Sobre rodas

Sem a invenção da roda, Macau não teria roletas ou biscoitos de amêndoa. Ou, pior ainda, Grande Prémio. Porque se as rodas movimentam economia e tradição, tornam-se muito mais espectaculares quando lhes juntam um motor. E aceleram

 

GP 1

 

Texto Nuno G. Pereira

 

O que é um cartaz turístico? Uma frase prometedora – “Venha conhecer as praias mais quentes do planeta!” – ou aquilo que identifica logo uma região, criando vontade de conhecê-la? Um milhão de campanhas publicitárias ou a Torre Eiffel? Macau tem oferta turística cada vez mais diversificada, mas a fatia grossa de visitantes vem do próprio país a que pertence: China. Do ponto de vista do reconhecimento à escala global, a RAEM tem no Grande Prémio de Macau (GP) o maior cartaz turístico. Foi construído ao longo de seis décadas e alicerçado na reputação de “fábrica de campeões”, ganha em particular com as vitórias de Ayrton Senna e Michael Schumacher, antes de se tornarem super-estrelas da Fórmula 1.

O GP começou em 1954, uma quase brincadeira de amigos que nunca mais seria interrompida, concretizada nos dias 30 e 31 de Outubro daquele ano. As primeiras edições eram amadoras, mas nem por isso menos entusiasmantes. Pontificavam aventureiros endinheirados e sonhadores destemidos, todos ansiosos por impressionar a sua dama neste torneio moderno, onde volantes substituíam lanças e as investidas se faziam com vários cavalos de potência.

Trilhou-se depois o caminho do profissionalismo rumo à excelência, realidade cada vez mais evidente. O orçamento para a organização do GP deste ano atinge 230 milhões de patacas, incluindo projectos de infra-estruturas. A esta soma acrescentam-se mais 70 milhões, custo da construção da nova Torre de Controlo.

Os valores não deixam dúvidas quanto à importância que o Governo atribui ao acontecimento, mas a conclusão é ainda mais positiva. Segundo cálculos apresentados pela Comissão do Grande Prémio de Macau, os lucros gerados, de forma directa e indirecta, superam largamente as despesas.

 

Ambição e segurança

Para marcar o “Jubileu de Diamante” do GP, a sua Comissão anunciou ter organizado um programa sem precedentes, num total de seis dias de corridas, durante os fins-de-semana de 9 a 10 e 14 a 17 de Novembro. Entre as provas a disputar no Circuito da Guia, destacam-se o Grande Prémio de Macau de Fórmula 3 (competição principal), a ronda final do Campeonato do Mundo de Carros de Turismo da Federação Internacional do Automóvel (FIA) 2013 e o 47.º Grande Prémio de Motos de Macau.

Antes, entre 8 e 10 de Novembro, estão previstos espectáculos de carros de estrada, supercarros e motos, nas Praças do Tap Seac e da Amizade. São parte integrante de duas semanas de eventos especiais, que incluem uma parada de carros clássicos, em exposição de entrada gratuita.

A segurança é a prioridade assumida pela organização. O piso do circuito será renovado e haverá implementação de novas medidas, como barreiras mais altas e cercas de protecção contra acidentes.

As equipas de resgate, emergência e intervenção rápida, compostas por pessoal do Corpo de Bombeiros e Departamentos dos Serviços de Saúde de Macau, têm realizado acções de formação de resgate de pilotos. Além disso, mais de 900 pessoas, envolvidas nos trabalhos das duas semanas do GP, frequentam cursos de formação específicos, incluindo sessões orientadas por instrutores da FIA.

 

Marca de Macau

Promover o GP, em especial fora de portas, é outra dinâmica em marcha, procurando dar ainda mais força a uma atracção com sólida repercussão planetária. Em colaboração com a Direcção dos Serviços de Turismo de Macau, já se realizaram várias actividades promocionais em Taiwan, Coreia do Sul, Hong Kong, Austrália e Reino Unido. Até Setembro, há mais iniciativas planeadas em Singapura, Japão, Indonésia, Portugal e Alemanha.

Decorre também uma colaboração com a Air Macau, para promover o evento no Interior da China, em Taiwan, no Japão, na Coreia do Sul e na Tailândia. A juntar a tudo isto, o GP é anunciado em vários meios de comunicação internacionais, como os canais de televisão BBC, CNN, CNBC e Eurosport.

O 60.º Grande Prémio ficará ainda assinalado com a publicação de um novo livro, em inglês e chinês, intitulado The Macau Grand Prix at 60 –  A Diamond Jubilee (“O Grande Prémio de Macau aos 60 – Um Jubileu de Diamante”). Uma obra de Philip Newsome, autor de vários livros sobre o GP ao longo das últimas duas décadas.

 

História intensa

Macau disputa com o principado do Mónaco a distinção de ter o melhor circuito urbano do mundo. Os especialistas nem sempre concordam na escolha, mas são unânimes em reconhecer a evolução extraordinária do Circuito da Guia, onde ao exotismo geográfico se acrescenta o desafio competitivo da prova.

O desenho do circuito tem uma história notável, com um pormenor a merecer espanto: mantém-se praticamente inalterado desde a criação em 1954. A partir daí, Macau evoluiu imenso. Até às águas roubou espaço, mas cresceu sempre à volta do circuito do GP, respeitando-o como se fosse um percurso sagrado. Como se fosse a alma motorizada da cidade.

Nesta história de progresso harmonioso entre espaço urbano e espaço de velocidade, há tudo o que se espera de uma narrativa épica: drama, sacrifício, poesia, glória. E heróis, claro. Dos anónimos essenciais para impor um GP sem igual a figuras como Albert Poon que participou em 24 GP consecutivos, entre 1959 e 1982, ganhando uma vez (e prometeu regressar este ano!), ou John Macdonald, o “Rei de Macau”, único piloto a obter quatro triunfos na prova. Mais recentemente, outros nomes cimentaram a reputação de “fábrica de campeões”: Alan Jones, Ayrton Senna, Michael Schumacher, Mika Häkkinen, Damon Hill, Jenson Button, Lewis Hamilton, Sebastian Vettel.

À distância de 60 anos, é difícil recordar que tudo começou com um encontro no café do Hotel Riviera, na Primavera de 1954, como conta Philip Newsome, no livro. “Três jovens, Fernando de Macedo Pinto, Carlos da Silva e Paulo Antas, estavam determinados em agitar as coisas, criando uma corrida de automóveis nas estradas empoeiradas de Macau. Acharam que seria divertido montar uma caça ao tesouro para eles e os amigos, serpenteando entre as ruas locais. Contudo, não faziam ideia de como organizar tal caça ao tesouro automobilizada. Carlos escreveu ao Clube de Desportos Motorizados de Hong Kong, pedindo conselhos – um livro de regras, por exemplo. Para sua agradável surpresa, ele e os amigos receberam como resposta a visita de Paul Dutoit – um suíço que tinha participado em corridas na Europa –, que quis falar pessoalmente com os três. Conversaram no café do Riviera e foram depois dar uma volta pelo percurso que os jovens tinham definido para a caça ao tesouro. No fim do passeio, o visitante estava entusiasmado: “Isto não é uma caça ao tesouro, o que vocês têm aqui é um Grand Prix!”.

Assim, dizendo precisamente o contrário, Dutoit acabou por indicar o caminho para uma riqueza bem concreta: o Grande Prémio tornou-se um tesouro de Macau.

 

“Mr. Macau Grand Prix”

Teddy Yip é uma das figuras mais importantes do GP de Macau e do turismo da região, à qual trouxe projecção internacional, graças ao seu dinamismo e enorme carisma. A ligação à mítica prova começa bem cedo, em 1956, quando participa pela primeira vez, como piloto, ao volante do seu Jaguar XK120. Em 1958 obteve a classificação mais alta, acabando em terceiro lugar. O melhor, porém, estava para vir. Ao longo dos anos seguintes, depois de abandonar as pistas como piloto, tornou-se um “patrão de equipa” como nunca mais houve. A sua Theodore Racing Team trazia os jovens pilotos mais talentosos para correrem em Macau, acumulando pódios e histórias inesquecíveis. A coroa de glória aconteceu em 1983, quando Ayrton Senna veio representar as cores da equipa de Teddy na primeira edição do Campeonato Intercontinental de Fórmula 3. Uma vitória histórica para ambos.

As aventuras do “Mr. Macau Grand Prix”, como Teddy também era conhecido, já deram para um livro, que ainda assim só contou uma ínfima parte da vida dele. Não só porque ele viveu com muita intensidade, como o fez durante bastante tempo – morreu em a 11 de Julho de 2003, com 96 anos.

 

Teddy Yip