Arcos Comemorativos de Meixi, um ex-líbris de Zhuhai

A área dos Arcos de Meixi, na cidade de Zhuhai, ocupa uma área de 126 mil metros quadrados, onde estão situadas as arcadas, a antiga residência de Cheng Fang, o primeiro emigrante milionário chinês, o Jardim de Chen e ainda um cemitério

 

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Texto e fotos José Simões Morais

 

Saindo de Macau pelo posto fronteiriço de Gonbei, viramos à direita para ir até à paragem do autocarro que nos conduzirá à mansão da família Chen, em Meixi. Optamos pelo autocarro 36 com ar condicionado que por dois yuans nos leva para a zona de Xiangzhou, situada a noroeste da cidade de Zhuhai, onde se encontra a antiga aldeia de Meixi. Pouco mais de 40 minutos e chegamos à paragem em frente ao recinto, conhecido por “Arcos Comemorativos de Meixi” (梅溪牌坊).

À entrada são-nos cobrados 100 yuans já que, como é uma propriedade particular está vocacionada para o turismo e protegida como património nacional. Procurando saber a história do lugar e dos antigos proprietários, dizem-nos ter sido de uma família muito rica com apelido Chen. Mas em Meixi ainda hoje todos os habitantes têm o apelido Chen e vieram de Dongguan (próximo de Shenzhen) durante a dinastia Ming.

A mansão da família fora construída entre os anos 1891 e 1896, pelo milionário Chen Fang 陈芳 (1825-1906), ou Chân Fóng em cantonês, que fizera a sua fortuna no Hawai e aí era conhecido por Afong, ou Ah-Chun. O pai, Chen Ren Chang, era agricultor em Meixi, onde nasceram todos os sete filhos e tinha como irmão mais velho Chen Ren Jie, comerciante em Macau.

Desde pequeno os pais almejavam uma carreira de oficial civil ao mais novo dos rapazes, Chen Fang, já que os outros filhos trabalhavam com o tio, Chen Ren Jie, na loja de produtos chineses Chen Kei, situada na Rua dos Ervanários, em Macau.

Em 1839, o pai morre aos 50 anos e a educação de Chen Fang fica a cargo do tio. Os negócios em Macau prosperavam e aproveitando o frenético crescimento de Hong Kong, lugar que acabava de se tornar britânico devido à I Guerra do Ópio, Chen Ren Jie abriu aí também uma loja em 1842. No ano seguinte, Chen Fang fez os exames preparatórios para entrar nos Exames Imperiais e aprovado ficou com o título de Xiucai, o que lhe permitiu ir a Cantão realizar os exames provinciais, mas falhado o intento, deixou de lado esse projecto. Casou em 1846 com Li Xing, filha mais velha de uma família chinesa que vivia na aldeia Long Tian em Mong Há, na península de Macau. Três meses depois, Chen Fang trabalhava na loja do tio na Rua dos Ervanários, tendo aprendido os rudimentos da língua portuguesa, numa altura em que chegava a Macau o Governador João Maria Ferreira do Amaral (1846-1849). Nesse ambiente, viveu Chen Fang um ano com Li Xing e em 1847 nasceu o seu primeiro filho, Chen Long (1847-1879). Mas o irmão mais velho ficou doente e teve de deixar Hong Kong para regressar a Meixi, passando o lugar a ser ocupado por Chen Fang, onde trabalhou entre 1848 e 1849. O tio foi então convidado por um amigo com negócios no Hawai para ir visitá-lo, aguçando-o com impostos baixos num comércio de altos lucros. Assim, Chen Ren Jie acompanhado pelo filho e o sobrinho, Chen Fang, partiram em 17 de Maio de 1849 para tentar fazer negócios no Hawai com os seus produtos chineses. A viagem durou aproximadamente 40 dias.

 

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Chen Fang no Hawai

Nos 41 anos em que viveu no Hawai, Chen Fang ficou conhecido como príncipe dos negócios pois tirava altos lucros de tudo em que se metia. Para além da loja em Honolulu repleta de produtos chineses por onde começou a vida de emigrante, forneceu os baleeiros, investiu na compra e venda de terras, na produção de cana-de-açúcar, na fabricação do açúcar e na sua comercialização. Aos poucos, e com muito trabalho, enriqueceu e ficou sendo o primeiro emigrante milionário chinês. Casou-se com uma princesa havaiana, Jullie, e assim entrou para a família do rei do Hawai. Os negócios corriam cada vez melhor e a fortuna multiplicava-se, tendo em 1880, só em dinheiro, mais de um milhão de dólares americanos. Exerceu vários cargos como consultor do Governo do Hawai, director do Comité dos Negócios Chineses e embaixador da China no Hawai.

Já quanto à sua descendência, para além dos três filhos da mulher chinesa Li Xing, a segunda mulher deu-lhe mais quatro filhos e 12 filhas, o que perfaz 19 filhos no total. O mais velho de todos era Chen Long, que nasceu no ano de 1847 em Meixi e morreu no Hawai em 1879. O terceiro era Chen Gengyu (1860-1918), o segundo filho da sua esposa chinesa e desse casamento teve ainda uma rapariga, Chen Xiang. No Hawai, nasceu-lhe primeiro uma filha e depois Anthony Keawemanhiiti (1859-1937), seguindo-se mais 11 filhas e dois filhos.

Chen Fang procurou sempre investir tanto nos negócios como na formação escolar de todos os seus filhos, assim como ajudar os seus conterrâneos no Hawai. Em 1877, Chen Fang foi fiador de Sun Mei, um chinês filho de camponeses de Cuiheng, no distrito de Xiangshan (actual Zhongshan, Província de Guangdong), para alugar um terreno na ilha Maui, no Hawai. É dessa data a ligação entre a família Chen com a Sun. No ano seguinte, Sun Mei mandou vir a mãe e o irmão Sun Wen (mais tarde conhecido por Sun Zhongshan e Sun Iat Sen) que, com 12 anos, foi estudar na escola primária americana Iolani, em Honolulu, a cargo de um pastor protestante, onde andava também uma filha de Chen Fang. Escola que anos antes passara a aceitar alunos chineses devido à intervenção do milionário para aí poder estudar o filho Chen Long, de onde seguiu depois para a Universidade de Yale. Graduado, seguem-lhe o exemplo quase todos os irmãos chineses e havaianos que também terminam os cursos em Yale.

Nessa altura chegavam ao Hawai milhares de madeirenses, juntando-se aos açorianos que aqui já andavam nos baleeiros, para trabalhar nos campos da cana-de-açúcar. O quotidiano no Hawai começou a tornar-se difícil devido ao crescente racismo inglês e americano para com a comunidade asiática.

Na casa do milionário eram diárias as festas, sobretudo dadas pelas filhas, mas Chen Fang começava a pensar regressar à China. Por isso tratou de resolver todos os assuntos que ao Hawai o prendiam, tanto de negócios como os casamentos das filhas e a divisão de fortuna com a mulher.

Em 1890, vendeu todos os seus interesses e propriedades no Hawai e com 65 anos saiu de Honolulu para nunca mais lá voltar. Acompanharam-no Anthony, conhecido pelo nome chinês de Chen Xi Ru, e dois netos, os filhos de Chen Long, o rapaz Chen Yong An e a miúda Chen Miao Yan. Desembarcaram no porto Vitória em Hong Kong onde tinham à espera Sun Zhongshan, grande amigo de Chen Xi Ru. Daí, dirigiram-se de barco para Macau, ficando assim próximo da terra natal, Meixi.

Chen Fang, a viver em Macau, manda em 1891 construir em Meixi três casas para a família, combinando a arquitectura chinesa com o estilo ocidental. Nessa altura pertencia ao comité para a organização dos festejos da recepção em Macau de Sua Alteza Imperial, o Czarevitch da Rússia. As casas ficaram prontas em 1896 e no recinto de 126 mil metros quadrados foram ainda construídos um enorme jardim com um lago, onde mandou erguer um barco em madeira reproduzindo o que teve no Hawai. Aí deu grandes festas, sendo local frequente de reunião com os amigos.

Após morrer em Macau no dia 25 de Setembro de 1906, Chen Fang foi levado para Meixi, onde foi sepultado juntamente com a primeira mulher, Li Xing, duas concubinas, o seu terceiro filho, Chen Geng Yu, e ainda o neto Chen Yong An, filho de Chen Long.

 

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A mansão da família Chen

O recinto é hoje propriedade particular, cujo dono resolveu aí abrir um museu. Da entrada parte uma avenida arborizada com uma série de moradias, que aparecem em ruínas e onde estão explicados os diferentes tipos de portas usadas antigamente.

Chegados ao centro do recinto, temos no lado esquerdo uma área entre muros com 2495 metros quadrados, onde existem cinco casas, sendo três de habitação, o templo da família e um pavilhão salão. Com mais de 100 anos, logo no início tinham já água corrente e canalização de esgoto, havendo também bocas-de-incêndio.

No centro do recinto, de frente para a entrada, dois paifang (arcos comemorativos em granito). Estes e outros já desaparecidos foram todos oferecidos pelo imperador Guangxu (1875-1908) e são hoje o mais antigo ex-líbris de Zhuhai.

Em 1878, Chen Fang recebeu o primeiro arco comemorativo, Le Shan Hao Shi, que significa “Uma Feliz Doação”, pois tinha dado 7000 liangs de prata para o governo fazer face a um grande desastre ocorrido no Norte da China. Tal catástrofe ocorreu entre 1876 e 1878 quando nove províncias sofreram uma imensa seca, seguida de uma praga que destruiu as plantações de arroz e ainda uma queda de gelo e um frio terrível. A fome abateu-se sobre duas centenas de milhões de pessoas e mais de 13 milhões morreram. Este paifang foi destruído durante a Revolução Cultural pelos guardas vermelhos, que também quiseram deitar abaixo os outros aí existentes, mas a população de Meixi juntou-se e não permitiu que tal acontecesse.

O segundo paifang, conhecido por Ji Gong Hao Yi, que significa “Ajudar quando é preciso” foi oferecido em 1886, após uma grande inundação em Xiangshan, que destruiu inúmeras casas e plantações agrícolas, deixando muitas pessoas com fome e sem teto. Chen Fang doou 3000 liangs de prata ao governo para este ajudar a população sinistrada. É o maior dos paifang com 12 metros de altura, 12,2 de largura e 4,6 de profundidade, e foi colocado no meio dos outros dois.

O terceiro arco comemorativo foi atribuído em 1891, após Chen Fang ter regressado definitivamente do Hawai e investido em Meixi. Comprou terra e aí construiu uma escola, fez o saneamento e ruas, canalizou água potável para as casas e instalou electricidade. Os governantes locais reportaram a sua generosidade ao governo central. Chen Fang fez uma petição ao governo central usando o nome do neto Chen-Yong An para que fosse concedido o paifang em memória ao pai, Chen Long, que na aldeia tinha vivido a infância e morrera ainda jovem no Hawai. O nome do paifang é o mesmo do primeiro que Chen Fang recebera, Le Shan Hao Shi.

O quarto paifang é o mais pequeno e encontra-se no meio do lago. Foi construído em 1891 como agradecimento do governo pela ajuda de 7000 liangs de prata que Chen Fang deu aos habitantes de Xiangshan, quando de novo houve uma grande inundação. Doou outros 4000 liangs de prata para a construção da primeira estrada de pedra em Xiangshan. Este paifang, em honra dos pais de Chen Fang, tem também o nome de “Uma Feliz Doação”.

 

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Casas do passado

Com a Revolução Xinhai de Wuchang em 10 de Outubro de 1911, a Associação Tong Meng Hui de Hong Kong e de Macau enviaram Chen Yong An (filho de Chen Long e neto de Chen Fang) para preparar a Revolução em Xiangshan. Este instalou-se na casa da família em Meixi, onde ficou também guardado um imenso armamento. Tudo estava pronto e a 2 de Novembro de 1911 aconteceu a primeira batalha em Xiaolan (agora na parte Norte de Zhongshan). As forças revolucionárias ganharam essa batalha e imediatamente Chen Yong An chamou todos os líderes da associação para se reunirem em Meixi. Na noite de 5 de Novembro, após ser informado o chefe militar de Qianshan, amigo dos revolucionários, foram colocadas bandeiras brancas como sinal para iniciar a Revolução por toda a região de Qianshan (localizada em frente a Macau). O oficial civil Qing rapidamente fugiu para Macau e assim, sem necessidade de combater, a batalha ficou ganha. No dia seguinte, os revolucionários vitoriosos de Xiaolan juntaram-se aos de Qianshan e dirigiram-se à capital de Xiangshan, Shiqi, que nesse dia foi conquistada e no posto de Governador de Xiangshan ficou Chen Yong An.

Já em 1938, com a ocupação nipónica do Sul da China, os descendentes de Chen Fang fugiram para Hong Kong, Singapura, Estados Unidos e Canadá, e a mansão ficou a ser usada como hospital pelos japoneses. Mais tarde, o Guomindang aí fez um local de trabalho e de reuniões. Quando o Partido Comunista chegou ao poder, colocou-a como escola para ensinar a doutrina marxista-leninista. Com o passar dos tempos, as cinco casas ficaram abandonadas e durante o período da Revolução Cultural estiveram em risco de serem destruídas, não fosse a população de Meixi ter impedido. Com a abertura da China à economia de mercado, as casas ficaram ocupadas por algumas centenas de trabalhadores, alugadas por uma fábrica de calçado para os seus empregados.

Em 1998, o arquitecto Liu Wun, formado nos Estados Unidos, visitou o recinto para observar os arcos comemorativos, as grandes relíquias de Zhuhai. Ao olhar para os tijolos de uma pocilga em ruínas percebeu serem feitos de um material estranho, nunca visto na China. Ao analisá-los descobriu serem de matéria vulcânica, que vinha directamente do Hawai. Tal levou a interessar-se pelo local e a investigar tudo relacionado com a casa e os antigos donos. Após anos de apaixonado trabalho, requereu ajuda do governo de Zhuhai para a reconstrução do recinto. Durante as obras de reparação, tentou-se preservar o mais possível o existente, com o objectivo de criar um espaço museológico para mostrar a antiga mestria do trabalho chinês. Numa das casas encontram-se inúmeras tabuletas de pedra e de madeira com caracteres e no templo da família Chen está patente uma exposição de 24 miniaturas dos mais famosos paifang existentes na China.