Brasil mais presente

Há mais de duas centenas de brasileiros a residir na RAEM, repartindo-se por diferentes áreas, que vão da aviação à indústria de entretenimento, passando pela docência e restauração, chegando mesmo à actividade religiosa

 

BRASIL MAIS PRESENTE

 

Festa é com eles. Durante o Festival da Lusofonia, é a barraca do Brasil que tem mais sucesso, graças à alegria, às caipirinhas, brigadeiros e samba. No resto do ano, a sua presença é mais discreta, mas começa, cada vez mais, a sentir-se, com a comunidade a crescer e, lentamente, a organizar-se.
Os números existentes não são exactos, por tratar-se de uma comunidade tão flutuante. De acordo com a Direcção dos Serviços de Estatísticas, há, pelo menos, 220 brasileiros a residir no território. A maioria são pilotos da Air Macau e suas famílias, enquanto os restantes são trabalhadores da indústria do entretenimento, professores, funcionários públicos e pessoas ligadas à restauração.
No que toca a restaurantes brasileiros, há dois – o Fogo Samba e o Yes Brasil. E os produtos brasileiros, onde se encontram? Conforme adianta Carla Martinelli, da direcção da Associação Casa do Brasil, é possível comprar carne brasileira, em especial grango, em alguns supermercados. E pouco mais.

 

 

A comunidade

 

Quanto aos problemas que afectam a comunidade, o vice-presidente da Associação Casa do Brasil, Roberval Teixeira, natural do Rio de Janeiro, fala em questões de adaptação. A maioria que vem para Macau vem numa posição boa, com um trabalho bom; e as preocupações acabam por ser as da classe média/média alta, esclarece o docente de Português na Universidade de Macau, referindo que as maiores queixas passam pela língua.

Dadas as grandes diferenças culturais entre o povo chinês e brasileiro, muitos naturais daquele país da América do Sul, acabam por desistir, regressando passado pouco tempo. Mas, afinal, do que mais sentem falta os brasileiros? Além da família e amigos, de algumas coisas que só vêem no Brasil. Sinto falta de um pagodinho ao fim da tarde”, diz Roberval, rindo.
No geral, os brasileiros que se deslocam para Macau já chegam com um contrato de trabalho e poucos são os que vêm sem garantias de emprego.

 

 

A segunda residente

 

Há 25 anos, quando Jane Martins, natural de Rio Grande do Sul, chegou a Macau, apenas um músico e um casal (que, entretanto, se foi embora) se encontravam aqui.

A presidente da Associação Casa do Brasil veio, como tantos outros, por pouco tempo, para responder a um apelo da mãe do marido, natural de Macau. Mas, quando deu por si, começou a trabalhar e, ficando até hoje, trabalha no Banco Nacional Ultramarino (BNU).
Tinha apenas 21 anos e, no início, foi difícil. Pensava que se falasse mais português; achava que nas lojas toda a gente falava português e não era assim, recorda. Nessa altura, contavam-se pelos dedos os brasileiros que aqui residiam. Mas actualmente já se contam mais de duas centenas.
Aliás, tratando-se de uma comunidade tão grande e díspar, com tantos subgrupos, hoje em dia, os únicos pontos de concentração acabam por ser o Festival da Lusofonia e os eventos desportivos, de que é exemplo o Grande Prémio Mundial de Voleibol Feminino. A associação pretende, de alguma forma, contrariar isso, promovendo, ao mesmo tempo, a cultura do país.

 

 

A associação

 

Criada há mais de um ano, o principal objectivo da Associação Casa do Brasil é, para já, trazer um representante consular para Macau, de forma a evitar a deslocação dos residentes brasileiros ao território vizinho de Hong Kong para tratar de burocracias.

Entre o cartaz de iniciativas que a associação pretende desenvolver contam-se mostras de documentários, filmes, festas por ocasião de efemérides, além de actividades infanto-juvenis e de apoio social.
Mas falta uma coisa para que possam desenvolver mais actividades. Precisamos de um local para festas/eventos, remata Natasha Fellini, filha de Carla Martinelli, com horários compatíveis com o ritmo brasileiro. Espaços com que as pessoas que chegam do Brasil se identifiquem, acrescenta Roberval Teixeira.

 

 

Pilotos, bailarinos e religiosos

 

A comunidade está longe de ser unida, com os brasileiros a juntarem-se em função das áreas profissionais. Há o grupo dos pilotos, dos dançarinos, dos religiosos, entre outros. Mas qual é o maior núcleo? Uns falam nos pilotos, mas há quem diga que estes já foram ultrapassados pela indústria do entretenimento.
No fim dos anos 90, começaram a ser contratados os primeiros pilotos brasileiros, mas foi entre 2005 e 2007 que se registou o boom, dada a falência de companhias aéreas daquele país da América do Sul, como a Varig e a VASP. Alguns foram partindo e não tem havido contratações. Desses 60, agora sobram duas dezenas.
Leonardo Araújo foi um desses pilotos. Natural do Rio de Janeiro, chegou a Macau, em Janeiro de 2007. Para ele, a adaptação foi fácil, mas, para a mulher, nem tanto. A profissão obriga a que Leonardo esteja fora mais de duas semanas num mês, e a mulher foi quem mais sentiu na pele o peso de morar noutro local.

 

 

Dança Brasil! 

 

Apesar de não haver estatísticas oficiais e de se tratar de um grupo particularmente instável  vêm com contratos por um determinado período, partem para outro sítio e muitos regressam (ou não) a Macau -, dizem as pessoas da área que, neste momento, contam-se mais de duas dezenas de profissionais ligados à indústria do entretenimento, incluindo por exemplo a companhia Cirque du Soleil. Andreia Siqueira tem 27 anos, é natural de S. Pedro, no interior de São Paulo e trabalha como dançarina em Macau. Chegou ao território, em 2007, e, desde então, já passou pelo StarWorld e pelo hotel-casino New Century.
Por seu turno, Giovanna Leoni, natural de Curitiba, participou numa audição em Macau, para executar um show de dança de salão, no hotel-casino StarWorld, em 2007, e aqui ficou. Seguiu-se uma temporada no casino Sands, acabando por ir parar ao City of Dreams.
Este tipo de dança o chamado estilo livre, comum nas discotecas locais foi uma novidade para ambas. No Brasil, Giovanna trabalhava numa companhia de dança de salão, enquanto Andreia fazia dança do ventre e samba.

 

 

Pregar em diferentes línguas    

 

A Macau acabaram por vir parar meia dúzia de pastores evangélicos e um padre católico, que integra a Igreja de São Francisco Xavier, oriundos do Brasil.
O Ministério Internacional Emanuel, de que João Félix é o pastor sénior, é a única igreja evangélica brasileira em Macau. Mas há mais pastores brasileiros, integrados noutras igrejas evangélicas.
João Félix chegou há 13 anos, estava-se então, em plena época de transferência de administração.
Era suposto permanecer em Macau não mais do que dois anos, mas, entretanto, casou-se e teve filhos, não pensando, para já, num regresso a Brasília, a terra de origem.
Assim, hoje em dia, apesar de a sua igreja destinar-se fundamentalmente a comunidades lusófonas, já acolhe filipinos e chineses.
Por seu turno, Pedro Reghelin, natural do Rio Grande do Sul, integra a missão da Igreja de S. Francisco Xavier, em Macau, há 14 anos. Antes de se fixar em Macau, aprendeu chinês na Universidade de Hong Kong.
Habituado a viajar atrás da sua missão, quando chegou a Macau apenas estranhou a língua. Hoje, passa dias sem falar português. Não sabe o número de fiéis, mas afirma que está a crescer. Ao domingo, temos três missas em chinês e 500 ou 600 pessoas a assistir.

 

 

Sim, Brasil

 

Há dois restaurantes brasileiros em Macau: o Yes Brasil e o Fogo Samba. Recorrendo a estilos bem diferentes, procuram trazer um pouco da cultura e comida brasileira a Macau.

Com as portas do Yes Brasil abertas há já 13 anos, Maria de Jesus, natural de Goiás, consegue atrair muitos clientes. Ao seu restaurante, vêm muitos brasileiros. Querem comida caseira, arroz, feijão e batata frita, declara. E não só. Os portugueses também por ali passam, bem como os chineses.
Maria chegou a Macau há 20 anos, acompanhando o então marido. Entrou no negócio da restauração, depois de uma passagem por um jardim-de-infância. Começou com um pequeno espaço, no Park’N Shop, um supermercado local, mas mudou-se depois para a zona do Largo do Senado. E dali já não quer sair.

 

 

Churrasco à moda dos gaúchos    

 

Em 2007, Iuri Volcato o gerente, natural de Rio Grande do Sul – estava a trabalhar em Hong Kong, quando foi abordado por um investidor norte-americano com uma proposta. Deslocou-se então ao Brasil, com o objectivo de investigar outras churrascarias e contratar funcionários. Pouco depois, o Fogo Samba abria.
Com o tempo, o núcleo inicial de dez brasileiros ficou reduzido a três: Iuri, o chef de cozinha e o barman. Cada um tem uma função estratégica, garantindo, assim, a autenticidade do local.
Quem ali vai pode esperar uma típica churrascaria. São servidos 15 diferentes espetos [de carne]. Os materiais utilizados para o churrasco bem como as roupas de gaúcho utilizadas pelos funcionários vêm directamente do Rio Grande do Sul.
Natural de Rio Grande do Sul, Iuri cresceu no que se costuma chamar um rancho, habituada a esta coisa dos grelhados. Já há 20 anos fora do Brasil, tendo circulado por diferentes locais, acabou por vir parar primeiro a Hong Kong e depois a Macau. Aqui adaptou-se bem, dada a dimensão e segurança. Só lhe falta uma praia bonita.