Samba com batucada chinesa

Tocam tambores e dançam samba, cantam em português, agitam o corpo e sorriem com ginga, mas são chineses. Sambasia Pequim é a única escola de percussão da China e o único grupo artístico que combina música e dança tradicionais do Brasil e da Ásia

 

 

Texto Vera Peneda, em Pequim

Fotos Wang Zi

 

Tarde de domingo no 798, um dos distritos artísticos mais famosos de Pequim. Cerca de 20 graúdos e miúdos estão prontos para participar numa aula de percussão de pé descalço com o Sambasia. São todos chineses, tocam tambores e dançam samba, cantam em português, agitam o corpo e sorriem com ginga.

Quando invade a rua ou enche salas de espectáculos, o Sambasia é energia pura e a sua música contagiante é a melhor embaixadora da cultura brasileira e do português em Pequim.

 

Ginga chinesa

“Eu sempre quis ser uma estrela de rock”, conta Xiao Yong, de 33 anos, que realizou o seu sonho de ser baterista na banda chinesa de música alternativa Meihao Pharmacy (美好药店). “Gostava mesmo era de música pesada e canalizava a minha raiva para a bateria. Até que descobri uma batida totalmente diferente, um ritmo que põe as pessoas alegres.”

Com um apito na boca, os braços no ar e um tambor que lhe tapa as pernas até aos tornozelos, Xiao lidera um grupo de cerca de 30 chineses que fustigam tambores e dançam samba e cantam em português. Xiao, ou “Mano”, como é conhecido no grupo, é o director artístico do Sambasia.

O Sambasia toca samba-reggae, um género originário do estado brasileiro da Bahia. É uma fusão de samba com reggae da Jamaica que incorpora outros estilos musicais como o afoxé, olodum e o maracatu, que não são fáceis de identificar para quem não é brasileiro ou nunca visitou o Brasil, como Yang Tian, 24 anos. “Gosto de samba-reggae por causa da sonoridade étnica que me faz sentir próximo da natureza. São tons tão simples mas inspiram tantas emoções”, disse Yang, que toca piano há mais de 15 anos. “Toco muito Mozart e outros compositores clássicos, mas o samba-reggae é mais aberto e relaxado. Sinto-me livre física e psicologicamente”, acrescentou.

Já Ye Feng, 28 anos, entrou para o grupo há um ano depois de ter visto um espectáculo ao vivo. “Pensei logo que tinha de fazer parte daquela festa, daquela energia”, relembra. Antes de ingressar no grupo, considerava-se uma pessoa tímida. “Sou tremendamente feliz quando estou no palco com o Sambasia. Agora sou muito mais descontraído e falador.”

 

Multiculturalidade

“Qualquer pessoa pode juntar-se a nós e aprender a tocar tambores”, nota Xiao, que aprendeu percussão com o músico norte-americano Jimmy Biala, fundador do Sambasia em São Francisco, nos Estados Unidos. Biala tem formação em música cubana e brasileira e criou o colectivo a partir da ideia de construir pontes culturais entre as diferentes comunidades da área da baía de São Francisco. Em Maio de 2006, implementou o grupo na Ásia, numa altura em que vivia em Pequim. “Eu via o Jimmy e também queria ser capaz de espalhar boa energia através dos tambores”, recorda Xiao que ainda não fala português.

O nome Sambasia evoca o encontro de duas culturas num grupo heterogéneo, constituído por pessoas de idades compreendidas entre os 20 e os 40 anos que são estudantes, professores, artistas, engenheiros ou empregados de escritório. O Sambasia pretende ser “um pólo de actividade social e fonte de orgulho comunitário, de sentido positivo e de esperança numa sociedade económica e socialmente dura”, de acordo com as intenções divulgadas pelo grupo. A maioria é chinesa mas também há membros do Japão, Israel e Brasil. “A música criou esta comunidade de amigos muito além das barreiras culturais, de idade ou das nossas experiências pessoais”, enfatiza o líder do grupo.

“Quem diria, há samba na China! Vou ter de experimentar”, pensou Mai Akamatsu, 37 anos, do Japão, quando viu o Sambasia actuar há cinco anos. Akamatsu, que é uma das principais cantoras do grupo, nunca tinha trabalhado com música antes. “Nunca estudei música, mas, tal como a dança, sempre foi um dos meus interesses pessoais.” A japonesa garante que não é difícil domar um tambor, basta ser persistente e empenhado. “Claro que a música e a cultura brasileiras nos juntaram, mas é o sentimento de pertencer a uma comunidade tão alegre que faz dos Sambasia uma experiência espectacular”, acrescentou. “Desde que pertenço ao grupo que quero saber tudo sobre a cultura brasileira e vou aprendendo um pouco de português. A música proporciona uma ligação universal que vai além de uma cultura ou idioma.”

 

Embaixadores brasileiros

Lojistas e residentes pararam tudo para espreitar o que se passava quando o Sambasia começou a tocar tambores e a dançar samba na rua principal do Wudaoying Hutong, um bairro tradicional chinês em Pequim, durante o DocBrasil, o único festival de documentários brasileiros na China. “Podiam vir mais vezes, assim a rua é mais alegre. Mas estes jovens são de que país?”, perguntou uma residente chinesa, que saiu à rua em pijama e com o neto ao colo, e não resistiu a dar um pezinho de dança sem perceber que afinal o grupo era chinês. “Sambasia é óptimo, eles não falam português mas o espectáculo é um pacote de ‘cultura e língua’, que é importantíssimo na divulgação lusófona”, considera Fernanda Ramone, directora do festival que convidou o Sambasia a actuar no Hutong.

Trazendo música para as ruas, esgotando concertos ou ensinando as artes do tambor e do samba, o Sambasia cresceu de uma formação inicial de 15 pessoas para um núcleo forte de mais de 30, cerca de 100 colaboradores e centenas de fãs. O grupo também já partilhou o palco com conceituados músicos chineses, como a lenda do rock Cui Jian e a banda mongol Hanggai, originando cruzamentos musicais inauditos. Com mais de 300 espectáculos no currículo, o Sambasia foi a primeira escola de percussão e samba não brasileira convidada a participar no Carnaval de Salvador da Bahia em 2008.

Tarsila Borges, 30 anos, brasileira residente em Pequim, entrou para o grupo há menos de seis meses e descreve uma experiência inesperada. “Tem sido uma descoberta. É tão curioso ver-me a cantar as músicas do meu país junto a um grupo de chineses e perceber que é um chinês me está a ensinar a ouvir e entender a música brasileira de uma forma nova.”

Tarsila ajuda os cantores do grupo a entender e interpretar o significado das músicas em português, da mesma forma que uma professora brasileira de dança dá lições de samba. “A música é o primeiro contacto destas pessoas com a cultura brasileira, mas depois perguntam: ‘Qual é o nome daquele violão pequenino que usam lá no Brasil? O que significa a palavra saudade?’ É muito bom ver o interesse que pessoas de um contexto tão distinto nutrem pelo meu país e pela minha cultura.”

A brasileira descreve o grupo como um verdadeiro embaixador da cultura brasileira na China. “O Sambasia é essencialmente chinês, por isso atrai e cativa a audiência chinesa de forma mais intensa que um grupo brasileiro que vem visitar a China consegue fazer”, explicou. Tarsila actuou com o grupo pela primeira vez em Junho, quando o Sambasia celebrou o seu quinto aniversário no Mao Live, uma das casas de espectáculos musicais mais populares da capital chinesa, que encheu com cerca de 400 pessoas. “Foi inacreditável! O salão apinhado de gente e só se viam alguns estrangeiros entre o público. Quando cantámos uma música popular chinesa em estilo de samba-reggae, a multidão ficou completamente louca de alegria.”

Até agora não houve um contacto com Macau ou Portugal, mas se surgir um convite o Sambasia fica contente com a oportunidade de divulgar como os chineses também sabem e gostam de sambar, com ginga chinesa.