Lusófonos, criativos e empreendedores

É na estratégia de aproveitamento de nichos de mercado que as oportunidades estão a florescer e que pequenas e médias empresas de países da lusofonia têm vindo a posicionar-se na economia de Macau

 

 

Texto Cláudia Aranda | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Indústrias criativas, estética e cuidados de saúde, actividades culturais e artísticas, restauração e pequeno comércio alimentar, assim como importação e comercialização de vinhos, são alguns dos sectores onde se tem fixado um crescente número de empresários lusófonos em Macau. Estes empreendedores são, regra geral, macaenses ou residentes locais com nacionalidades de países de língua portuguesa, que mantêm laços com as culturas angolana, brasileira, cabo-verdiana, guineense, moçambicana, portuguesa, são-tomense, timorense ou, até, goesa.

O mercado asiático está na mira de uma boa parte destes pequenos empresários lusófonos. Alguns já estão a estabelecer contactos e parcerias de modo a consolidar a sua presença a médio ou longo prazo na China e beneficiar das potencialidades do maior mercado do mundo, com mais de mil milhões de pessoas. Mas, no entretanto, é em Macau, ponto de confluência de comércio e de culturas entre a China e o Ocidente e plataforma privilegiada na relação com os países de língua portuguesa, que pequenos negócios se estabelecem e se consolidam.

O carácter business friendly da cidade é o principal atractivo. A carga fiscal é reduzida e o Governo apoia as pequenas e médias empresas com empréstimos sem juros. Os pequenos empresários buscam, por um lado, o diferencial ou a vantagem competitiva face às indústrias dominantes do jogo e do turismo. Mas, por outro lado, há interesse em agarrar as oportunidades que surgem associadas a essas mesmas indústrias.

O aumento do número de visitantes que entram diariamente em Macau tem permitido transformar oportunidades em negócios lucrativos. A comunidade de expatriados a trabalhar nos casinos e na indústria do entretenimento também é um mercado que se torna cada vez mais interessante, à medida que vai crescendo. As estatísticas são reveladoras da importância desses mercados e os empresários lusófonos têm estado atentos às oportunidades que podem surgir. Macau recebeu em 2011 mais de 28 milhões de visitantes, número que corresponde a um aumento de 12% em relação ao ano anterior, de acordo com a Direcção dos Serviços de Estatística e Censos (DSEC) do Governo da RAEM. A despesa total estimada dos visitantes, excluindo as despesas no jogo, alcançou 45,3 mil milhões de patacas em 2011, um aumento de 20 por cento face ao ano anterior.

Por outro lado, dados de Março de 2012 indicavam que havia 98.664 trabalhadores não-residentes, num universo populacional que atingiu já os 562.900 habitantes.

 

Dinâmica empresarial cresce

No que diz respeito a novas companhias estabelecidas na cidade com origem em países de língua portuguesa, 27 empresas, com capital social no valor total de 3,241 milhões de patacas, estabeleceram-se na cidade entre Abril de 2011 e Março de 2012, de acordo com os dados fornecidos à MACAU pela DSEC.

Portugal é o local de residência habitual de, pelo menos, 24 dessas companhias, com capital social no valor de 3,217 milhões de patacas. Não houve registo de empresas de Cabo Verde, Guiné-Bissau ou Moçambique durante aquele mesmo período.

Em termos de ramo de actividade económica, das 24 companhias portuguesas estabelecidas no último ano, nove inscrevem-se no sector do comércio por grosso e a retalho. Outras sete nos serviços prestados às empresas, quatro nas actividades imobiliárias, recreativas, serviços culturais, desportivos e outros. Por último, outras quatro registaram-se no sector da educação, saúde e bem-estar e serviços financeiros.

Os empresários residentes de Macau continuam, no entanto, a ser quem mais constitui sociedades no território. Os dados relativos às sociedades constituídas em 2010 e 2011 indicam que Macau é a maior proveniência do capital social das empresas, segundo a residência dos sócios. Por outro lado, há registo de um crescimento progressivo do número de sociedades constituídas nos últimos dois anos, conforme estatísticas oficiais.

Das 3405 sociedades criadas em 2011 (mais 13,8 por cento do que em 2010), acima de 2000 eram compostas por sócios com residência em Macau. O capital social das empresas constituídas totalizou 983 milhões de patacas. Desse valor, cerca de 743 milhões de patacas era proveniente de Macau, seguindo-se o Interior do País, que constituiu sociedades com capital social avaliado em 135 milhões de patacas, enquanto Hong Kong totalizou 67 milhões de patacas.

Essa tendência manteve-se no primeiro trimestre de 2012. Analisando a residência dos sócios, Macau voltou a ser a maior proveniência, com 69 milhões de patacas, seguido de Taiwan, com 50 milhões de patacas, e do Interior da China, com 27 milhões.

 

 

Investir no “Tacho”

Herculano Dillon de Jesus – Restaurante Lagoa Azul

 

 

Cozinhar é o passatempo favorito de Herculano Dillon de Jesus, que tem vindo a apurar a oferta de pratos macaenses e portugueses no Restaurante Lagoa Azul, aberto no ano passado na avenida da Praia Grande. “Como já sou reformado decidi abrir o restaurante. Eu é que cozinho, gosto, é um hobby que tenho”, diz.

Quem ouve este antigo corredor de motociclismo do circuito japonês e chinês e piloto de carros do Grande Prémio de Macau de Fórmula 3 apercebe-se rapidamente que cozinhar é uma das suas paixões, para além, claro, do desporto motorizado. A cada dois ou três tópicos da conversa sobre o seu percurso de vida ele introduz um elemento de culinária. Ora fala das características do açafrão e das folhas de louro, ora explica como preparar um prato. O espaço da cozinha partilha-o com uma ajudante chinesa, que aprendeu com ele como preparar especialidades da cozinha portuguesa e macaense.

Mas Dillon tem que estar sempre presente para assegurar que a cozedura da carne fica no ponto, nem crua nem muito passada. “A comida deve ser feita 70 por cento de antemão e os outros 30 por cento na hora da entrega”, explica Dillon.

O cozinheiro prossegue entusiasmado explicando os detalhes culinários do “Tacho” e do “Bafa-Assa”, especialidades macaenses. “Primeiro abafa-se e depois assa-se. Começa-se por fazer um refogado, põe-se o lombo inteiro e deixa-se abafar um bocado e depois assa-se, deixa-se arrefecer e corta-se às rodelas. É um tipo de rosbife.”

Herdou o apelido Dillon da mãe, filha de mãe equatoriana e de pai australiano imigrados na China. A mãe, que após o fecho de fronteiras no seguimento da fundação da República Popular da China em 1949, havia ficado retida na China, foi resgatada pelo pai. O progenitor era um português de segunda geração, com família originária de Xangai, que trouxe a mãe para casar em Macau, após um romance por correspondência trocada através do moço de recados que ia e vinha fazendo de correio.

Portugueses, chineses, macaenses, russos, japoneses, moçambicanos são algumas das nacionalidades que mais frequentam o restaurante. Os pratos com mais saída são o minchi, a feijoada, o peixe preparado à moda do Mediterrâneo com limão e orégãos e grelhado na chapa. O bife também tem muita saída “grelhado com sal marinho e quando está pronto sacode-se o sal, é muito fácil”.

Dillon lamenta que haja tão pouca gente hoje a querer “investir e aprender” as especialidades da cozinha macaense. O cozinheiro acredita que ainda tem muito para descobrir. “Sei cozinhar muitas coisas mas de comida macaense conheço apenas uns quatro ou cinco pratos, os mais populares”. Mas ainda “há pratos de pormenor que dão trabalho que eu vou aprender”. Dillon tem as velhotas amigas, que prometeram ensinar-lhe os truques. A julgar pelo talento e o entusiasmo, tudo indica que o cozinheiro continuará a contentar o apetite dos seus clientes com novas propostas de gastronomia local durante muito tempo.

 

 

Recriar, partilhar e reciclar a cidade

Débora Costa e João Oliveira, loja Massala – Re’Creation Grounds

 

 

A Massala – Re’Creation Grounds, inaugurada em Fevereiro de 2011, é muito mais do que uma loja de roupa, explicam a psicóloga Débora Costa e o engenheiro de som João Oliveira. O projecto reflecte o percurso e a influência multicultural do casal. Débora nasceu em Macau, filha de pais moçambicanos, João é de Beja, Portugal, mas viveu cinco anos na cidade antes da transferência. “O espaço é um reflexo dessa mistura e das viagens que fizemos”, refere Débora Costa.

O estabelecimento situado na rua da Alfândega é um espaço multifuncional, que se divide em quatro áreas, que se pretendem interactivas e, nas quais, se desenvolvem as acções da Massala. O jogo de palavras implícito no nome do estabelecimento pressupõe um processo contínuo de criação e reutilização, de troca e de partilha. Para quem entra no estabelecimento, ou na “sala re’creational ground”, a primeira secção com que se depara é o Go Native – Clothes and Crafts, que consiste na loja de artesanato, roupas e livros. Segue-se o Mingle Eat – Arts and Culture, espaço de arte e cultura, aberto a exposições, concertos, workshops ou projecções de filmes. Ao fundo, encontra-se o Veggiebites – Coffee Store, espaço para café, chá, mercearia e encomendas de comida vegetariana. Por último, Recycle your City – Handmade Furniture é dedicado ao aproveitamento e restauro de objectos usados.

Este último conceito encontra-se aplicado no próprio estabelecimento restaurado pelo casal com apoio de familiares. Grande parte do mobiliário foi recuperado do lixo e reciclado. O casal começou já a trabalhar noutros espaços onde fazem trabalhos de restauro e decoração, com utilização de objectos usados e reciclados. Quanto aos produtos à venda são escolhidos com critério: “Vamos aos locais de origem perceber como são feitos”. Neste espaço, incluem-se, também, artesanato e peças únicas de artistas locais.

Ambos acreditam nas vantagens de cruzar e partilhar ideias e experiências com a rede de criação artística que existe em Macau, onde se incluem iniciativas, sobretudo, na área do teatro e do design. “Há pessoas com projectos que são alternativos como o nosso mas que não são iguais ao que nós fazemos, há uma singularidade em cada actividade”, diz João Oliveira. “Tentamos ser um espaço dinamizador, mas estamos abertos a que venham até nós propor ideias. Queremos que haja interactividade e reciprocidade no que fazemos”, afirma Débora Costa.

Entre essas acções, incluem-se actividades educativas na área da reciclagem e workshops de comida vegan. O objectivo “não é impor conceitos mas, sim, mostrar que há formas alternativas de comer ou de estar na vida”. Por outro lado, dentro do conceito recycle your city, os dois sócios pretendem convidar as pessoas a “parar para pensar” nos seus gestos do dia-a-dia, de modo a contrariar o espírito consumista da sociedade actual. Isso passa por transmitir a ideia de que “agarrar num objecto que tenho em casa ou na rua e reutilizá-lo pode ser parte da nossa vida”.

A médio prazo, o objectivo é tirar rendimento económico da multifuncionalidade do espaço. Débora acredita que estão “a meio caminho da consolidação do conceito versus a parte económica e funcionar de maneira a que uma parte sustente a outra”.

 

 

A elevar os padrões de criatividade

Denise Lau – Icon Communications

 

 

A Icon Communications é uma empresa vocacionada para o design e produção de audiovisual que ganhou já competitividade internacional, em termos da criatividade e qualidade dos vídeos produzidos. Destaca-se, por isso, no universo ainda limitado das indústrias criativas de Macau. Mas foram necessários alguns anos e muitas viagens pelo mundo para que a criativa e directora da empresa Denise Lau se estabelecesse na cidade para fundar a Icon Communications em 2006 e constituir escritório em 2010.

Neta de moçambicana de origem chinesa e de avô são-tomense, Denise Lau viveu a infância e a adolescência entre Moçambique, onde nasceu, o Brasil, Portugal e Macau. A multiculturalidade faz parte da sua vida, está-lhe no sangue mas, sobretudo, na forma dinâmica e universal de viver e de ver o mundo.

O pluralismo é também cultura de empresa da Icon Communications, com funcionários portugueses e macaenses, incluindo o gestor de projectos Rui Borges, que viveu a infância em Macau mas estudou na África do Sul, onde absorveu conhecimentos e influências que se reflectem na originalidade dos vídeos produzidos pela empresa.

A Icon  Communications até agora orientada para a produção de conteúdos de vídeo e imagem para clientes australianos e americanos, está, entretanto, a posicionar-se no mercado local. “Somos uma empresa de Macau e é bom haver empresas especializadas que possam oferecer um serviço de qualidade nesta cidade. Macau precisa disso”, diz a directora da empresa.

A empresa tem vindo a tentar impor padrões de qualidade cada vez mais elevados. Em Macau, estão a surgir movimentos “sensíveis à criatividade que começam a querer que a comunicação se aproxime de uma visão mais internacional”, refere Rui Borges. Além disso, a cidade está a ganhar outras plataformas de público.

Até agora, a comunicação e publicidade das empresas locais era muito orientada para atrair os jogadores do Interior do País. Mas a cidade começa a receber clientes de outras partes do mundo. “Há, inclusive, um boom de turistas indianos que vêm para a cidade fazer casamentos, exposições ou eventos”, refere o gestor de projectos. Com esta necessidade de satisfazer um novo tipo de clientes cria-se também um maior apetite para outro tipo de comunicação e de imagem.

A companhia está actualmente em condições de produzir audiovisual com tanta qualidade como Hong Kong, mas a preços mais competitivos. No território vizinho, “é tudo proporcionalmente mais caro e aqui conseguimos ter preços mais baixos e manter os padrões de qualidade. Ao cliente interessa-lhe é pagar um valor baixo mas com qualidade”, frisa Rui Borges.

Denise Lau pretende começar ainda este ano a promover a empresa no Interior da China através dos parceiros no terreno. “Estamos a detectar interesse e necessidade de empresas chinesas que estão a expandir e querem avançar para mercados internacionais e que procuram empresas de Macau e Hong Kong que façam essa ponte”, explica Rui Borges. Denise Lau acredita que a empresa está bem posicionada para fazer essa ligação com as empresas chinesas a partir de Macau, que é a “porta da China para os países lusófonos e não só”.

 

 

O fiel farmacêutico

Carlos Santos – Farmácia Lotus

 

 

Oferecer qualidade e confiança na prestação do serviço farmacêutico às comunidades de Macau tem sido desde sempre a missão do farmacêutico Carlos Santos, proprietário da Farmácia Lotus, na Taipa. Foi com esta preocupação que o farmacêutico chegou em 1984 a Macau. Vinha então como responsável técnico para a organização do sistema farmacêutico e a criação de condições para a elaboração e aprovação da legislação, outorgada em 1990, e que continua em vigor.

A qualidade do serviço farmacêutico foi também o princípio estabelecido para a rede de farmácias que ajudou a implementar em Moçambique, entre 1996 e 2006. E foi com esse espírito que regressou a Macau para criar o novo projecto em 2009, em sociedade com a mulher e com o cunhado, moçambicanos de origem chinesa. A Farmácia Lotus é um estabelecimento que “pode proporcionar uma qualidade técnica e apoio em termos de serviço farmacêutico à altura das necessidades das pessoas”, garante Carlos Santos.

Para o farmacêutico, a maior dificuldade enfrentada pelas farmácias passa pelo facto de terem sido desprovidas daquilo “que é a essência de negócio”, que é a venda de medicamentos. Segundo Carlos Santos, a maior parte das vezes o utente não sente necessidade de ir à farmácia, uma vez que pode obter os medicamentos nos hospitais ou clínicas, sejam públicos ou privados.

Carlos Santos tem tentado contrariar essa tendência, demonstrando aos utentes a mais-valia que representa manter um contacto estreito com o farmacêutico, aconselhando-os e transmitindo uma mensagem de confiança, com vista a fidelizar os clientes. “Procuramos de forma muito personalizada resolver os problemas individualmente de cada pessoa”, explica.

O farmacêutico tem conseguido fidelizar especialmente a comunidade macaense, portuguesa e de expatriados. Segundo ele, estas comunidades valorizam o papel do farmacêutico, mas, segundo constata, para a grande maioria da população o mais importante é o custo dos medicamentos. E, havendo alternativa, os utentes escolhem a opção mais barata sem ter em conta a importância do atendimento por parte de um técnico especializado.

No entanto, explica o especialista, num contexto comunitário, “o farmacêutico é o último elo de uma cadeia de prestação de cuidados de saúde, ele é quem dá continuidade ao processo iniciado pelo médico”. Está provado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que “o utente quando está em frente ao médico retém cerca de 30 por cento da informação e cabe ao farmacêutico desmistificar, acompanhar e monitorizar os passos seguintes para que a terapêutica seja bem sucedida. Razão pela qual é importante fidelizar o doente à farmácia”, acrescenta o farmacêutico.

Apesar das dificuldades, a empresa está a crescer. “Mais de 70 por cento da nossa clientela são expatriados e 50 por cento dessa população já esta fidelizada à farmácia, já são clientes assíduos”. Entretanto o negócio vai expandir para a importação e distribuição de medicamentos, devendo a actividade iniciar ainda em 2012.

 

 

A aposta no vintage português

Margarida Vila-Nova e Ivo Ferreira – Mercearia Portuguesa

 

 

O diferencial da Mercearia Portuguesa é vender marcas tradicionais portuguesas, com rótulo e design vintage, assim como produtos alimentares de reconhecida qualidade que não se encontram disponíveis noutros estabelecimentos. Tratam-se de produtos revivalistas, que transportam consigo a história e cultura que também fazem parte do passado de Macau.

A estratégia de negócio passa por “representar com exclusividade no território o que há de mais autêntico em termos de produtos tradicionais portugueses”, explicam Margarida Vila-Nova, actriz, e Ivo Ferreira, realizador de cinema, autores do projecto inaugurado em Novembro de 2011.

O casal quis que a própria visita à mercearia fosse “uma experiência” de autenticidade, a começar pela localização no Albergue da Santa Casa da Misericórdia, no bairro de São Lázaro, no centro da cidade, dinamizado pelo arquitecto Carlos Marreiros. O mobiliário foi trazido de Portugal de modo a reproduzir a mercearia tradicional. Aqui, “até a cera do chão é portuguesa”.

Os objectos com rótulo e design vintage enquadram-se no conceito de “produtos-souvenir” destinados a um público de portugueses, macaenses, chineses e turistas que desejem guardar uma recordação representativa da história desta cidade. Macau tem um passado de influência europeia bem preservado e visível na sua arquitectura. “As pessoas quando visitam Macau encontram portugalidade na calçada, nos nomes das ruas, na forma de falar, na memória das pessoas”, refere Margarida. Só falta, pois, que levem como lembrança dessa passagem um objecto genuíno que adicione um pouco do aroma e do sabor da sua história.

A loja recebe turistas do Interior da China, Hong Kong, Japão, Taiwan, Coreia, que chegam de guia turístico ou revista na mão, com artigos e reportagens sobre a mercearia, atraídos pelo “exotismo”, pela novidade do conceito e a singularidade da loja. Os visitantes valorizam muito a identidade forte dos produtos, diz Margarida. Considerando que, “com a globalização, hoje encontra-se tudo por toda a parte, que já não há novidades, e a identidade de cada país está um pouco por todo o lado, esta loja, comparativamente, oferece peças de autor que são produtos únicos”, explica a actriz.

Além de produtos como o azeite de Montargil ou o chá dos Açores, a loja vende artesanato regional, como as bonecas de barro de Júlia Côta, vendidas em exclusivo pela Mercearia Portuguesa, que tem, também mais quatro pontos de venda na cidade.

O casal  está estabelecido no território. “Estaremos sempre por cá”, diz Ivo, que mantém uma afinidade forte com Macau, cidade onde realizou o seu primeiro documentário em 1997 e onde voltou sempre para filmar. Margarida, por sua vez, mantém um pé na cidade e outro em Portugal. Mas o objectivo é “traçar um percurso criativo e artístico na cidade”, afirma a actriz. “Temos mais ideias e estamos a trabalhar em projectos que vão divulgar a cultura chinesa e portuguesa e contribuir para o panorama artístico e para a afirmação da identidade cultural de Macau”, conclui o realizador de cinema.

 

 

Estética é negócio para quem sabe

Patrícia Inhaia – Centro de Estética e Depilação We Love Wax

 

 

Patrícia Inhaia, uma brasileira de Curitiba, chegou, viu e conquistou em Macau um nicho de mercado muito específico na área dos cuidados de estética e de beleza, especializando-se em depilação, manicura, bronzeamento artificial, tratamentos capilares e descoloração.

Na cidade desde 1997, Patrícia estabeleceu o negócio em 2001 mas abriu o salão de beleza apenas em 2006. Quando saiu do Brasil, vinha com a intenção de viajar pela Ásia e aprender o mandarim, mas acabou por encontrar trabalho e estabelecer-se na cidade.

Começou por prestar cuidados de beleza ao domicílio, conciliando a actividade com o trabalho de arquivista e secretária de redacção do jornal que, na altura, se chamava Macau Hoje. Com o avolumar da procura por parte da clientela, optou por abrir um salão na Taipa. Na altura trabalhava sozinha, das nove da manhã às nove da noite. Mas o esforço compensou. A empresa pôde começar a crescer e, ao fim de um ano, Patrícia contratou a sua primeira empregada. Actualmente, o salão emprega cinco funcionárias especializadas. O público é essencialmente feminino, mas as portas estão abertas também a clientes masculinos.

O negócio de Patrícia tem beneficiado com o crescimento da economia de Macau nos últimos anos. Com a expansão da indústria do jogo e do turismo, a comunidade de expatriados a residir em Macau tem estado a aumentar. Se, no princípio, as clientes eram portuguesas, agora a empresária passou a atender australianas, americanas e filipinas.

A depilação é o forte do negócio. Patrícia acredita que se as clientes continuam a preferir o seu salão é, com certeza, pela garantia de que o serviço é bem prestado. A experiência é o critério de Patrícia para empregar as suas empregadas. Trata-se de um trabalho especializado que requer muita prática e, nesse aspecto, “as esteticistas filipinas oferecem as melhores qualificações”, de acordo com os critérios de selecção da empresária. “Elas têm um pouquinho mais de latino, a cultura de fazer depilação já existe nas Filipinas e para este tipo de serviço precisamos de técnicas que se sintam seguras e confiantes no seu trabalho”, refere.

A mão-de-obra chinesa não tem sido opção pois ajusta-se menos às exigências deste trabalho. “As chinesas têm menos prática, é uma questão cultural, têm menos experiência e estão menos acostumadas.” Por outro lado, explica a empresária, uma esteticista ganha um salário entre 8000 e 12000 patacas, valor que fica abaixo das expectativas da mão-de-obra especializada local. “Os residentes locais querem trabalho mais bem remunerado nos casinos, mesmo que a gente ofereça condições não há pessoas para esse trabalho”. Patrícia, entretanto, vai prosseguir com o investimento na qualidade de atendimento, que passa por oferecer maior diversidade de serviços em menor período de tempo.

 

 

Comida portuguesa com cara e coração

Carlos Alberto e Rosa (São) Lau – Café Lisboa

 

 

Se há restaurante na cidade de Macau que respira lusofonia é o Café Lisboa, na Taipa. Carlos Alberto Lau, moçambicano de origem chinesa, “dá a cara” e gere as relações públicas, enquanto que Rosa Lau – a portuguesa da aldeia de Longa-Tabuaço, distrito de Viseu, que todos tratam por São – “é o coração” do negócio.

Na decoração da casa, com diversos pormenores futebolísticos, destacam-se elementos que denunciam a simpatia dos proprietários pelo Sporting Clube de Portugal. No entanto, Carlos faz questão de deixar claro que “nesta casa são todos bem-vindos, sportinguistas, benfiquistas”, ou qualquer que seja o clube desportivo ou a origem de quem chega.

A lusofonia completa-se com a clientela “macaense, portuguesa, moçambicana, angolana e brasileira”. Também chegam chineses e de clientes Hong Kong. É “o passa-palavra a funcionar, as pessoas ficam curiosas e vêm para experimentar a comida portuguesa”, diz Carlos.

A garantia de satisfação é assegurada por São. É ela quem elabora os pratos, organiza a cozinha do restaurante e quem tem o dom de fazer a clientela comer e chorar por mais. O negócio não tem segredos, “as pessoas gostam porque é comida caseira, é isso que as faz voltar”, explica Carlos. “As pessoas aqui sentem-se em casa”, acrescenta São.

No início, quando abriram, em 2001, o projecto começou por ser, como o nome indica, apenas um estabelecimento para café, doces e salgados. Mas à medida que as pessoas se foram acostumando a frequentar o espaço começaram a desafiar São a preparar este e aquele petisco. Foram esses clientes que frequentam regularmente o estabelecimento “que fizeram a casa”, diz São, que nunca deixou de responder aos pedidos que eles lhe faziam. Desse intercâmbio entre a cozinheira e os clientes habituais, aos poucos, começaram a sair pratos diários.

A escolha é variada e inclui especialidades da cozinha tradicional, desde o norte ao sul de Portugal. À sexta-feira, por exemplo, o prato do dia é dobrada à portuguesa, uma especialidade típica da cidade do Porto.  Aos domingos, há “leitão, feijoada e caldo verde, que as pessoas gostam muito”. De resto, há pratos que a cozinheira garante, nunca falham no menu, seja qual for o dia da semana, como por exemplo, o arroz de pato, bacalhau com natas ou carne de porco à alentejana.

A restauração acabou por revelar-se o prato forte no percurso profissional de Carlos e São, a residir em Macau desde 1994. Ao fim de 11 anos à frente do Café Lisboa, a antiga empregada administrativa e o anteriormente funcionário público, com experiência prévia na restauração e no ramo do comércio e distribuição de produtos alimentares, prometem continuar por tantos ou mais anos no mesmo negócio. Afinal, em equipa que ganha não se mexe, como se diz popularmente.

 

 

Negócio na China e loja de vinhos na Taipa 

Jorge Valente – Les Millésimes

 

 

O macaense Jorge Valente aliou-se a um sócio chinês a viver em Macau desde 1983 e a outro igualmente chinês, mas de Pequim, e inaugurou uma nova loja de vinhos na Taipa em Março deste ano. Macau é agora a plataforma principal do negócio de comércio de vinhos iniciado em Pequim há mais de cinco anos pelo sócio chinês e totalmente orientado para o mercado da China.

Tratou-se de associar o melhor que os três poderiam oferecer: os dois sócios e investidores tinham o conhecimento do mercado de vinhos europeus na China, experiência no negócio dos licores chineses em Macau e rede de contactos em Cantão. Juntou-se-lhes a componente lusófona proporcionada pelo director e porta-voz da empresa, Jorge Valente, ele mesmo também fluente em mandarim, cantonês, inglês e português.

A empresa, inicialmente focada em produtos franceses de gama alta, diversificou a oferta de vinhos, passando a incluir colheitas portuguesas e americanas. O objectivo é expandir o negócio “tanto verticalmente, para todas as gamas de preços, como, também, lateralmente, para haver variedade de escolha pelo consumidor”, explica Jorge Valente.

A opção por Macau enquanto quartel-general da empresa tornou-se óbvia pelas facilidades que a cidade oferece para fazer negócio. “Há muitas oportunidades, os custos são mais baixos, o regime fiscal é mais vantajoso. Por outro lado, há poder de compra. Só é preciso encontrar um produto atractivo, a procura faz-se por si mesma”, explica o empresário. Entretanto, até ao final do ano a Les Millésimes deverá inaugurar cinco franchises em Cantão. O conceito passa por abrir “lojas pequenas ao público com variedade grande de vinhos com bom valor qualidade – preço”.

Questionado sobre a relevância de falar português no seio de um negócio orientado para o mercado chinês, Jorge Valente referiu que, neste contexto, mais importante do que falar a língua é “saber tirar proveito das vantagens oferecidas, tanto pela cultura portuguesa como pela influência da lusofonia em geral”. Macaense com pai português, mãe macaense e avó chinesa, Jorge Valente acredita que “o ser português é muito bom para integrar sociedades multiculturais”. A cultura lusófona “é, à partida, mais inclusiva e tolerante” e sabe como integrar-se em sociedades distintas. “Nós, os macaenses, aqueles que sabem aproveitar bem a sua identidade, nunca estamos em desvantagem, quer na vida profissional quer na vida privada, seja a lidar com a cultura chinesa ou a anglo-saxónica”. Este aspecto é, sem dúvida, “uma vantagem numa sociedade multicultural como a de Macau”.

 

 

Comércio de roupas e turismo na “ilha da fantasia”

Pedro Fernando Romeiro da Silva – Perom Macau Limitada

 

 

Comércio de importação e exportação é o negócio do brasileiro Pedro Fernando Romeiro da Silva. Chegou a Macau em Agosto de 2011 para montar a Perom Macau Limitada, empresa que se tem dedicado à importação de vestuário, produtos químicos e maquinaria para construção de Cantão, Hebei e Xangai para o Brasil . O produto químico destina-se a fabricar um material, mais conhecido no Brasil pelos nomes comerciais, o isopor, e em Portugal por esferovite.

A Perom Macau realiza toda a assessoria para o cliente, estabelece os contactos, localiza o produto e despacha para o Brasil. Os clientes estão em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Pedro está, no entanto, interessado em alargar a empresa para outros ramos de negócio, nomeadamente a actividade turística. “O turismo é um nicho de mercado que sinto que tem oportunidade, o brasileiro tem dinheiro, gosta de jogar, viaja muito para Las Vegas e ainda não conhece Macau.”

O empresário diz-se encantado com a cidade e vai descrevendo as suas vantagens e aspectos que mais o atraem. “Macau parece a ilha da fantasia, é uma cidade cercada pelo luxo.” Além disso, o território, devido ao passado de influência portuguesa, “tem mais a nossa cara, me senti muito bem aqui, me senti em casa”, explica entusiasmado.

Na área do turismo, pretende trazer “grupos de pessoas a Macau para conhecer os casinos, os hotéis e o entretenimento disponível na cidade”. Como o território é pequeno, a ideia será organizar excursões e levar os grupos de turistas brasileiros “à China, especialmente Cantão, e regressar para dormir nos hotéis em Macau”.

A relação do empresário com a China remonta a 2008 com a realização de viagens regulares a vários pontos do país no contexto da actividade de importação e exportação. Antes foi proprietário durante 23 anos de uma fábrica de roupas em São Paulo. “Deixou de ser interessante fabricar roupa no Brasil”, explica Pedro. Com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio em 2001 e a liberalização do comércio internacional dos têxteis a partir de Janeiro de 2005, “o sector têxtil no Brasil ficou dilacerado”, explica Pedro, que teve então que encerrar a fábrica com 500 empregados. A opção foi entrar no negócio de importação da China de vestuário e bens de baixo custo.

Agora, estabelecido em Macau no comércio de importação e exportação, Pedro conta que o seu sonho é “viver por cá uns dez anos”. “Macau é muito gostoso, não tem violência, posso sair as onze horas da noite com a minha esposa e sentar ali na pracinha. Isso não se pode fazer no Brasil, de modo nenhum”. No aspecto da segurança, Macau “é o paraíso”.

 

 

Vinhos boutique com selo de qualidade

Ana e João Tique – Portuguese TopWine

 

 

Exportar e promover vinhos portugueses tipo boutique para toda a Ásia em regime de exclusividade é a aposta de Ana e João Tique, em Macau desde 2008, ano em que foi fundada a empresa Portuguese TopWine, com sede em Portugal e escritórios e armazém em Macau. Pai e filha lideram no território a companhia portuguesa que se dedica à exportação e promoção no mercado asiático de uma selecção exclusiva de vinhos portugueses de gama média e alta de pequenos produtores.

Ana e João Tique decidiram criar a empresa a partir do momento em que, com base em conhecimentos adquiridos em contacto com enólogos e entusiastas do vinho em Portugal, identificaram uma oportunidade de negócio no comércio da bebida dos pequenos produtores. Os criadores de pequena dimensão são “aqueles que se esforçam mais para ter vinhos de qualidade mais baratos e que têm pouca capacidade financeira para vir para a Ásia”, explicam os gestores e directores da empresa.

A partir daí, Ana e João correram Portugal de norte a sul “para analisar onde estava a qualidade, a consistência, o design e o value for money em condições que pudéssemos investir, comprar, aplicar uma margem e continuar a ser interessante em termos da relação qualidade e preço na Ásia”, descreve João.

Em 2011, a empresa alargou o negócio de exportação de vinhos desses pequenos produtores para a distribuição, com a colocação do produto em pontos estratégicos como os casinos, restaurantes e cadeias de supermercado, e investindo no marketing e em eventos promocionais para que o produto mantenha uma imagem dinâmica no mercado local.

Investir na imagem é crucial porque a actual oferta de vinhos é muito vasta e a competição é grande. “Não basta que um vinho seja bom para que consiga ser vendido na Ásia. É preciso fazer chegar o produto ao cliente final e fidelizá-lo”, explica João. Nesse contexto, a empresa optou por criar um conceito que, por enquanto, é único no ramo da venda de vinhos portugueses no mercado asiático.

Cada garrafa comercializada exibe o selo de garantia de qualidade Portuguese Topwine Selection, que “é a base da comunicação da empresa com o público final”. Porque, explicam, “o cliente, independentemente do preço que está disposto a dar pela garrafa e do local onde ele esteja – quer seja num supermercado, quer seja num restaurante -, identifica este selo e sabe assim que é um produto que tem qualidade”.

A aposta no selo de qualidade enquanto estratégia de comunicação “tem obviamente dado bons resultados”, refere João. O empresário acrescenta que a distribuição em Macau tem sido excepcionalmente bem sucedida. “No prazo de um ano conseguimos ganhar uma fatia do mercado bastante significativa. Ao mesmo tempo, por conta do sucesso que temos tido em Macau, estamos a criar uma rede de pequenos distribuidores na China, em Hong Kong e Japão.”