O recorde português

Na hora de saborear o pão quente com sabor europeu, há rumaria à padaria do “portuga”. Miguel Alves foi durante anos o único português a viver em Dongguan. A família lusitana aumentou e acaba de chegar aos nove membros. Um número nunca antes visto na cidade de sete milhões de habitantes

 

 

Texto Vanessa Amaro

Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro, em Dongguan

 

“O pão do ‘portuga’ é bom demais.” Quando se fala em português em Dongguan, a comunidade estrangeira, e especialmente a brasileira, pensa logo na padaria de Miguel Alves, o primeiro português a instalar-se na cidade já lá vão 10 anos.

Os negócios do agora empresário não passam desapercebidos. Os anúncios do seu Café Lisboa, das suas pizzarias Calzone ou do seu recém-inaugurado talho gourmet estão em todos os lados.

Com uma longa história de emigração no currículo, com passagens por Brasil, Suécia, Alemanha, Médio Oriente e mais um punhado de destinos, Miguel Alves chegou à China também por intermédio do mundo dos sapatos. Uma namorada brasileira que tinha na altura recebeu um convite para trabalhar na indústria do calçado em Dongguan. Miguel foi atrás e não tardou em arranjar trabalho no ramo da hotelaria. Mas queria voar mais alto e por isso ia juntando tostões e aprendendo mandarim para abrir uma pizzaria que seria a primeira da cidade.

Onze anos depois de ter chegado, Miguel achava que já tinha os trunfos para abrir o seu restaurante. Fê-lo em 2003, numa altura em que cada vez mais estrangeiros chegavam a Dongguan e não tinham nenhuma opção de restaurante italiano à escolha. Até então, Miguel continuava a ser o único português.

Dois anos depois, aventurou-se com uma casa de comida portuguesa, O Lusitano. Mandou vir o pai de Portugal para ser o chef de cozinha e ia a Macau buscar os ingredientes que precisava para evoluir com o negócio. “Ainda hoje não é possível encontrar nenhum produto português em Dongguan. Ia a Macau e voltava carregado de bacalhau, chouriço e vinhos.”

Sem portugueses para se deliciarem com as suas iguarias, o empresário viu o restaurante a dar para o torto. Ainda aguentou dois anos, mas teve de encerrá-lo e o pai regressou a casa. “Não havia público suficiente. Os brasileiros não conheciam assim tão bem a gastronomia portuguesa e os chineses pouco se interessavam.” Ficou então com todo o equipamento de restauração semi-novo e decidiu abrir uma filial da pizzaria, que já tinha ganho prémios internacionais em Nova Iorque ou Paris pelas pizzas que fazia. E voltou a ser o único português por aquelas bandas.

No início do ano passado, o empresário ampliou os negócios e inaugurou o Café Lisboa, onde o pastel de nata é o rei. Com fotos da capital portuguesa à mostra nas paredes e uma pequena biblioteca com obras portuguesas, o espaço com esplanada transformou-se em ponto de encontro da comunidade ocidental. Mas Miguel começou a ver que estava a ficar com muitas responsabilidades e que não tinha tempo para tratar sozinho da gestão do seu império.

E foi assim que a comunidade portuguesa sofreu, de repente, um grande incremento. O empresário convenceu a irmã, Susana, e o cunhado, Luís Oliveira, a mudarem-se de Lisboa para Dongguan. “Nunca imaginei que um dia iria viver na China. O meu irmão dizia maravilhas da cidade, mas eu não acreditava muito. Como a situação em Portugal começou a ficar crítica, o meu marido e eu decidimos que era hora de partir, trazendo a nossa filha connosco. Foi a nossa melhor decisão”, conta Susana.

Luís Oliveira tinha um emprego estável como chefe de uma repartição dos Correios e ganhava o suficiente para sustentar a família. Mas sentia-se encurralado com as notícias da crise em Portugal. “Foi uma mudança ponderada, mas sabíamos que na China também teríamos estabilidade, porque os negócios do meu cunhado correm muito bem. Agora pensar em regressar está totalmente fora de questão.”

O homem dos Correios é o responsável pelo Café e, em menos de um ano, fala mandarim “suficiente para não morrer à fome”. Já Susana ficou como gerente da pizzaria, que tem uma secção de padaria e longas filas pela manhã. É o único estabelecimento da cidade que vende pão ao estilo ocidental. A doçaria portuguesa tem lugar de destaque e é toda confeccionada à mão, sem o uso de máquinas. E é aqui que entra mais um português, o pasteleiro Ricardo Lopes, que até Novembro do ano passado nunca tinha pisado fora dos Açores.

Ricardo foi recrutado através de um anúncio num jornal português. Sem emprego na ilha, decidiu embarcar na aventura. Diz-se ainda um bocado assustado por ver tanta gente e por estar num lugar onde não entende nada. Mas comanda dois chineses na cozinha. São eles que preparam as massas e controlam a cozedura do pão. Diariamente, mais de 300 bolos tipicamente portugueses são vendidos nos negócios de Miguel, sem contar outras centenas de pães.

As pizzarias ganharam ainda outro fôlego quando Miguel decidiu fazer entregas por toda a cidade. “Foi uma explosão de clientes. Agora tenho seis carros que passam o dia de um lado para o outro.” O que antes era uma coisa pequenina, de 45 metros quadrados e capacidade para 10 pessoas, hoje é um restaurante vistoso, que ocupa mais de 360 metros quadrados no distrito de Dongcheng.

Com o crescimento da comunidade lusófona, Miguel decidiu avançar no início deste ano para um negócio com retorno garantido. Um talho com carnes de primeira linha e uma secção de charcutaria, com queijos estrangeiros e uma selecção a dedo de enchidos portugueses.

Pelo meio, chegaram mais dois portugueses – um casal do Norte que arranjou emprego na indústria do calçado local. A família lusitana alcançou então a cifra de oito membros e acabou de ficar maior. A vida da família Alves-Oliveira corre tão bem em Dongguan que já há resultado à vista. Gonçalo, acabadinho de nascer, é totalmente made in China e entra para o nono lugar do ranking.