O ambicioso eixo Lisboa-Dalian-Macau

A Salvador Caetano, através da sua nova fábrica em Dalian, na China, está em conversações com Macau em várias frentes para abastecer o mercado de veículos eléctricos. Aproveita assim a oportunidade do Governo da RAEM que quer aumentar o número de autocarros ecológicos na Região até 2020

 

1385084264443

 

Texto Patrícia Lemos

 

 

Um dos objectivos do Planeamento de Protecção Ambiental de Macau a longo prazo é “promover o tráfego mais ecológico”, transformando Macau “num centro de baixo carbono.” A Salvador Caetano conhece essas metas e está de olho no mercado local. Inclusivamente, já está em conversações com as autoridades aeroportuárias para “o possível fornecimento de autocarros eléctricos”, revela o director-geral da Brilliance Caetano Bus, em Dalian, Mário Conde. E está atenta à evolução do sector dos transportes públicos em Macau, tendo mesmo já “iniciado conversações” para abastecer o mercado com veículos citadinos eléctricos.

Também os casinos interessam à empresa que está a avaliar “a possibilidade de fornecer veículos VIP totalmente eléctricos”. Mas esta não é a primeira vez que Macau deixa entrar os veículos da Salvador Caetano (SC) que, “via a sua subsidiária Cobus na Alemanha, vendeu nove autocarros especiais para o Aeroporto de Macau”, esclarece este responsável da empresa portuguesa, que é a grande líder no mercado chinês na área dos autocarros de aeroporto.

Enquanto a SC faz por aumentar a sua clientela na Ásia, a RAEM continua a trabalhar para ter um futuro mais ecológico, preparando terreno para receber veículos amigos do ambiente. Isso mesmo prova o plano de teste de tráfego rodoviário de autocarros eléctricos que terminou a sua segunda fase em Fevereiro. Foi assim avaliada a circulação de quatro veículos de diferentes modelos nos bairros antigos da cidade, depois deste plano da Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego e da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental ter arrancado em Julho de 2013, com a introdução do primeiro carro eléctrico para ensaios com passageiros a bordo em zonas mais modernas, como a Taipa e Cotai.

A par destes testes, o Governo encomendou ainda a uma entidade de investigação que realizasse pesquisas e estudos sobre os modelos de veículos amigos do ambiente, adequados à realidade geográfica de Macau. O mesmo organismo está incumbido de planear infraestruturas de apoio e de elaborar políticas para introduzir e promover estes veículos especiais. Também as companhias de transportes públicos de Macau foram incentivadas por forma a melhorarem os padrões técnicos dos seus veículos, com vista à protecção ambiental.

 

Mário Conde_GLP_01

 

Portugal a ganhar

As intenções do Governo da RAEM revertem-se em oportunidades para as empresas do sector automóvel. A SC está muito interessada em aproveitar a boleia, sobretudo agora que instalou a fábrica Brilliance Caetano Bus em Dalian, naquele que é o primeiro projecto industrial do grupo na Ásia. Conforme refere Mário Conde, “a SC está sempre atenta às oportunidades de negócio e, logicamente, de investimentos”. Por isso, pretende também aproveitar as vantagens da proximidade de Macau, da região enquanto plataforma económica da China para a lusofonia e das relações especiais que a China tem com os países de língua portuguesa, “na medida em que possa beneficiar e potenciar possíveis negócios para a nossa unidade chinesa”.

Esta nova fábrica, que pretende empregar 250 pessoas nos primeiros anos de operação, dedica-se ao fabrico de autocarros para serviços especiais: aeroporto, escolar, dois pisos e urbano eléctrico. Vai servir o mercado asiático e fornecer 150 unidades por ano, mas a produção pode aumentar, até porque tem uma capacidade máxima produtiva de 3000 unidades por ano. Como refere o responsável, “se o mercado asiático assim o permitir, naturalmente equacionar-se-ão outros investimentos”.

Sendo o sector forte da SC os autocarros de aeroporto (convencionais e eléctricos), a empresa pretende manter a liderança na China, assegurando “uma posição cimeira no mercado dos autocarros citadinos eléctricos”. Mas está determinada a conquistar o grande gigante asiático, onde quer promover os seus veículos de aeroporto.

Este ano a SC pretende enviar para Dalian 120 kits em CKD (Completely Knock Down) a partir da fábrica de Vila Nova de Gaia, o que representa uma facturação de 10 milhões de euros em exportação, fazendo aumentar ainda mais a venda de produtos portugueses para o estrangeiro. São boas notícias até para alguns trabalhadores da empresa que, no ano passado, tiveram mesmo de enfrentar uma situação de lay-off durante alguns meses.

Com uma linha de produção já em funcionamento em Dalian, a fábrica poderá ter mais duas em operação até 2015, “para produzir autocarros escolares e autocarros citadinos eléctricos”, mas este grande investimento não significa que a terra natal perca unidades fabris. Conde sublinha: “Não pretendemos fechar fábricas em Portugal”. Aliás, num texto no site da CaetanoBus, do Grupo SC, José Ramos, o presidente da sub holding Salvador Caetano Indústria, garantiu que “o cérebro da empresa continuará a estar em Portugal”.

 

IMG_0785

 

Proposta chinesa

Mas por que é que a SC escolheu Dalian como trampolim para a Ásia? Esta cidade do nordeste chinês é um grande polo industrial: é lá que ficam sediadas “muitas empresas locais e internacionais de referência”, como a portuguesa Sodecia, um grupo de componentes para automóveis. Esta firma também abriu há quase um ano a sua unidade em Dalian. É um dos investimentos lusos mais elevados na China, orçado em cerca de 20 milhões de euros. Já o financiamento inicial e global para a unidade fabril da SC foi de apenas oito milhões, apesar de ambas as fábricas estarem instaladas em terrenos com quase a mesma dimensão: a Sodecia ocupa 3,6 hectares, enquanto a Brilliance Caetano Bus 3,2 hectares.

Para Conde “as vantagens de estar na Zona de Desenvolvimento Económico de Dalian têm a ver com as excelentes infraestruturas ali disponibilizadas e os benefícios fiscais que a entidade governamental providencia”. Para além da fama de que a cidade já goza como centro industrial internacional, o responsável salienta ainda “a excelente capacidade de recursos humanos altamente preparados”.

A Brilliance Caetano Bus começou a produzir autocarros modelo Cobus 300 em Setembro do ano passado, mas a fábrica só foi inaugurada dois meses depois, numa cerimónia que contou com a presença de representantes de entidades governamentais da China. Até porque a SC não está sozinha nesta aventura asiática. Tem um parceiro chinês importante: a Brilliance Auto (Divisão de Veículos Especiais), do Grupo Huachen, com sede em Shenyang, que tem inclusivamente ligações à BMW.

O contacto entre as duas empresas deu-se por volta de 2005, quando a SC fez um acordo para distribuir em Portugal e Espanha veículos da marca Brilliance, mas esta parceria acabou por não ir adiante. Conde assegura que há um profundo conhecimento das duas empresas: “Quando a Huachen decidiu criar um grupo especificamente vocacionado para o mercado de veículos especiais em 2011, abordou a Salvador Caetano”. As negociações demoraram cerca de um ano e no final de 2012 “estabeleceram-se os acordos definitivos”. Em Março de 2013 estava criada a empresa na China que une os dois grupos e que conta com uma participação de 50 por cento de ambas as partes. Para o presidente do Grupo Brilliance, Qy Yuming, esta parceria representa a mais recente “conquista do grupo sob a filosofia mudar o mundo com a tecnologia e construir uma marca com qualidade”, lê-se num texto publicado no site da CaetanoBus.

Apesar dos ligeiros de passageiros da firma chinesa serem conhecidos no mercado por ZhongHua, a marca comercial com que se darão a conhecer na Ásia é a Caetano. Afinal, este nome já tem história na China, para onde a SC exporta regularmente há 23 anos, tendo um dos primeiros clientes sido a Air China. Também em Hong Kong, por exemplo, circulam autocarros de dois pisos da empresa portuguesa.