Ponte Governador Nobre de Carvalho, 40 anos a ligar Macau e Taipa

A primeira travessia terrestre entre Macau e Taipa, a ponte Governador Nobre de Carvalho, foi aberta ao trânsito há 40 anos. Antes disso, a ligação estava sujeita a travessias marítimas irregulares que chegavam a levar uma hora de viagem para cruzar os três quilómetros que separam as duas margens. A construção foi uma verdadeira ousadia na altura devido à profundidade dos lodos de fundação e durante anos foi considerada a ponte contínua mais longa do mundo.

Ponte Nobre de Carvalho

 

Texto Patrícia Cruz | Fotos Gonçalo Lobo Pinheiro e Arquivo Histórico de Macau

 

“Para toda a população portuguesa e chinesa, a ponte Macau-Taipa é o símbolo do futuro de Macau.” Assim anunciava o governador Nobre de Carvalho, em Outubro de 1969, a construção da primeira travessia terrestre entre a península de Macau e a ilha da Taipa. Projectada pelo engenheiro Edgar Cardoso no final da década de 1960, a construção iniciou-se a 18 de Junho de 1970 e a inauguração teve lugar a 5 de Outubro de 1974, continuando a ser actualmente a única das três pontes da ligação Macau-Taipa que se pode atravessar a pé.

Os seus três quilómetros de extensão deram-lhe, nos anos 1970, o título de ponte contínua mais longa do mundo. A meio do seu percurso, o trainel é elevado aos 35 metros formando um arco triangular que garante a passagem de barcos. Inspirada nas tradicionais pontes asiáticas de bambu, a sua forma evoca o dorso de um enorme dragão, representando a cabeça o Casino Lisboa e a cauda o Monumento da Taipa. Outrora fomentadora do desenvolvimento socio-económico de Macau, a Ponte Governador Nobre de Carvalho é hoje um ex-líbris da cidade.

Ponte Nobre de Carvalho

Sonho antigo

A existência de uma ponte entre a cidade de Macau e a Taipa era um sonho acalentado há várias gerações pela população de Macau, que, após a inauguração do Istmo Taipa-Coloane, a 2 de Junho de 1968, desejava a integração física do território. Aquela aspiração era igualmente sentida pelo Governo de Macau, tendo a construção da ponte sido idealizada pelo governador Jaime Silvério Marques, acarinhada por governador Lopes dos Santos, para ser concretizada por José Manuel de Faria e Sousa Nobre de Carvalho.

Tal demora deveu-se à falta de meios financeiros, só se tornando possível com o auxílio financeiro do Governo de Portugal, num processo em que o Ministro do Ultramar do país, Joaquim Moreira da Silva Cunha, desempenhou um papel relevante, ao conceder um despacho favorável à construção da ponte.

Como razões para a sua construção, Nobre de Carvalho apontava o desenvolvimento da indústria e do turismo, a melhoria das comunicações com o exterior (estava prevista a construção de um porto em Coloane…) e a alta densidade demográfica que já se avizinhava na península.

Numa entrevista ao Diário Popular de 27 de Setembro de 1972, Nobre de Carvalho afirmava que “A Ponte Macau-Taipa, pelo seu elevado valor socioeconómico, será a principal força propulsora do desenvolvimento da província. Mesmo antes de concluída, já se estão obtendo resultados positivos, em diversos sectores da vida de Macau, designadamente quanto à valorização do concelho das ilhas, onde se regista um crescente interesse na obtenção de terrenos para fins industriais, turísticos e outros”, acrescentando que “Macau passará a ter uma nova dimensão, sendo de admitir que a população daquele território – onde se regista, como já disse, a mais alta densidade demográfica do mundo – passe a repartir-se de forma mais equilibrada, pois hoje essa população está praticamente concentrada na península”. A Ponte Macau-Taipa apresentava-se assim como uma promessa para o progresso económico e social.

Ponte Nobre de Carvalho

Construção e a inauguração

O projecto ficou nas mãos do engenheiro Edgar António de Mesquita Cardoso (1913-2000), considerado por muitos o maior engenheiro português do século XX. O inventor de pontes, como era conhecido, projectou tais construções não só em Portugal ou Macau, como também em Angola, Moçambique, Guiné, Nigéria, Índia, Timor, Brasil, Costa Rica e Venezuela, tendo escrito um dia que “em todos os rios existe um local que fora feito para fazer uma ponte. Era preciso encontrá-lo”.

A construção da Ponte Macau-Taipa foi adjudicada a Ho Yin, que contratou a Empresa de Engenharia de Macau, que, por sua vez, nomeou o engenheiro Wong Cheok Keong e o técnico Ng Fok para ficarem à frente da obra. Sob a fiscalização dos engenheiros Manuel de Mesquita Borges e José João de Deus Rodrigues do Rosário, do Gabinete da Ponte Macau-Taipa, o projecto foi sendo acompanhado in loco pelo autor do projecto, que se deslocava a Macau com frequência. A cerimónia de cravação da primeira estaca deu-se a 18 de Junho de 1970.

O projecto representava na altura um enorme desafio técnico, devido à má qualidade dos solos de fundação, constituídos por lodos com 25 a 30 metros de profundidade. No entanto, todas as dificuldades foram ultrapassadas através de técnicas inovadoras, como a pré-fabricação e a colagem dos elementos pré-fabricados de betão armado, de betão armado pré-esforçado e de aço com resinas epóxi. Outro aspecto inovador foi a colocação de uma superestrutura contínua de betão armado, o que fez dela a ponte contínua mais longa do mundo durante muitos anos. Os seus dois passeios ao lado das faixas de rodagem fazem com que esta seja ainda hoje a única travessia pedestre possível entre a península e a Taipa.

Ponte Nobre de Carvalho

Longo caminho até às torres de betão

A construção da Ponte Governador Nobre de Carvalho possibilitou o desenvolvimento acelerado das ilhas da Taipa e de Coloane. Na década de 1960, a Taipa era uma vila, com uma reduzida oferta de comércio e serviços. De facto, existiam apenas dois cafés, dois restaurantes de massas chinesas, uma mercearia, um mercado, um centro de saúde, o edifício dos Correios, um fotógrafo, um relojoeiro, um sapateiro e um cinema, sendo as únicas alternativas de entretenimento ir ao café e ao cinema.

Naquele tempo, os habitantes da Taipa viviam isolados do resto do território, uma vez que a passagem era feita de lancha, mediante um reduzido horário pré-estabelecido que, no entanto, se subordinava às marés e às condições atmosféricas. António Cambeta, Furriel Miliciano de Infantaria do Exército Português, foi mobilizado em 1964 para uma comissão de serviço em Macau, tendo ido parar ao Quartel da Taipa, e recorda hoje, com melancolia, os tempos em que ainda não havia ponte. “A Taipa tinha unicamente a parte da vila, de resto eram arrozais. Não havia grande vida. Existia um centro de saúde e eu dava-me bem com o médico e íamos para um cafezinho que ainda existe lá – o Café da Maria. Era onde os portugueses se juntavam. Eu e o médico, o Dr. Serra, todas as noites íamos para lá beber uma garrafa de Macieira. E o cinema tinha o projector no outro lado da rua. Era o que havia.”

De acordo com os Censos de 1970, residiam 5352 pessoas na Taipa, sendo a população total do território de 248.636 habitantes (226.880 na península, 1871 em Coloane e 14.533 na área marítima). Os Censos de 1981, já com a ponte construída, mostravam um desenvolvimento tímido da antiga vila. Com poucas fracções habitacionais construídas, houve um aumento de apenas 216 habitantes, num universo de 238.562 pessoas de toda Macau. O desenvolvimento da Taipa processou-se de forma lenta até ao início dos anos 1990, quando mais e mais torres de edifícios começaram a mudar a paisagem. Em 2011, a vila registava uma população de 78.497 pessoas, enquanto outros 469.009 estavam concentrados na península e outros 4262 em Coloane.

Ponte Nobre de Carvalho

Mudança de estratégia

Na altura da sua abertura ao trânsito, a Ponte Governador Nobre de Carvalho possuía um regime de pagamento de portagens, que só foi abolido em Dezembro de 1981. No primeiro mês de utilização, de 5 a 31 de Outubro de 1974, 36.780 veículos cruzaram a ponte, numa média diária de 1362. Com o rápido desenvolvimento de Macau, verificava-se um constante aumento do fluxo de tráfego e, de modo a aliviar a pressão, foram construídas a Ponte da Amizade, em 1994, e a Ponte de Sai Van, em 2004.

Quando a Praça de Ferreira do Amaral passou por remodelações, em 2005, foram implementadas medidas provisórias de controlo de tráfego, permitindo a circulação apenas de transportes públicos e veículos autorizados. A medida acabou por ser estendida, continuando ainda activa dentro do âmbito da política de prioridade do transporte público. Todos os dias mais de 17 mil veículos atravessam a primeira ponte de Macau.

 

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O senhor Governador

A 25 de Novembro de 1973, por deliberação das autarquias de Macau foi atribuída a designação de Ponte Governador Nobre de Carvalho à ligação até então conhecida como Ponte Macau-Taipa, numa homenagem ao homem que levou adiante o tão sonhado projecto. José Manuel de Sousa e Faro Nobre de Carvalho era general do Exército Português e desempenhou o cargo de Governador de Macau entre 25 de Novembro de 1966 e 19 de Novembro de 1974. Nascido em Lisboa em 1910, foi mobilizado para várias comissões de serviço na Índia, Cabo Verde e Angola, onde foi Chefe de Gabinete do Governador Geral e, mais tarde, Comandante Geral da Polícia de Segurança Pública. Recebeu várias condecorações e inúmeros louvores. Morreu a 23 de Agosto de 1988, em Lisboa, aos 77 anos.

 

 

Três é bom

A Ponte Nobre de Carvalho foi, até 1994, a única ligação terrestre entre a península e a Taipa. Em Junho de 1990, arrancaram as obras para a construção da segunda travessia, a Ponte da Amizade, inaugurada em Março de 1994, com 4,7 quilómetros de extensão e 800 metros de largura. Com o aumento do tráfego e o forte desenvolvimento da Taipa e do Cotai, foi ainda necessário criar uma terceira travessia. E assim, em Dezembro de 2004, nascia a Ponte de Sai Van, com 2,2 quilómetros de extensão e a única da região suspensa por cabos. Nas alturas em que o sinal número oito de tufão é hasteado, a Ponte de Sai Van é a única que está aberta ao trânsito, devido ao um túnel no tabuleiro inferior que garante a circulação dos veículos sem as tempéries de fortes ventos. Desde 2012, funciona ainda uma faixa de circulação exclusiva para motociclos.