Conservas | Ramirez, a mais antiga fábrica do mundo

As conservas são um negócio de milhões mas são ainda mais os passos dados para os amealhar. Na fábrica de Leça da Palmeira, as operárias mais velhas são mais valiosas. Naqueles balcões aprenderam a enlatar à mão e a trabalhar com as máquinas. É o vintage que a Ramirez fará por conservar na nova fábrica em Matosinhos

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Texto Patrícia Lemos | Fotos Paulo Cordeiro

Em Portugal

 

 

Com ou sem espinhas, despeladas e em molhos especiais, as sardinhas da Ramirez satisfazem qualquer gosto – da América à Ásia. São apenas quatro peixinhos numa lata, mas cada um importa na imensa cadeia de produção da fábrica de conservas mais antiga de Portugal, em Matosinhos. Dos carregadores às técnicas de controlo de qualidade, as sardinhas passam por muitas mãos até chegarem à mesa.

Saltam dos barcos dos pescadores, que as capturam com a arte do cerco, para o recipiente com salmoura da fábrica da Ramirez. Daí aos balcões das manipuladoras de peixe daquela unidade de Leça da Palmeira são dois tempos. Mas quando este pescado rareia no mar, a Ramirez não cruza os braços: ou se vira para outros peixes, como a cavala e o atum, ou abre as arcas congeladoras e manda sair o estoque bem acondicionado.

As sardinhas não entram na lata sem serem descabeçadas e perderem as vísceras. São depois encaixadas nas típicas latas rectangulares portuguesas ou vazios. E tem tudo condão feminino. De tesoura na mão, as mulheres, cortam os peixinhos para lhes dar o tamanho ideal. O que sobra é transformado em farinha, porque nada se perde nesta linha de produção.

Acomodadas as quatro inquilinas na casa de lata, é tempo de entrarem nas grelhas para cozerem a 100 graus nos fornos a vapor, entre 20 a 30 minutos, dependendo da receita. Sim, poucos sabem que elas cozem na própria lata. Têm mais sorte do que o vizinho atum em assado à algarvia que fica três horas a apurar a 120 graus. É um dos favoritos da produção da Ramirez.

Já cozidas, as sardinhas serpenteiam por carreiros para beber os molhos: azeite ou óleo ou um especial cheio de condimentos e picante. As operárias mal as reconhecem. Depois de as terem visto ‘inteirinhas’ no balcão do descabeçamento, supervisionam agora as máquinas que as fecham nas latas, as automatizadas cravadeiras. O trabalho das manipuladoras é especializado mas nada monótono, porque passam por várias fases de produção em crescendo de tecnologia.

 

Conserveira Ramirez. Paulo Cordeiro/Revista Macau

 

Sempre a controlar

Apesar da Ramirez ter sido sempre liderada por homens, são as mulheres que dominam a cadeia de produção e valem como o vinho do Porto – quanto maior for a idade mais segredos têm acumulados desta arte. Como diz Narciso Castro e Melo, secretário-geral da Associação Nacional dos Industriais de Conservas de Peixe, esta “é uma indústria progressista”. Emprega sobretudo mulheres “porque são normalmente as mães que tratam dos filhos e é com esse carinho que tudo é tratado na fábrica, sem desprestígio para os homens, claro”.

Manda a tradição que o homem pesque e a mulher fique em terra a tratar do peixe. E porque há costumes que não se perdem nem com a tecnologia, até mesmo no laboratório a indústria continua no feminino. A maior parte das técnicas do departamento de Controlo de Qualidade, algumas em estágio, é mais jovens do que as manipuladoras. Também vivem rodeadas de latas, até porque têm de estar sempre a testá-las. Não lidam só com o peixe, também têm de trabalhar com computadores e papelada. Ali tudo é passado a pente fino e nem a mais pequena rebarba passa sem observação cuidada.

O Controlo de Qualidade fica junto à zona de quarentena das latas já esterilizadas, para um descanso obrigatório de pelo menos 24 horas. É dirigido por Fátima Barata, que trabalha há 23 anos naquela casa. Apesar de estar localizado próximo do final da linha de produção, “há controlo em todas as fases, a partir do momento em que o peixe chega à fábrica ao instante em que é armazenado”, garante a responsável. Porém, duas etapas pedem maior atenção para assegurar as conservas: “A qualidade e temperatura do peixe e a cravação e esterilização das latas”. Há ainda cuidados acrescidos que fazem com que muitos enlatados não entrem em armazém, porque “todos os dias entre 100 a 110 latas são abertas para provar, ver as cravações e se a esterilização é segura”. É um custo para a empresa mas a engenheira garante que “dá os seus frutos, porque nunca tivemos uma situação de recolha de produto de segurança alimentar e as reclamações não são significativas”.

Este é um negócio de família, do topo às bases. Próxima de agarrar o leme da Ramirez já está a quinta geração. São laços que atravessam a conserveira de uma ponta à outra. Algumas das mulheres que hoje trabalham na empresa passaram no berçário da fábrica, enquanto as mães faziam o expediente. Até o contabilista da empresa e o responsável da logística são irmãos.

Para além dos escritórios, da ala dos operários e do laboratório, a fábrica ainda inclui uma loja e vêm pessoas de vários pontos do país comprar. O vice-presidente da empresa, Manuel Ramirez, garante: “Aqui temos variedade”.

 

Conserveira Ramirez. Paulo Cordeiro/Revista Macau