Uma ponte entre a China e a lusofonia

É uma instituição da Universidade de Lisboa mas que pela sua condição e geografia se assume cada vez mais como uma ponte entre a China e as lusofonias. Se há quatro anos o Instituto Confúcio era ainda um ensaio sobre o futuro da língua chinesa no meio académico português, hoje perfila-se como um instrumento da língua nas relações culturais, mas também económicas e comerciais

 

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Texto Carlos Picassinos  | Fotos Paulo Cordeiro, em Portugal

 

Para fazer bons negócios, o entendimento cultural é essencial. Pode não ser exactamente uma máxima da sabedoria chinesa, mas esta é uma das razões que movem o governo de Pequim no esforço de divulgar a cultura e a língua chinesas. A plataforma para realizar este objectivo é o Instituto Confúcio (IC), que, através de uma parceria com a Universidade de Lisboa (UL) desde 2008, tem cativado um número crescente de alunos. Gente de todas as idades, não apenas os estudantes da licenciatura em Estudos Asiáticos da universidade. E muito para além do ensino da língua, o IC em Portugal funciona como escola para altos quadros das empresas portuguesas desbravarem terreno até a China.

É o co-director do Instituto Confúcio de Lisboa, Moisés Silva Fernandes, que revela os contactos feitos entre esta instituição e o gigante eléctrico nacional. “Fomos contactados pela EDP (Electricidade de Portugal) e pela REN (Rede Energética Nacional) para dar aulas de língua e cultura chinesa não aos quadros mas aos próprios administradores.”

Esta dimensão económica nunca esteve ausente da missão inicial desde a fundação do IC. “A nossa missão é, com certeza, olharmos também em função do mercado de trabalho. Essa é uma das nossas tarefas”. Basta ver que “as pessoas que aqui vêm, chegam com grandes perspectivas de conseguir trabalho. Por exemplo, gente que chega com o curso de engenharia, tira aqui um ou dois anos e candidata-se a uma bolsa de estudo na China que normalmente é atribuída por um ano”. Com os dois anos que têm de aulas chinês básico em Lisboa, e mais tarde na China durante um ano, os alunos já conseguem manter conversas formais. “Há gente que já foi há mais de um ano e está a trabalhar em empresas privadas chinesas e ocidentais”, aponta Silva Fernandes.

 

Porta para a África lusófona

No plano económico, as relações entre a China e Portugal fazem um desvio pelos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Apesar das parcerias ao nível académico e de projectos relacionados com a língua ser ainda uma lança em África, existem iniciativas pontuais como as que o IC preparou em Agosto do ano passado com a Universidade Agostinho Neto, de Luanda. “Tivemos um acordo para enviarmos dois professores e dos assistentes para aulas de mandarim e cultura chinesa. De alguma forma, estamos a funcionar também como interface entre a China e os países africanos de língua portuguesa, porque até agora também tem sido difícil estabelecer parcerias mais sólidas.”

Trata-se de uma nova luz que a evolução económica das relações comerciais projecta neste tipo de instituições. A dinâmica, porém, não afecta outro dos pilares fundamentais deste centro – o ensino do chinês às pessoas da zona metropolitana de Lisboa. Também neste aspecto, o Confúcio vai de vento em popa. Os alunos aumentaram, os materiais escolares também e há a promessa da reitoria para transferir as actuais instalações do IC para todo um andar na Faculdade de Ciências. “Temos crescido muito”, reconhece Silva Fernandes.

Em quatro anos, o IC já formou mais de 700 alunos e, neste momento, em frequência de cursos, encontram-se cerca de 300, uma média 17 ou 18 por turma. “É uma coisa poderosa. Agora já temos disponíveis três níveis de ensino”, exclama o investigador. “Já nem temos condições para dar todas as aulas aqui”.

 

Expansão constante

A maior parte dos alunos são pessoas novas que entraram na universidade ou estão a concluir os estudos universitários. “Temos alguns alunos que estão a chegar este ano ao terceiro ano e que nos estão a pedir bolsas de estudo para o próximo ano. Vamos enviar alunos para várias instituições na China.”

O director do IC defende que Pequim deveria ser o destino prioritário dos alunos. “Penso isso porque é ali que se fala um mandarim mais correcto, ao passo que se se andar fora uns 150 quilómetros já se fala diferente e uns 2000 quilómetros então já é completamente diferente. Depois de Pequim podem ir para onde quiserem e aí já se apercebem, por exemplo, do sotaque, de como as pessoas falam de modo diferente de Pequim.”

O movimento de estudantes não tem só um sentido. Lisboa também recebe estudantes chineses embora o acolhimento caiba à Faculdade de Letras. “Fazem aqui como se fosse o terceiro ano dos seus cursos que lá não existe. Damos o apoio e a assistência toda que é necessária e devo dizer que os resultados que têm sido conseguidos são bastante positivos. Por exemplo, foi graças ao Instituto Confúcio que temos aqui 16 alunos da Universidade de Harbin [Manchúria].” Isto para além dos acordos que a Universidade de Lisboa tem com a Universidade de Pequim, com a de Estudos e Ciência Política de Pequim ou com a Universidade de Zhangshang.

 

Minho pioneiro

O Instituto Confúcio de Braga é mais antigo. Data de 2006 o protocolo assinado entre a Universidade do Minho e as autoridades chinesas que levou à constituição do IC. A directora Sun Lam, que viveu em Macau, não fez ainda as contas ao número de alunos que já por ali passaram ou a quem já foi dada formação. Fala em cerca de 300 pessoas por ano, sem contar os estudantes das escolas secundárias e dos colégios privados do ensino primário da zona de Braga e do Porto. “Parece-me evidente que desde que abrimos as portas o interesse pela língua e cultura da China aumentou”.

No meio académico, com certeza. “Temos acordos e protocolos com quatro universidades com quem podemos intercambiar não só alunos mas também professores das várias faculdades para ensinarem na China e os professores de lá ensinarem aqui”, observa. E também há mais curiosos e mais gente que se inscreve nos cursos por interesse pessoal.

Mas para além do meio académico, o mandarim e a cultura chinesa também suscitam interesse junto de associações e de meios empresariais. “Há muitos empresários da região que põem os filhos a estudar mandarim porque entendem que é uma língua de futuro e que, um dia mais tarde, quando a China for uma economia ainda mais desenvolvida, saber mandarim pode ser um instrumento importante para os seus filhos”, realça Sun Lam.

Numa zona de grande concentração industrial como é a do Minho e do Porto, a acção do Instituto Confúcio é, sob o ponto de vista económico, uma mais-valia como reconhece a directora. Não é a única. Mas dentro da missão educativa que orienta o Instituto de Braga desde a fundação, e face à emergência da China como grande potência económica, a relação com as empresas e empresários regionais tem vindo a assumir uma importância, senão primária, cada vez mais relevante. No Minho como em Lisboa, a economia comanda a língua.