O “Livramento” da Ásia

Seis vezes campeão asiático, Alberto Lisboa continua a sonhar com um recinto permanente para jogar e treinar. Apesar dos condicionalismos, o hóquei em patins continua a conquistar títulos para Macau e a cativar jovens

 

 

Texto Gilberto Lopes

Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

O hóquei em patins é uma tradição familiar. O pai, electricista de profissão, funcionário da Lisnave, antigo praticante, treinou várias equipas e desde muito cedo Alberto Lisboa habituou-se a seguir o progenitor por todos os lados. Ainda criança, começou a calçar os patins e a brincar com o stick. “Aos três anos, no Clube Recreativo do Feijó, já andava de patins e aos cinco entrei para as escolas de formação da Lisnave, que o meu pai fundou”, conta, recordando com emoção a sua infância. “Para a época foram anos felizes. Andava muito na rua, onde brincava com os amigos. Os miúdos de hoje não sabem o que é isso, pois já ninguém se diverte na rua.”

Aos dez anos é convidado para representar o seu clube do coração. Nas camadas jovens do Benfica sagrou-se campeão nacional em iniciados e juvenis. “Em juniores, jogámos a final, mas não foi possível conquistar o título”, lembra o actual seleccionador de Macau.

Como sucede com muitos jovens que não conseguem garantir um lugar nos seniores, Alberto Lisboa deixou então o Benfica. Carlos Dantas tinha chegado à Luz e  o treinador recrutou vários jogadores de outras equipas. Joga na Académica da Amadora, no Seixal, clube que ajuda a subir à segunda divisão. Disputa uma meia-final da Taça de Portugal (derrota com o Barcelos) e quase ajudou o Seixal a chegar à primeira divisão. “Acabámos o campeonato em segundo.” No ano seguinte, já com Alberto Lisboa do outro lado do mundo, a formação do Seixal sobe à primeira divisão do hóquei em patins português.

 

Em Macau há duas décadas

No início dos anos 90 do século passado aceita o convite para vir para Macau. Faz este ano 20 anos de permanência numa cidade que mudou muito. “Era um local pacato, calmo, onde dava gozo viver. Agora é tudo diferente, não se pode andar de carro ou de moto, pois não há lugar para estacionar. Desisti de conduzir e vou de autocarro para o trabalho [é funcionário do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais]”, lamenta. Ainda assim, pensa continuar por cá. “Macau é a minha segunda casa, estou casado com uma macaense, ainda gosto muito desta terra.”

A modalidade também mudou muito em duas décadas? “Nem por isso”, responde. “Quando cheguei, não havia quase competição. As coisas começaram a mudar por causa dos campeonatos asiáticos e dos Mundiais”, diz. Macau tinha organizado o Mundial B em 1990, competição que regressou ao território em 1998 e 2004.

Há sete anos, Macau obteve um excelente quarto lugar, o que lhe permitiu participar no ano seguinte no Mundial A. A Catalunha, que venceu o Mundial B, não competiu na elite da modalidade por decisão da Federação Internacional.

Durante anos jogador-treinador, Alberto Lisboa foi seleccionador de Macau entre 1996 e 1999, altura em que deixou a selecção, tendo regressado em 2002. O pai e Torcato Ferreira, um dos grandes nomes do hóquei em patins luso, foram os homens que mais o marcaram, mas o grande ídolo foi António Livramento. “Na minha juventude era o melhor do mundo, um jogador de enorme talento, o maior.”

Livramento era um virtuoso, mas com as devidas diferenças, Lisboa foi um excelente praticante, de bom nível técnico e com muita garra e determinação, que muito contribuiu para o crescimento deste desporto em Macau.

Nos últimos anos conquistou, de resto, muitos títulos internacionais para Macau. A selecção foi campeã asiática por seis vezes e obteve boas classificações no Mundial B. A presença na principal competição de selecções nos Estados Unidos, em 2005, foi outro marco da sua carreira. “Foi uma óptima experiência, mas evitar a descida era impossível”, admite. O mesmo sucedeu já este ano quando Macau participou, pela segunda vez, no famoso Torneio de Montreux, onde jogou contra França, Argentina, Angola e a formação da casa, o Montreux Hockey Club. “Foi a primeira vez que jogámos com as novas regras. Tivemos que aprender de jogo para jogo, o que se reflectiu nos resultados. Os nossos adversários ficam surpreendidos como é que Macau, com reduzidas condições de trabalho, consegue bater-se com equipas profissionais, que treinam todos os dias”, comenta. “Até a Índia e Israel têm mais contactos internacionais que Macau. Montreux foi uma boa ocasião para os nossos jogadores ganharem ritmo competitivo, mas o que sucede é que agora vamos ficar meses parados, pois neste momento não é possível convidar ninguém a deslocar-se à RAEM, pois não temos recinto disponível.”

Os resultados não foram positivos – cinco jogos e outras tantas derrotas -, mas Alberto Lisboa recorda que com o Montreux e a Alemanha “já foi possível dar mais luta”. “Metade da equipa do Montreux joga na selecção suíça e a Alemanha está há anos no Mundial A”.

 

Fórum é uma boa solução

A selecção fecha o ano de 2011 sem mais competições, mas em 2012 vão realizar-se o Asiático – onde Macau defende o título – e o Mundial B regressa ao Uruguai.

A falta de um espaço permanente para treinar e jogar continua a impedir o incremento da modalidade. “O Dom Bosco tem agora um piso de borracha, que não permite desenvolver o nosso trabalho”, refere. “Mas começo a sentir que existe uma maior sensibilidade para resolver o nosso problema, o que é muito positivo”, afirma.

Apesar das dificuldades com que se debate, o hóquei em patins tem atraído jovens para a prática da modalidade. “Há muitos miúdos que têm aderido aos nossos projectos, mas quando chegam a uma idade mais avançada acabam por ir estudar para fora ou desistem, pois não há grandes incentivos para apostar numa carreira desportiva”, nota, elogiando o trabalho que está a ser feito pelos monitores da Associação de Patinagem: Hélder Ricardo e Sónia Silva. Sem esquecer, a Escola de Patinagem da Casa de Portugal, que nos últimos anos tem também contribuído para o seu fomento.

O seleccionador de Macau considera que a modalidade tem hoje “uma maior visibilidade, os jovens chineses gostam do hóquei,  mas é necessário ter condições para evoluir”.

 

Política desportiva

O experiente treinador não tem dúvidas em dizer que falta uma política desportiva. “Macau é um território pequeno e tem excelentes possibilidades para desenvolver o desporto, pois dispõe de boas instalações e de dinheiro. Podia muito bem estar a meio da tabela em qualquer modalidade, mas é preciso ter uma outra abordagem, uma outra maneira de encarar o desporto. É preciso alargar os apoios”, considera. “Temos que copiar o que de melhor se faz no exterior. Identificar os jovens que têm potencialidades e apoiá-los, de modo a evoluir. Os resultados acabarão por chegar. Como isso não sucede, é difícil evitar que desistam e são muito poucos os que apostam numa carreira desportiva”, assevera.

Para manter a forma, Alberto Lisboa ainda dá uma perninha na equipa de futebol da Casa de Portugal, que garantiu a subida à segunda divisão. “Aceitei o desafio do Pelé [treinador da Casa de Portugal] e tem sido muito bom, dado que além dos aspectos desportivos tem sido possível manter-me em forma.”

Benfiquista, “mas não sou maluco, não fico doente com os maus resultados”, Alberto Lisboa adora automóveis, “passo algumas das minhas horas livres em volta dos carros”.

Gosta de se divertir com os amigos, trocar dois dedos de conversa e não dispensa uma boa partida de cartas.