AULP | Macau na placa giratória da língua

O XXIV Encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) fez convergir em Macau mais de 200 académicos que, entre 17 e 19 de Setembro, se debruçaram sobre a difusão das línguas portuguesa e chinesa nos domínios do ensino e do turismo. Além da presidência até 2017, nas mãos de Macau ficou também o poder de impulsionar, com uma injecção de capital, programas de mobilidade de alunos e professores

AULP_01

 

Textos Diana do Mar e Fátima Valente | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro e GCS

 

“Se queres ir depressa, vai sozinho; se queres ir longe, vai acompanhado.” O provérbio africano foi invocado por Jorge Ferrão, reitor da Universidade Lúrio (Moçambique) e presidente cessante da Associação das Universidades de Língua Portuguesa (AULP) na abertura, mas poderia sintetizar um conjunto de intervenções na hora do encerramento. Mais de duas centenas de académicos dos quatro cantos do mundo participaram, ao longo de três dias, num debate em torno da importância da difusão das línguas portuguesa e chinesa para a colaboração académica e promoção do turismo.

Definida como “incontornável plataforma” no diálogo entre o Oriente e o Ocidente e nas relações entre a China e os países lusófonos, Macau foi palco, pela quinta vez, do encontro anual da AULP, mas não foi apenas como anfitriã que esteve sob os holofotes. Logo no arranque, foi referenciada pelo importante contributo que pode dar para alavancar, estruturar e alargar programas de mobilidade no seio do universo lusófono. Como? Através de uma almofada financeira na ordem dos 300 mil euros. Apesar de já ter sido feito no início do ano, o pedido de financiamento – endereçado à Fundação Macau – foi abordado durante a reunião do Conselho de Administração da AULP, o primeiro ponto da agenda do encontro, inaugurado no campus da Universidade de Macau na Ilha da Montanha.

“Criámos uma espécie de ‘Erasmus’ que funciona com estudantes que vêm do Brasil para as universidades africanas e das universidades africanas para o Brasil, mas queremos que todos os membros possam beneficiar”, pelo que “parte deste financiamento ajudaria a estruturar este programa de mobilidade para todos”, explicou o presidente da AULP. O apoio seria “uma injecção importantíssima” e constituiria uma “base para começar”, disse, sublinhando, porém, que tal não invalida que se continue à procura de financiamento junto das universidades que são, afinal de contas, “sujeitos activos” nesse processo.

Além de reforçar o que existe ao nível do programa de mobilidade da AULP (PIAPEE) – de intercâmbio de alunos brasileiros com África e Portugal, em funcionamento há três anos, com 52 projectos envolvendo 600 pessoas –, o financiamento pedido à Fundação Macau permitiria ir mais longe: “Queríamos poder fazer o triângulo, envolver também Macau, Timor-Leste e criar um pacote diferente”.

Depois de há uns anos a Fundação Macau ter entrado com uma verba equivalente a 200 mil dólares para a parte administrativa da AULP, possibilitando, entre outros, que continuasse a produzir as suas actas, revistas especializadas e a oferecer o Prémio Fernão Mendes Pinto (que distingue a melhor tese de doutoramento no espaço de língua portuguesa), desta feita, o apoio visa a vertente académica. “É necessário que entendam que a nossa associação não vive de administração, mas de projectos académicos”, sublinhou Jorge Ferrão.

Apesar de a Fundação Macau ter provado ser, ao longo dos últimos anos, “um parceiro primordial”, não figura como o principal financiador: “A CAPES [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, entidade brasileira equivalente à Fundação da Ciência e Tecnologia de Portugal] fez um investimento de quatro milhões de dólares que é, de longe, superior ao da Fundação Macau. Mas não é a importância dos valores, é a importância do gesto.”

AULP_02

Macau aos comandos até 2017

Com ou sem financiamento, Macau vai jogar outro papel no xadrez da AULP. Após a apresentação de uma lista única de consenso, a Universidade de Macau (UM) foi eleita, por unanimidade, para a presidência, tornando-se na primeira instituição de Macau a liderar a AULP. Já na vice-presidência ficaram a Universidade Lúrio (Moçambique), a Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil), a Universidade de Coimbra (Portugal) e a Universidade Mandume Ya Ndemufayo (Angola).

No triénio 2014-2017, continuar-se-á a dar prioridade à organização dos encontros anuais, afirmou o vice-reitor da UM Rui Martins, que vai exercer a presidência da AULP (em representação do reitor Wei Zhao), indicando que ficou decidido que o próximo vai ter como palco a Cidade da Praia (Cabo Verde), realizando-se entre os dias 15 e 17 de Julho de 2015.

Do rol de objectivos, Rui Martins elencou nomeadamente o reforço da relação entre os diversos países de língua portuguesa, numa altura em que se assiste a um aumento exponencial do número de universidades. “Só em Angola e Moçambique são cerca de 100 universidades: 72 em Angola e cerca de 30 em Moçambique. Há todo um espaço de grande apetência pelo ensino superior, e de investigação, e nós vamos contribuir o melhor que pudermos para essa contínua integração”, afirmou, apontando que a AULP pretende dar “especial atenção à ligação às universidades em Timor-Leste e na Guiné-Bissau”. “Há todo um diferente nível de desenvolvimento nos diferentes países que vamos procurar estimular”, especificou, enaltecendo a recente criação de uma universidade em São Tomé e Príncipe, onde apenas existia um instituto politécnico.

Rui Martins expressou também a vontade de uma maior interligação com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): “A AULP é mais antiga do que a CPLP e essa também é uma das áreas que estamos a tentar dinamizar, mas é um plano para o futuro”.

AULP_03

Parceria de Inovação

Já em processo de plena dinamização no seio da AULP está a ideia de criar uma Parceria de Inovação para a Valorização dos Recursos Naturais dos Países de Língua Portuguesa. Mais de uma dezena de instituições, incluindo a UM e a própria AULP, subscreveram o projecto de memorando de entendimento para o efeito que deverá ser brevemente firmado.

“Considerando o manancial de plantas endémicas e medicinais existentes nos países de língua portuguesa, ainda inexploradas”, pretende-se criar uma Parceria de Inovação e, à semelhança das Parcerias de Inovação Europeias, “dinamizar a cooperação interdisciplinar e a criação de consórcios para candidaturas a projectos internacionais em áreas de interesse”, nomeadamente a Saúde e a Nutrição.

A criação de um portal interactivo, para a troca de informação e identificação das necessidades com vista a melhorar a valorização económica e social dos recursos naturais, figura como o primeiro passo. Os principais contornos da Parceria de Inovação foram apresentados numa mesa redonda no último dia do Encontro da AULP por Amélia Pilar Rauter, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde ficará sedeado o ‘website’, em português e em inglês, dado que a iniciativa foi ali concebida.

Introduzida há um ano num encontro da AULP em Belo Horizonte, no Brasil, numa “primeira pesquisa do interesse”, o tema voltou a ser abordado, posteriormente, em Portugal, mas decidiu-se esperar pelo encontro em Macau para chegar a “um público-alvo muito mais abrangente”. Contudo, a assinatura do memorando acabou por ser adiada, depois de reitores de universidades, designadamente do Brasil e de São Tomé e Príncipe, terem também manifestado vontade de aderir, durante a mesa redonda, ‘engrossando’ a lista de instituições signatárias.

A parceria, que não prevê compromissos financeiros, vai antes, segundo Amélia Pilar Rauter, “responsabilizar todas as instituições a trabalharem para arranjar o financiamento dos projectos através dos meios europeus, internacionais, nacionais, ou regionais”. Afinal, como realçou Jorge Ferrão na abertura do encontro da AULP, “ninguém sobe a nenhuma árvore com as mãos nos bolsos”.