Pequenos valentes negócios

A economia de Macau não é feita apenas de grandes empresas, hotéis e operadoras de jogo. Há um pouco por todo o território pequenas fábricas com dezenas de anos de história que resistem aos novos tempos

 

Vinho chinês_GLP_05

 

Texto Alexandra Lages | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro

 

Há produtos para os gostos de todos os fregueses. Do vestuário ao calçado, passando pela alimentação e a medicina tradicional chinesa, a pequena indústria de Macau ainda sobrevive. O sector fabrica toda a gama de produtos que se possa imaginar. Do lado da alimentação, por exemplo, há gelados, pizzas congeladas, massas chinesas, os famosos biscoitos de amêndoa, pasta de caril, café e vinho chinês. Alguns são ainda produzidos de forma totalmente artesanal e a seguir processos de confecção que passaram de geração em geração.

Grande parte das empresas que fabrica produtos made in Macau dedica-se ao vestuário, mas há ainda tantas outras fábricas de artigos de plástico, de televisões, brinquedos, produtos de cosmética e até desinfectantes amigos do ambiente. No total, são 37 empresas locais e 306 produtos produzidos na RAEM. Apesar de serem pequenos negócios, com um impacto pouco visível na economia local, as fábricas estão a conquistar um espaço notável e já têm uma montra num ponto estratégico para exibirem o que de melhor sabem fazer.

“Os produtos made in Macau estão actualmente a ser divulgados através da sala de exposições Made in Macau. Criámos a Marca ‘M in M’ com o objectivo de reforçar a competitividade destas empresas, melhorar o seu valor acrescentado e explorar o vasto mercado da China para exportação. É esperado que o efeito da marca Made in Macau possa ajudar a promover estes produtos locais a desenvolver o sector manufactureiro local”, diz o presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM), Jackson Chang.

O IPIM tem levado todos estes produtos com o selo de Macau a várias feiras internacionais. Há ainda uma revista digital que é distribuída local e internacionalmente para ajudar à promoção destas empresas. Jackson Chang admite que ainda hoje muitas empresas estão a deslocalizar a produção para o Interior da China, como foi o caso da Macau Beer, que mudou a sua unidade fabril para a vizinha cidade de Zhuhai. “É uma situação normal. Macau não é competitivo suficientemente para manter essas fábricas aqui”, acrescenta.

Apesar disso, o presidente do IPIM acredita que as pequenas fábricas têm um grande potencial, principalmente em alguns sectores que podem beneficiar do rápido desenvolvimento do turismo. “Macau está a tornar-se num centro internacional de turismo e lazer que recebe cerca de 30 milhões de visitantes por ano. Há um enorme potencial para as marcas de Macau e os seus produtos, como os bolinhos tradicionais.” A medicina tradicional chinesa e as indústrias culturais e criativas também têm um forte potencial de desenvolvimento, pois estão a receber um forte apoio do Governo.

Mas é através da indústria alimentícia que a RAEM tem trilhado o seu sucesso. É A fábrica de cafés SIM-Sociedade Industrial de Macau ilustra o caso. A empresa foi fundada em 2005 e emprega tecnologia avançada, um laboratório moderno e completo, bem como uma sala para testes diários. O objectivo é tornar-se na fábrica mais moderna de café na Ásia. Por ano, 9000 toneladas de café saem da maquinaria da SIM directamente para chávenas espalhadas pela região do Sudeste Asiático e por toda a China. No ano passado, a SIM fundiu-se com a chinesa IMO e está agora à conquista do mercado da China e de Hong Kong. No entanto, a fábrica já está a operar na sua capacidade máxima.

Os primeiros resultados dos esforços do IPIM já são visíveis, aponta Jackson Chang, com números em mãos. As exportações de Macau aumentaram 24 por cento para 1,58 mil milhões de patacas nos dois primeiros meses deste ano, face a igual período de 2012. Por mercados, destacam-se os valores exportados para Hong Kong (977 milhões de patacas) e para o Interior da China (200 milhões de patacas), com aumentos anuais de 48 por cento e 23 por cento, respectivamente. Do universo de mercadorias que seguiram para o exterior, 1,44 mil milhões de patacas eram produtos não têxteis – valor que traduz um acréscimo de 32 por cento em termos anuais -, num cabaz em que bens como jóias (207 milhões de patacas) e relógios (169 milhões de patacas) deram um salto anual de 85 por cento e de 143 por cento, respectivamente.

 

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Inverno dentro, Verão fora

Na fábrica de sorvetes Kai Fong só há uma estação do ano. É sempre Inverno. Os gelados são confeccionados por senhoras vestidas de bata verde e touca na cabeça que manuseiam grandes máquinas prateadas. Depois é preciso guardar todos os gelados numa arca frigorífica gigante que assinala os 25 graus centígrados negativos. “Só podemos ficar lá dentro cerca de três minutos”, aponta o administrador da fábrica, Chamson Cheong, enquanto espera que uma das trabalhadoras traga uma caixa de cornetos para fora.

A Kai Fong fabrica vários tipos de gelados há mais de 40 anos. Além dos cornetos, há pequenos copos e embalagens familiares. Ali, até se fazem sandes de sorvete. Algumas embalagens mantêm a sua imagem antiga que nos fazem recuar no tempo e nos transportam à velha infância. São quase objectos de colecção.

Ao contrário da economia de Macau, o negócio não está a crescer, mas fechar a fábrica está fora de questão. A unidade fabril começou por ser um pequeno negócio familiar. Um casal local abriu uma pequena loja no bairro de São Lázaro há mais de quatro décadas e o movimento desde sempre foi suficiente para manter a tradição em marcha. “Passados dez anos, os padrões de qualidade dos alimentos em Macau ficaram mais elevados, e eles foram obrigados a mudar para a actual localização, num edifício industrial da Avenida Venceslau de Morais”, explica o responsável. Os filhos não tinham interesse em continuar o negócio e, em 2008, pensaram encerrar portas. Contudo, um homem de negócios local comprou a empresa e faz questão de mantê-la a funcionar a todo o gelo. “O negócio não está a crescer. Contudo, o senhor Ip [dono da empresa] faz questão de manter o negócio aberto. Ele quer preservar esta herança.”

Actualmente a Kai Fong está a tentar modernizar-se para ser mais competitiva. Adquiriu mais maquinaria e está a investir em marketing e publicidade. A empresa tem participado em feiras na China , mas todos os esforços são poucos para garantir que continue a ser para sempre Inverno na fábrica de sorvetes.

 

 

 

O pasteleiro que trabalha às escondidas

Todos os dias, por volta das 19h Lei Chi Iong espera que os seus empregados terminem o expediente e regressem a casa para pôr mãos à obra. Fecha as portas da loja situada na pacata Rua do Gamboa, coloca o avental de pasteleiro e começa a confeccionar centenas de bolinhos de amêndoa. “A minha receita é a minha arma secreta”, diz o proprietário da pastelaria Chui Heong. “Nunca trabalho em frente aos meus empregados. Espero que eles saiam primeiro antes de começar para manter a alma do negócio.”

Os bolinhos de amêndoa são hoje um produto muito apreciado pelos turistas. Contudo, os clientes do senhor Lei são apenas residentes locais. O negócio está “Ok la”, diz Lei. “Somos famosos por ter sempre os estoques esgotados. Os nossos bolinhos de ovo e amêndoa são muito vendidos nos feriados, muito mais do que na concorrência. A pastelaria Chui Heong, que ainda trabalha sob a supervisão da sua fundadora há mais de 50 anos, a avó Lei, como quer ser chamada, não ambiciona o dinheiro dos turistas. Prefere continuar onde está, numa zona residencial, apesar de ser tão próxima da azáfama da Avenida Almeida Ribeiro.

O negócio da avó Lei e do filho privilegia o método artesanal. Tudo é feito à moda antiga, com as madeiras que se batem na mesa para dar forma aos bolinhos. “Seguimos o método tradicional”, diz o filho. Para fazer uma única bolacha são precisos dois dias. A pastelaria consegue confeccionar cerca de 18 caixas em cada dois dias, num total de 500 unidades de bolinhos de amêndoa com carne e ovo no topo.

Estes são os bolinhos que Lei não revela a receita. Os três pasteleiros contratados estão apenas a cargo dos outros biscoitos mais comuns, os com pedaços de amêndoa. Lei é discreto em relação à situação do negócio, mas salta à vista que a pastelaria Chui Heong está numa situação financeira bastante confortável. O segredo é a alma do negócio.

E por que não expandir a empresa? A avó Lei diz logo que não. Não há dinheiro suficiente para mudar para uma zona mais turística, explica. “Por agora não”, continua o filho. “Tudo depende do dinheiro e da mão-de-obra. Todos os nossos produtos são de fabrico artesanal e arranjar funcionários é um problema.”

O negócio está aberto todos os dias das 10 às 19h00. Só fecha no feriado do dia 1 de Maio. Todos os pasteleiros aprenderam a arte de fazer bolinhos de amêndoa ali mesmo, com o senhor Lei.

 

 


Néctar chinês

A mesa está ocupada com garrafas de vidro em forma de dragão, já cheias com um néctar alcoólico cor de amêndoa. Um homem de calções e em tronco nu vai tapando cada garrafa com rolhas de vidro. Ao lado está uma panela eléctrica com água a ferver. Uma a uma, o homem mergulha as garrafas na água a escaldar para selar as tampas com o plástico à volta da rolha. Depois, cada garrafa é delicadamente colocada numa caixa toda feita em esferovite. “Estas vão ser todas exportadas para Londres”, explica Johnny Leong , dono da fábrica de vinho chinês Nova Macau.

A fábrica foi fundada em 2002 e é uma cooperativa vinícola nacional, especializada em vinhos chineses, incluindo vinho para consumo, medicinal e os mais comum para cozinhar. Cerca de 90 por cento da produção é exportada para Taiwan, Singapura, Malásia, Canadá, Hong Kong e Europa. Todavia, é possível encontrar algumas poucas garrafas nas montras de lojas duty free e em alguns casinos. “Especialmente aquelas garrafas com formas e sabores especiais”, diz Leong.

Cerca de 50 por cento da produção é feita em Macau. Quase todas as matérias-primas são importadas da China, mas é localmente que o senhor Leong faz toda a alquimia que vai resultar no produto final. “Há algumas matérias-primas que às vezes não é possível importar, como arroz e cereais. Então temos que as produzir aqui. Tenho uma máquina para cozer o arroz, por exemplo, para esses casos”, explica.

A Fábrica de Vinhos Nova Macau produz entre 20 a 30 mil garrafas por mês. É uma empresa pequena, com apenas oito empregados. O senhor Leong decidiu montar o seu próprio negócio há dez anos quando fábrica de vinhos onde trabalhava fechou. “Fiz vários cursos na China para aprender como misturar os vinhos e como aplicar a fórmula química”, conta.

Apesar da indústria turística estar a crescer de vento em popa em Macau, a fábrica do senhor Leong tem vindo a sofrer com o aumento da inflação. “O negócio está limitado e a andar muito lentamente”, lamenta-se. Além disso, é difícil competir com produtos mais baratos que estão a ser produzidos na China.

 

 

 

A agarrar nichos de mercado

Foi em tempos uma das principais indústrias com mais peso nas exportações. Mas depois veio o sector do jogo, que começou a atrair a mão-de-obra, juntamente com a concorrência das fábricas de baixo custo da China. Mesmo assim, ainda existem várias fábricas de têxteis e vestuário na RAEM que continuam a resistir contra os factores económicos. A Fábrica de Artigos de Vestuário Man Ka Limitada figura na lista dos resistentes.

Man Chiang abriu a fábrica de vestuário em 1988. “Na altura, não havia muitas indústrias de têxteis em Macau nem casinos”, recorda o presidente da empresa. Man era empregado numa fábrica de têxteis com sede em Hong Kong e, apesar da economia estar em má forma, decidiu arriscar.

Os seus instintos estavam certos e a fábrica começou a crescer. “Comecei apenas com dois empregados, e um deles era eu”, recorda. Nos anos 1990, começou a ter os seus primeiros clientes no mercado de Hong Kong e noutros sítios do mundo. Hoje a maioria da sua produção é exportada para Europa, América e Sudeste da Ásia.

Chegou a ter 750 empregados a trabalhar na sua fábrica. “Mas isso foi há seis anos. Agora tenho 400”, diz. Em 2006, a empresa produzia cerca de 300 mil unidades de vestuário por mês. Agora não ultrapassa a cifra dos 100 mil. “A nossa produção caiu para um terço”, acrescenta Jacky Chiang, filho de Ma e gerente do negócio.

No entanto, Ma está confiante que o negócio vai melhorar no futuro, mas nunca voltará ao nível de antigamente. “Muitas empresas de vestuário estão a mudar para a China. Não estou a pensar fazer o mesmo, porque quero continuar com o negócio cá. Uma é manter duas unidades, uma em Macau e para lá da fronteira.” Apesar de todas as dificuldades, Ma garante que ainda é vantajoso produzir na RAEM. “O yuan está alto e os ordenados são mais elevados, enquanto aqui ainda é possível contratar trabalhadores não-residentes. Além disso, somos uma empresa com mais de 20 anos de experiência e uma equipa de produção excepcional, fornecendo um serviço de one-stop na produção e exportação. Isso é uma grande vantagem.”

Apesar de o volume das exportações estar a baixar, a Fábrica de Artigos de Vestuário Ma Ka Limitada está a conseguir dar a volta por cima. “Há sempre outras maneiras de fazer negócio, como criando a nossa própria marca e a produzir uniformes para os empregados de casinos”, aponta Ma. E a luta continua.