A menina dos macaenses

Jani Zhao
Jani Zhao conquistou o coração de Macau ao encarnar Thai na novela portuguesa Sentimentos. É a primeira actriz de ascendência chinesa a entrar pelo pequeno ecrã português. Em Dezembro vai a Xangai e passa por Macau

 

Jani Zhao

 

Texto Patrícia Lemos

Fotos Paulo Cordeiro, em Portugal

 

Em Lisboa, em casa da actriz Jani Zhao a comida chinesa domina o cardápio mas quando a portuguesa entra em cena, até as costeletas de porco chegam à mesa cortadas aos bocados. É de pauzinhos que se come, como manda a tradição chinesa. Nascida em Leiria, Jani gosta, claro está, de um bom Pato à Pequim ou de uma massa de fitas, mas não dispensa o bitoque. Uma preferência que deixou bem clara numa viagem a Macau. Aí tomou consciência de como é ligada a Portugal, apesar de ser filha de chineses. No Verão de 2006, após uma estadia prolongada na China que durou três meses, passou pela RAEM. “Mal chegámos fomos ao primeiro restaurante português que encontrámos. Pedimos logo um bife daqueles. Tínhamos saudades da comida portuguesa. Até a minha mãe, que é de Xangai, ficou feliz com aquela refeição.”

A actriz, de 19 anos, não se recorda bem de Macau, pois “já passaram alguns anos”, mas lembra-se da arquitectura portuguesa, da calçada e… dos pastéis de nata: “São diferentes dos de Lisboa mas também gosto deles”. Apesar das referências de Portugal em Macau, confessa que não se sentiu “mesmo, mesmo em casa”. Jani tem assim uma ligação especial à RAEM que tem as suas duas culturas.

Em Dezembro volta a passar pela Terra do Nome de Deus, logo depois de mostrar Xangai ao namorado Frederico Barata, com quem partilha a profissão e o estrelato. “Gostava de rever a cidade que – diz-se – mudou tanto com os casinos.” Confessa que aquela imagem de Las Vegas do Oriente a deixa um pouco desconfiada em relação à nova Macau. “Vou de férias com o Frederico. Está na hora dele conhecer este mundo, até porque sempre manifestou muito interesse pela minha cultura.”

 

Na pele dos orientais

Mal vestiu a pele de Hoshi, em 2008/9, na série juvenil Rebelde Way, Jani Zhao ganhou lugar cativo no núcleo duro de estrelas ascendentes da televisão portuguesa. “Sou abordada pelo público desde o início.” Mas foi com a participação na telenovela Sentimentos, gravada em 2009 em Macau, Tailândia e Portugal, que ganhou mais popularidade. “Foi um privilégio fazer o papel de prisioneira na Tailândia.” Jani encarnava uma macaense, de nome Thai, que “tinha uma mãe portuguesa adoptiva”. Por causa desse desempenho, “recebi várias mensagens de Macau e de macaenses. Davam-me imensa força nessas cartas e emails. Motivavam-me muito e estavam contentes com o meu trabalho”.

Thai foi um dos papéis mais exigentes para Jani, que foi descoberta por uma agente na rua e começou a trabalhar aos 13 anos. A dificuldade estava sobretudo ao nível das emoções, porque Thai atravessava um momento difícil na prisão. Considera uma “sorte” ter tido este “papel estrondoso no início da carreira”: “Foi um enorme desafio e até fiquei surpreendida com o meu desempenho. Não sei de onde vieram tantas emoções, mas procurei fazer esse trabalho com muita honestidade”.

Gostou especialmente de ser macaense, porque conhece bem os portugueses de toque oriental. “A melhor amiga da minha mãe vive em Macau há muitos anos. Cresci à volta de macaenses e percebo essa cultura e a maneira de estar que é diferente da dos chineses e da dos portugueses. Não é algo específico e que seja fácil de definir.”

Apesar dos seus papéis de chinesa serem uma novidade na representação em televisão, sempre sentiu muita liberdade na forma de os trabalhar. “Nunca interferiram no modo como eu construí os personagens ou nas cargas emocionais que eu ia criando. Julgo que têm a consciência de que tenho ligação ao universo que estou ali a representar.”

Admite que fica um pouco limitada por representar sempre orientais mas, por outro lado, “essas personagens são criadas para mim”. E, para ser honesta, “já me preocupei mais com isso”. Vê assim desvantagens, mas também vantagens: “Sou prova de como em Portugal se fazem apostas nas outras culturas que estão presentes no país”.

 

O orgulho dos chineses

Enquanto actriz na pele de chinesas, nunca precisou de pesquisar muito. Já conhecia bem a comunidade em Portugal, da qual afinal faz parte. “Os meus pais, ambos xangainenses, tiveram um restaurante há 12 anos. Quando eu ia à minha terra natal, Leiria, de férias, convivia bastante com chineses, alguns dos quais eram lojistas e conhecidos dos meus pais. Eles ajudavam muitos que acabavam de chegar a Portugal. Os chineses são um povo que sente a obrigação de receber os seus compatriotas, de dar conselhos e orientações.”

Esta oportunidade de viver “o outro lado” fez com que se apercebesse das dificuldades que os chineses passam fora do seu país. Foi uma vivência particularmente útil quando lhe ofereceram o papel de Sandra em Morangos com Açúcar, cujo “percurso de vida é semelhante ao de muitas pessoas descendentes de chineses a viver em Portugal”. Este trabalho foi de “muita responsabilidade”, dando a conhecer um personagem que representa algo desconhecido para a maioria dos portugueses, já que não existe um contacto assim tão próximo entre as duas culturas. Durante essa participação, “os chineses abordavam-me e davam nota de que estavam orgulhosos. E agradecem-me até por os estar a representar”.

Jani fica especialmente agradada quando outras raparigas chinesas a viver em Portugal lhe dizem que gostariam de um dia fazer o que faz “e representar aqui ou no estrangeiro a cultura chinesa”.

Desde pequena que sente necessidade de esclarecer os outros sobre a China, “porque há muitas ideias sobre os chineses no Ocidente que não correspondem à verdade e há muita gente que não conhece a China. Se calhar o meu destino é estar aqui em Portugal a dar a conhecer a cultura chinesa”.

 

Chinesa por fora, portuguesa por dentro

Nasceu em Leiria e foi para Xangai viver por cerca de quatro anos. “Julgo que os meus pais queriam que eu tivesse uma ligação mais profunda à China. Estavam certos pois essa relação é importante na minha vida hoje em dia”, garante Jani Zhao que se sente tão chinesa quanto portuguesa, ainda que essa seja “uma questão muito difícil”. A verdade é que, em casa, a cultura é oriental e fora dela é ocidental. “Não me sinto inteiramente chinesa, sinto-me diferente deles. A maneira da comunidade viver é diferente da minha. O que me torna parecida com eles é o facto de eu ter uma educação semelhante, pois os meus pais fizeram questão de incutir em mim os valores, o respeito e os princípios chineses, apesar de se terem adaptado a Portugal.”