata mais de 40 anos após a sua chegada a Macau. “O meu pai encontrou um bom emprego em Hong Kong, ganhava bem, mandava dinheiro para Macau. A nossa infância foi feliz, embora sem luxos”, lembra, frisando que não havia as soluções de agora, “a Internet, os jogos-vídeo, etc.”. O desporto (futebol e ténis de mesa) era a grande alternativa numa cidade pequena e pacata.

 

Padre e tenista

 

A instrução primária foi feita numa escola católica. “Frequentava a capela, ia à igreja de Santo António. As irmãs da Sagrada Família gostavam muito de mim e queriam baptizar-me, mas o meu pai não autorizou. Era o filho mais velho. O meu irmão já se baptizou”, recorda, soltando um grande sorriso quando revela que nesses anos sonhava ser padre.

O ensino secundário é feito na Escola Pui Ching, na avenida de Horta e Costa. Deixa de ir regularmente à missa, mas acabaria por se baptizar mais tarde, pouco tempo antes de casar. “Os meus padrinhos de baptismo foram os pais da minha mulher. Hoje sou católico”, nota.

No início da década de 80 parte para Taiwan para se licenciar em gestão de empresas. Aproveita os anos em Taipé para estudar mandarim. “Ainda na Birmânia aprendi alguma coisa, mas depois em Macau deixei de falar, já que quase ninguém usava o mandarim, à excepção de alguns professores que tinham vindo da China”, esclarece.

Quatro anos volvidos regressa a Macau para trabalhar, durante um ano, num banco. “Era obrigatório ir para os Estados Unidos tirar uma MBA (Master of Business Administration), mas acabei por ganhar uma bolsa e fui para Lisboa estudar língua e cultura portuguesas”, conta.

A Declaração Conjunta ainda não tinha sido assinada quando o jovem chinês chega à capital portuguesa. O Programa de Estudos em Portugal (PEP) que formou muitos dos actuais quadros bilingues foi criado mais tarde. O actual presidente do Instituto de Acção Social, Ip Peng Kin, foi seu colega em Lisboa. “Fiquei muito satisfeito com as condições em Portugal. Foi uma experiência muito gratificante”, observa.

Ainda chegou a pensar no curso de Direito, mas optou por uma pós-graduação em Estudos Europeus na Universidade Católica.

Não ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, mas conheceu por essa altura o amor da sua vida. “Foi no autocarro que nos levava para a faculdade, pois vivíamos os dois na zona do Rato. Foi-me apresentada por um colega de residência que estudava Direito”, confidencia. Maria da Conceição, hoje jurista nos Serviços de Economia, acabaria por casar com Alexis Tam, antes de se radicarem em Macau nos finais da década de 80.

 

Adjunto nos Serviços de Estatística e Censos

 

No Verão de 1989, ingressa nos Serviços de Estatística e Censos, “fui o primeiro quadro chinês a assumir funções de adjunto. Colaborei directamente com a então directora, Rosalina Nunes, nos Censos de 1990”.

Mas ao actual chefe de gabinete de Fernando Chui Sai On faltava dar novo passo na sua formação académica, “queria fazer mais um curso no exterior, já que pensava que havia outras coisas para fazer, o meu futuro não se circunscrevia à DSEC”. Acabaria por ficar mais um ano, antes de partir para a Escócia para frequentar o mestrado internacional em gestão de empresas.

 

Dos SAFP, ao IPM e Gabinete do Ensino Superior

 

No regresso a Macau, o então secretário-adjunto Jorge Rangel, que o tinha conhecido quando ajudou a fundar a Associação dos Técnicos de Macau (ATEC), de que foi o primeiro presidente, convidou-o para ingressar nos Serviços de Administração e Função Pública. “Voltei a ser o primeiro quadro chinês a chefiar o departamento de recursos humanos, onde estive dois anos”, acrescenta. Entretanto, foi admitido no curso de doutoramento em Pequim.

Com a localização de quadros e a formação a ser uma das apostas da administração portuguesa, o Instituto Politécnico entrava numa fase de crescimento. Assume a direcção da Escola Superior de Administração e Ciências Aplicadas do IPM, mas por apenas dois anos, “zanguei-me com o presidente (Oliveira Dias) por divergências quanto à estratégia e apresentei a demissão ”.

Pouco tempo depois, Jorge Rangel – que tinha sido surpreendido pela sua saída do IPM, “não o informei previamente da minha decisão” – nomeia Alexis Tam para coordenador do Gabinete de Apoio ao Ensino Superior, onde sucede a Rui Rocha, actual director do Instituto Português do Oriente. Até 1999 trabalha ainda no Fundo de Segurança Social (é presidente da comissão de fiscalização).

 

Reunião decisiva com Edmund Ho

 

No Verão de 1999, o primeiro Chefe do Executivo da RAEM começa a preparar a sua equipa. Reúne com todos os directores e quadros equiparados. No final de uma hora de conversa, Edmund Ho pede para lhe enviar o currículo. Dois dias depois, Fernando Chui Sai On marca um encontro com Alexis Tam. Durante a reunião, realizada em Setembro de 1999, convidou-o para chefiar o gabinete do futuro secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Após ter assistido, em Pequim, às comemorações dos 50 anos da fundação da República Popular, começa a trabalhar na criação do gabinete de Fernando Chui Sai On.

Em 10 anos transformou-se no homem de confiança do Chefe do Executivo. Além de continuar a dirigir o gabinete do agora líder de Macau, foi designado em Fevereiro para porta-voz do Governo.

 

Fala várias línguas e colecciona antiguidades

 

Domina várias línguas (português, cantonês, mandarim e inglês e está a estudar espanhol) e gosta de praticar desporto, nomeadamente ténis. “Na faculdade era o capitão de equipa e cheguei a sonhar em ser profissional”, narra. Todas as semanas, no Macau Dome ou no Ténis Civil, continua a bater umas bolas para manter a forma. “Sampras foi o meu ídolo, mas Federer é, de facto, o maior”, afiança.

Nos tempos livres não dispensa umas voltinhas pela rua das Estalagens e arredores à procura de móveis e porcelanas, “quando me reformar vou fazer uma exibição da minha colecção”.

Não tem escritores preferidos e adora ouvir música ligeira. Agora passa muito tempo a ler os jornais de Macau: chineses, portugueses e ingleses. O porta-voz tem que estar atento ao que se escreve, o que diz a população, o que escrevem os opinion-maker.

Em casa, fala português com as filhas, que frequentam a Escola Portuguesa. “Estou a ensinar chinês à Carolina e à Mariana, pois é muito importante que saibam a língua da sua terra”, perspectiva. A primeira nasceu em 1997 e a segunda em 1999, anos do regresso à China de Hong Kong e Macau.

Com quase 20 anos de serviço público, Alexis Tam confessa que nunca pensou em ser funcionário público, mas gestor ou administrador, “foi para isso que estudei”.

As oportunidades foram, no entanto, surgindo e mostra-se satisfeito com o desenvolvimento da sua carreira. Não tem dúvidas em garantir que está preparado, dada a sua formação, para trabalhar em qualquer sítio ou país. “O mais importante é estarmos prontos para assumir funções quando surgem as hipóteses de trabalho ”, frisa, reconhecendo que tem sido “uma honra servir Macau e ter a confiança” do actual Chefe do Executivo. Como domina as duas línguas oficiais da RAEM, Alexis Tam acha que pode ser o elo de ligação entre Portugal e a China e entre as comunidades macaense, portuguesa e chinesa.

 

Falta de tradutores não é justificação

 

Poucos dias depois da entrada em funcionamento do sistema de porta-voz,  é peremptório: “é um bom mecanismo, que está a resultar”.

O também chefe de gabinete de Fernando Chui Sai On reconhece que o Executivo aposta numa maior transparência e abertura. Para concretizar esse desiderato era prioritário estabelecer canais de diálogo com os órgãos de comunicação social.

“As pessoas não queriam acreditar que o Chefe do Executivo continuaria a falar com os jornalistas. Tinham receio de que ficasse escondido, o que não vai suceder, como já se viu”, comenta, reafirmando que sempre que haja dificuldades no contacto com os coordenadores de imprensa e de relações públicas “podem contactar comigo directamente”.

Alexis Tam admite que no passado existiram situações negativas, “alguns serviços fecharam-se, não queriam dar informação”. E deixa uma certeza: “isso não pode voltar a verificar-se, o objectivo é dizer o que se passa, o que vamos fazer, o que justifica as nossas deliberações”.

O porta-voz repara que é necessário tempo para criar uma cultura de diálogo e abertura. “É fundamental que os jornalistas percebem o que pretendemos e que as pessoas entendam que entrámos numa nova era de comunicação”, afirma com convicção.

Relativamente ao uso do português, Alexis Tam é muito claro. “É obrigatório fornecer informação na segunda língua oficial. A falta de tradutores não pode ser justificação para que não haja informação em português. Os serviços devem implementar os mecanismos necessários para que não haja dificuldades em responder ao objectivo traçado pelo Chefe do Executivo”, preconiza, sustentando que a formação de mais quadros bilingues continua a ser uma aposta. “É muito importante que Macau tenha técnicos bilingues. Se o número não é suficiente, devemos formar mais e mais, pois o português é língua oficial e o Governo Central aposta em Macau como plataforma entre a China e os países de língua portuguesa”, defende o porta-voz do Governo de Fernando Chui Sai On.